Monday, August 24, 2020

NOSSO COMENTARISTA DE CINEMA SÉRGIO PRIOR RECOMENDA DOIS ÓTIMOS FILMES QUE VIU RECENTEMENTE



"DEPOIS DA TEMPESTADE", de Hirokazu Kore-Eda, tem como personagem central Ryota (Hiroshi Abe), um escritor que não consegue sobreviver economicamente, com compulsão por apostas, sempre endividado, que tem na atividade de detetive o seu ganha pão. Separado de sua esposa, pai de um filho, que já se cansaram de tantas promessas feitas por ele. O principal objetivo da vida de Ryota, por incrível que pareça, é reatar os laços com a sua família. A ambição de "botar a vida nos trilhos" por vezes parece ser irreal, mas está longe disso. E é justamente nessas incongruencias de todos nós, no cotidiano sem grandes sobressaltos, que o cinema do diretor Kore-Eda se debruça. Não há grandes digressões filosóficas, tampoucos cenas céleres, repletas de ação. Seu cinema analisa como se ele tivesse um microscópio e ampliasse a simplicidade da vida de um homem comum. Ryota se pergunta numa certa altura a razão de sua vida não ter dado certo. Kore-Eda não dá respostas. A personagem mais bela deste filme é a mãe de Ryota, mostrada nos seus afazeres domésticos no seu apartamento na periferia de Toquio. Uma senhora viúva representante, com gestos de uma dignidade ímpar. Como todos sabem, o Japão é assolado por tornados com frequencia, e o título do filme é uma alusão a esse fato. Mas de forma simbólica, pois o que Ryota almeja é mudar a sua vida depois da tormenta em que esta se tornou. Uma pequena obra-prima de um grande diretor. "DEPOIS DA TEMPESTADE", de Hirokazu Kore-Eda, pode ser encontrado na Vídeo Paradiso.


 

O diretor polonês Jan Komasa viu seu "REDE DE ÓDIO" premiado no festival Tribeca, nos EUA, como melhor filme estrangeiro, versando sobre um tema bastante atual e relevante, particularmente no Brasil atual. A narrativa segue a vida de Tomasz (Maciej Musialowski), um estudante de direito da universidade de Varsóvia que é expulso da mesma por ter plagiado num de seus trabalhos. Importante notar a origem humilde de Tomasz, nascido e criado numa aldeia da Polonia, que teve a "sorte" de uma família de mecenas bancar os seus estudos. E é a esta família da elite financeira e intelectual polonesa, os Krazuckas, que Tomasz deverá se explicar. Importante notar que a família é também esnobe, olhando as classes operária e de trabalhadores comuns de maneira pretensiosa, do alto para baixo. Tomasz é apaixonado pela filha mais nova da família Krasucka, Gabi, que ao contrário da irmã que tem um desempenho academico elogiável, ainda tem uma dependencia de drogas. Impedido de se aproximar de Gabi, execrado pelos Krasuckas, Tomasz consegue uma vaga numa firma especializada em derrubar mitos da internet, claro que de acordo com os interesses financeiros de um interessado. Em suma, Tomasz mostra sua face sociopática ao se tornar um mestre em aniquilar pessoas através de fake news, e testemunhamos todos os mecanismos sórdidos usados pelo submundo das redes sociais, onde correm solta a xenofobia, o belicismo, as críticas mais vis que almejam destruir as pessoas e a "alma" da democracia e das pessoas de bem. O poder que pessoas com esse poder nas mãos têm, movidas pelos mais diversos tipos de frustrações psicológicas e/ou sociais, pode ser devastador. Vide as últimas eleições nos EUA e no nosso país varonil. Grande filme. "REDE DE ÓDIO", de Jan Komasa, está a disposição no streaming da Netflix.


 

Sérgio Prior é psiquiatra,
torcedor do Santos Futebol Clube
e mantém há quase 20 anos a webpage
www.setimarte.iron.com.br
É colaborador contumaz de
LEVA UM CASAQUINHO


LEVA UM CASAQUINHO ORGULHOSAMENTE APRESENTA OS MAIORES E MELHORES FILMES DE TRIBUNAL DE TODOS OS TEMPOS

 



O VENTO SERÁ TUA HERANÇA
(Inherit the Wind, 1960)

O famoso caso ocorrido em 1925, no estado americano do Tennesse, quando o professor John Thomas Scopes foi julgado criminalmente por ensinar a teoria da evolução de Darwin em uma escola pública. ”O Julgamento do Macaco” (Monkey Trial), como ficou conhecido, teve repercussão mundial pela batalha travada pelos advogados de acusação e defesa. Durante o julgamento do Tribunal do Júri, que durou onze dias e foi o primeiro a ser transmitido por rádio, a defesa foi impedida pelo juiz de apresentar cientistas como testemunhas em favor da teoria da evolução. Baseado no romance de J. Lawrence e Robert E. Lee, escrita em 1951.
 TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO
(Witness for the Prosecution, 1957)

Que ciência e religião sempre bateram de frente, isto não é novidade para ninguém. Porém, nos idos da década de 1920, um caso que envolvia este embate em uma escola foi um divisor de águas para a sociedade norte-americana e, porque não dizer, mundial. Em 1925, um professor é julgado criminalmente por ensinar a Teoria da Evolução de Darwin em uma instituição pública. A acusação, apoiada pelo fanatismo religioso, era feita pelo pastor Matthew Harrison Brady (Fredric March), candidato à presidência dos EUA, enquanto a defesa cabia a Spencer Tracy), famoso advogado a favor dos direitos civis. O debate no filme de Stanley Kramer tem ecos inclusive no atual momento político do Brasil, onde uma candidata à presidência sugeriu voltar o ensino do Criacionismo nas escolas. Fato que vai muito além e discute até que ponto a religião pode afetar a vida das pessoas. O Vento Será Tua Herança se passa quase que integralmente dentro do tribunal e é um dos exemplares máximo do gênero que não envelhece. Afinal, uma discussão destas é recheada de argumentos e pontos de vista que ecoam até hoje.
 O SOL É PARA TODOS
(To Kill A Mickingbird, 1962)

Adaptação do clássico literário escrito por Harper Lee, traz Gregory Peck em um dos papeis que definiram sua carreira: o advogado Atticus Finch, que lhe rendeu um Oscar de Melhor Ator. Situado na cidade de Maycomb, no Alabama dos anos 30, o filme acompanha Atticus e seu envolvimento com um caso no qual precisa defender Tom Robinson (Brock Peters), um homem negro que é acusado de ter estuprado a jovem branca Mayella Ewell (Collin Wilcox Paxton). Como a cidade é predominantemente racista, Atticus e seus filhos Scout (Mary Badham) e Jem (Phillip Alford) passam a ser mal vistos pelas pessoas, enquanto ele tenta provar a inocência de Tom. Seguindo fielmente a história do livro, tem-se aqui um filme bastante simples em sua execução, mas grandioso em sua história e seus personagens, tratando com propriedade um tema social relevante. E se Gregory Peck brilha no papel de Atticus, o restante do elenco não fica muito atrás, desde Mary Badham como Scout até Robert Duvall em sua pequena participação como Arthur “Boo” Radley. Todas essas peças o ajudam a ser um clássico primoroso.

O VEREDITO
(The Verdict, 1982)

Depois de ter construído um filme inteiro dentro da sala dos jurados em 12 Homens e uma Sentença, Sidney Lumet retornaria aos filmes de tribunal com um exemplar mais convencional, mas não menos brilhante, em 1982: O Veredicto. Estrelado por Paul Newman em uma grande performance, o longa-metragem foi indicado a cinco Oscar no ano de 1983 – Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado, Ator (Newman) e Ator Coadjuvante (James Mason) – mas acabou não levando nenhuma estatueta. Com roteiro de David Mamet, a trama acompanha a trajetória do advogado beberrão Frank Galvin, que vê a chance de reverter sua falta de sorte num caso facílimo, solucionável com um acordo extrajudicial: hospital administrado por igreja comete um erro e deixa uma mulher grávida em coma. Os familiares da vítima não desejam ir a julgamento, muito menos os médicos envolvidos e a instituição. Uma crise de consciência, no entanto, não o deixa seguir o caminho fácil. É bem verdade que todo o caso é solucionado com um personagem surpresa, parecendo mais sorte de Galvin do que propriamente juízo. Mesmo assim, o roteiro de Mamet conduzido magistralmente por Lumet acerta muito mais do que erra. Somando-se às belas atuações do elenco, O Veredicto é mais um trabalho merecedor de distinção na carreira do diretor e do próprio Paul Newman.

DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA
(12 Angry Men, 1957)

12 Homens e uma Sentença é um daqueles trabalhos irretocáveis, dirigido por um estreante Sidney Lumet. Um “filme de tribunal” no qual o espectador faz o papel de décimo terceiro jurado. Escrita por Reginald Rose, a trama acompanha um caso aparentemente indefensável: um rapaz foi preso após ter sido acusado de matar o pai. A situação é bastante complicada para o réu, que tem testemunhas oculares o condenando do crime – e a pena para tal delito é a morte. Cabe aos doze jurados a sentença. Para que o rapaz seja libertado ou condenado, o júri deve sair de sua saleta com uma resolução unânime. Não parecia um grande problema, visto que qualquer um que observasse o caso não teria dúvidas da culpabilidade do réu. Qualquer um, menos o jurado #8 (Henry Fonda), que pede a seus colegas que repensem tudo o que observaram durante o julgamento, para ao menos terem certeza absoluta. A partir dali, cada um dos jurados terá de enfrentar seus preconceitos, crenças e agendas pessoais para dar ao réu um julgamento justo. Passado quase completamente dentro da sala dos jurados, 12 Homens e uma Sentença é um filme de diálogos e, diferente de muitas histórias de tribunal, não acompanhamos o julgamento. Indicado ao Oscar nas categorias Melhor Filme, Diretor e Roteiro Adaptado.





POIS É, ACONTECE... (um conto de Antonio Luis Nilo)



Não fazia frio em Luanda, tampouco calor. O vidro da janela do banheiro estava aberto e o frescor do início do cacimbo não incomodava. Na África Meridional, existem duas estações: a das chuvas, que ocorre de outubro a abril, e a da seca, conhecida regionalmente como “cacimbo”, de temperaturas mais amenas. Abaixei a tampa e me preparei para mijar. Um mosquito cruzou a tábua da privada no exato instante em que o primeiro jato se desprendeu. Alvejado em pleno voo, o pernilongo foi arremessado de encontro à parede do vaso e escorreu para a superfície da água, ainda pouco misturada à urina. Direcionei o jato para o seu corpúsculo que flutuava, até ter a certeza de que estava liquidado, e pensei na possibilidade matemática de um mosquito ser abatido no ar por um jato de urina de alguém sonolento. Uma em mil... uma em um milhão. Afinal, eu não persegui o mosquito em seu voo. Nem tinha notado a sua presença. Ele que entrou na frente no momento exato em que eu desferia o primeiro jato. Muito azar do mosquito. Isso só acontece uma vez na vida. Na dele, com certeza.


Lembrei que eu tinha que ligar pro Felipe, meu filho mais velho. Ele que não esquecesse de jogar na mega sena no Brasil. Minha internet estava pra lá de luandense, não dava pra jogar de casa... e no celular, o 3G se arrastava. E o prêmio, acredite, acumulara em 115 milhões. Tinha transferido 380 reais... dava pra fazer um jogo de 9 dezenas. A chance de ganhar subia de 1 em 50 milhões para 1 em 590 mil. Eu sei que ainda seria difícil pra caralho. Mas eu tinha acabado de matar um mosquito em pleno voo com uma mijada... e sem mirar. Ou seja, podia ser o meu dia de sorte.


Luanda é a capital de Angola, um país pobre que amargurou uma história relativamente recente de 30 anos de guerra civil. Os negros reconquistaram seu país. E boa parte dos brancos (portugueses até então dominadores) vazaram para sua terra natal e alguns para a África do Sul e o Brasil. Mas, com a abertura da economia, os brancos voltaram... e trouxeram os amarelos. Os cerca de 400 mil chineses, mão de obra barata, se multiplicavam nas atividades menos nobres das obras de engenharia. Mas a sensação que se tinha é que não construíam apenas edifícios, pontes e estradas... mas uma torre de Babel. Além do português angolano malemolente e de acento lusitano, os dialetos umbundo, quimbundo e quicongo se misturavam ao inglês falado pelos executivos das multinacionais, ao português brasileiro dos odebrechtianos e ao mandarim de quem mais obedece do que fala.


Era sábado, dia de descanso. Como engenheiro, tinha o privilégio de viver num condomínio fechado em Talatona, excelente moradia. Tinha um salário do tamanho da saudade que sentia do Brasil, apesar de visitar a família de seis em seis meses. Vesti uma bermuda confortável e abri uma Cuca Ruiva, uma amber lager tradicional de Angola, e comecei a limpar os espetos da churrasqueira. A piscina estava azul e cristalina, à espera dos convidados. Eu não era um sujeito rico, mas a construtora me garantia uma moradia acima dos meus padrões brasileiros e eu não via mal nenhum nisso. Havia marcado um churrasco com os amigos da empresa por volta do meio dia. Ainda era cedo, teria tempo de preparar tudo com calma e tomar pelo menos umas 8 ou 10 Cucas.


Espetos lavados, cervejas a menos 6 graus, petiscos cortados. Abri a quarta Cuca e me recostei numa cadeira de praia pensando no e-mail de minha ex-mulher, mãe dos meus 5 filhos, me pedindo mais dinheiro. A pensão não era das mais robustas, mas tinha dúvida se deveria aumentá-la. Enquanto, de olhos fechados, fazia algumas contas de cabeça, poooffff: uma pasta asquerosa e fedida atingiu o meu rosto, inundando meus olhos, nariz e bigode. Corri para a pia da churrasqueira, lavei o rosto e usei o álcool de acender o fogo pra desinfetar o meu bigode. Parecia cocô de pombo. Corri para a piscina e olhei para o céu. Umas duas dezenas de cegonhas ainda sobrevoavam minha casa a uns 150m de altura ou mais. Porra, não é possível. Seria muito azar tomar uma cagada de cegonha na cara, no conforto da minha piscina. Pensei na possibilidade matemática de isso acontecer, mas logo desisti. Conta difícil, cheia de variáveis, que exigiria pesquisa científica e um mirabolante cálculo de probabilidade com amostragem, fatoriais, velocidade... impossível.


Sentia saudade dos meus filhos, do Rio de janeiro e até de minha ex-mulher. A vida em Luanda era uma merda, só valia o pé de meia. A campainha tocou... eram 11h10 da manhã. Quem seria tão cedo? Olhei pelo monitor da sala que mostra todas as câmeras da casa e vi a figura do porteiro acompanhado de um homem que eu nunca tinha visto na vida. Será que era convidado de algum convidado? Mas por que o porteiro não me avisou pelo interfone? Estranho.


Abri a porta e ouvi o estampido. O filho da puta me atirou na perna e entrou em minha casa arrastando o porteiro. O sangue esguichava, senti tontura. Só lembro de ver o porteiro amordaçado e amarrado na coluna da sala.


Acordei no quarto do hospital dois dias depois com o Felipe sorrindo e falando baixinho: “Porra, pai... que susto que você deu na gente”. Perguntei o que tinha acontecido e ele me falou do roubo, do tiro, da minha cirurgia e da viagem que fez sozinho por imposição da mãe. Achavam que eu ia morrer. Não sei porque, mas a primeira coisa que me veio à cabeça foi o jogo da mega sena. Peguei meu celular na mesinha e pesquisei no Google. Vi que não tinha acertado nem um número. Comentei com o Felipe e ele me disse que tinha sacado o dinheiro, mas que tinha esquecido de jogar. “Porra, pai... eu sabia que você ia ficar puto comigo então corri na banca do jogo do bicho do Jardim de Alah e joguei a grana toda no grupo da borboleta. Eu tinha sonhado com borboleta a noite toda. Deu na cabeça, pai. Você ganhou 6 mil reais, tá aqui a grana”.


Me deu uma fisgada na coxa que me fez contorcer inteiro. Olhei pro Felipe e falei pra ele ficar com mil reais e dar os outros 5 pra mãe dele.


Virei pro outro lado, fechei os olhos e só consegui pensar na borboleta. Borboleta na cabeça. Não é um mosquito, mas é o único inseto do jogo do bicho. Uma chance em 25.




Antonio Luiz Nilo nasceu em Santos,

e é redator publicitário e diretor de criação

há quase 30 anos,

com prêmios nacionais e internacionais.

Circulou a trabalho por todo o país,

com paradas prolongadas em Brasília,

Belo Horizonte e Salvador.

Publicou em 1986, o livro de poemas

"Poemas de Duas Gerações",

e, mais recentemente, o romance

"Ascensão e Queda de Pedro Pluma"

(disponível para venda em alnilo@gmail.com).

Além disso, atuou como cronista

para o diário Correio da Bahia.





 

CROSSES' CAVERN (Chapters 1 to 5) (by Manoel Herzog aka Germano Quaresma)

 


Chapter The First

Capítulo de número um

 

Good Afternoon, folks. My name is Manny Duke. I am a farmer, sorry, eu sou um fazendeiro (falemos portuguese, please) aqui do Estado de Idaho, EUA. Nem sempre eu tenho sido um fazendeiro, isto é, eu usava ser um lawyer quando vivia lá na cidade grande. Um lawyer, um homem de leis. Cirscunstâncias da life me levaram, no entanto, a me tornar um farmer, recluso aqui no escondido Idaho, no munícipio de Crosses Cavern (Caverna das Cruzes), onde possuía já, adquirida com o dinheiro que ganhei como homem de leis, uma pequena propriedade rural. Montaigne, um sábio francês, e nós norteamericanos adoramos os franceses, viveu experiência parecida à minha, a determinado ponto de sua life decidiu abolir todo contato humano e se recolheu na sua quinta, nos arrebaldes de Paris, de onde passou a escrever memórias e reflexões.

Eu também decidi abandonar por completo o contato com os seres humanos, e devo acabar por expor as razões que me levaram a tal decisão ao longo deste relato. Não o faço agora por dupla razão: primeiro, não há uma lógica ou um ponto determinante que me tenha feito optar pela vida em eremitério, the lonely life; e segundo, se eu fosse enumerar o conjunto de razões por certo haveria de inviabilizar este que denominei first chapter, capítulo primeiro, passando a já fazer uma novel do que seria um simple chapter.

Meus chapters, nesta historinha country, terão sempre o padrão de três parágrafos, de forma a não cansar os leitores que se disponham a acompanhar. Aliás, here am I já no terceiro parágrafo deste chapter de hoje, de onde devo estacionar. Antes, contudo, vou adiantar dois substantivos que bem se podem incluir entre as razões de minha escolha pelo isolamento no campo: um simple, Galinhas (sim, chickens) and um nome próprio, Tiffany.

 

Chapter The Second

Capítulo Segundo

 

Hi, Folks. Passei o weekend no meu  private Idaho, com minhas galinhas. Que animais fantásticos. Desde que resolvi me isolar no Idaho, em Crosses' Cavern, tive bem clara a ideia de empreender uma criação de chickens. Foi então que adquiri, num fornecedor do Alabama, um lote de cento e cinquenta pintainhos (tweeties), de variadas raças, para corte, postura de ovos, ornamento, sacrifício religioso, etc. Há três semanas os tenho acompanhado, e como crescem! Começa a surgir até mesmo alguma afeição entre me and my tweeties, e é sobre isso que quero filosofar today.

Viver a rural life pode nos ressignificar a relação com os animals. O homem urbano, constato, se acanalhou de tal forma que passou, em sua arrogância, a pretender humanizar os bichos, aos quais atribuiu a detestável alcunha de "pets". Um pet é a derrota da civilização. Famílias urbanas reservam mais cota de amor a seus bichos de estima que a outros de sua espécie, que são capazes de ver nas ruas, em absoluta miséria, com indiferença. Já presenciei festa de aniversário pra cachorro, batismo de hamster, desfile de moda de coelhos. Os próprios animais se tornam canalhas, como se humanos fossem, com tais procedimentos. Ficam arrogantes, enjeitam alimento, avançam na mão que os provê etc.

Eu com meus pintos mantenho uma relação de bem querer e respeito mutual. Sabem que minha função ali é alimentá-los e devem saber, se a intuição lhes sopra, que meu intuito é o de um dia devorá-los, se necessário. mas não se restringe a uma troca econômica a nossa relação, e só isso já a justificaria, segundo Karl Marx. Há, sim um relação de afeto: não os crio em confinamento, não lhes ministro hormônios para que cresçam mais e vivam menos, serão lançados a campo onde viverão em liberdade e à noite terão ração fresquinha e água gelada com que matar suas fome e sede, além de um poleiro limpo pra dormir ao abrigo das intempéries. Tudo isso justifica sobremaneira a relação que um homem possa ter com seu animal, é justo para ambos e mais, é digno. Aliás, dignidade é o que a Tiffany faltou - a cretina usava manter aqueles gatos imundos como dois parasitas, dois funcionários públicos estáveis, gordos e soltando pelos pela casa. Paro por aqui hoje. Said papa Hemingway: just three chapters a day. Bye, folks.

 

3rd. Chapter

 

'Mornin, folks. Yesterday eu estava muito bitter, amargo. Gostaria de me desculpar por um excesso, ao dizer que Tiffany carecia de dignidade. It's not true. Ela apenas tem uma predisposição maior que a minha, a nisso a invejo, de suportar a vida em society, a urban life. O fato de colocar ametistas no chacra frontal de nossa Shit-su, ou de me recriminar por querer comer ao molho madeira um dos coelhinhos de nossa daughter, não a torna indigna. Apenas confirma que não serve pra mim esta relação, e that´s allright, ninguém é obrigado.

Comprei um lote de cem tweeties, como disse no chapter anterior, mesclados. Havia ali galinhas brancas, dessas inúteis de granja que só prestam pra comer, havia galinhas francesas Label Rouge, do pescoço pelado, havia galinhas poedeiras Rhode Island e galinhas inteiramente negras, de belos olhos e crista vermelhos. Estas se vendiam caríssimo, um old tycoon, um feiticeiro do underground de Crosses' Cavern, as comprava para rituais satânicos. Os galináceos são seres especialíssimos. Têm uma graça natural, não há quem não simpatize com eles, sempre em volta da gente a nos olhar inquisitivos, curiosos da nossa tão sem sabor humanidade.  Comem o que quer que se lhes apresente, vegetal, animal, mineral ou celestial. Carne, até a das companheiras elas comem. Restos de ossos, pelos, cabelos, vísceras, sangue, pele, pelanca e toda sorte de muxibas, em que estado de frescor ou putrefação se encontrem. Vegetal, comem de tudo, a casca dos legumes, os grãos, as raízes, os caules, os frutos e as sementes, inclusive a erva, o capim, e o que mais viceje. Comem também areia, pedra, casca de ovo, comem, comem e, na medida em que comem, defecam. Suas fezes têm um teor de nitrato e calcário absurdo, o que retroalimenta as plantações que haja numa farm ou cottage, e assim criar galinhas se torna um círculo fechado em que se aduba o que se planta pras galinhas comerem. São engraçadas e, glória maior, absolutamente burras. Uma galinha é dos seres mais idiotas e primários que Deus criou, quase tão estúpida quanto uma anêmona. Não tem sentimentos, o que come é por ela processado com uma rapidez e indiferença exemplares, não possui memória e nem guarda rancor. E come, come desesperadamente. Diz-se que se um homem  deitar no pasto e mantiver-se inerte elas o devoram. Creio seja verdade. Billy J., de Oklahoma, garante que seu avô nonagenário adormeceu sob um pé de oak e quando encontraram o corpo este se reduzia a um esqueleto, já bastante bicado, pois as galinhas comem ossos também. Mais um dia de esquecimento do Old Papa J. resultaria em nada se encontrar além de titica calcárea.

Nem só a galináceos, contudo, se resume a minha rural life. Ontem, for example, passei o dia podando apple trees. Com uma tesoura de poda manual fui desbastando os galhos que as arvorezinhas insistiam em fazer germinar pra dentro, no sentido do tronco. É sabido, vi-o num curso de youtube com Dan T., um velho plantador de mirtilos, que se devem eliminar os galhos concorrentes numa árvore, aqueles que nascem pra dentro, priorizando os externos, mais propensos a floração e frutos. A natureza é isso, babies: algo a ser dominado, instruído, dirigido, orientado por uma entidade mais sábia, como o é um homem frente a uma estúpida galinha ou a uma árvore de maçãs. É a missão de um homem, dirigir sua propriedade no sentido, não de oprimi-la, mas de lhe promover o desenvolvimento. Todas as vezes que pretendi podar os comportamentos de Tiffany foi justamente por a fazer evoluir, e ela nunca quis entender isso, a rebelde. E eu sempre, todas as vezes, fui eu quem se deixou podar, direcionar, governar por ela.

 

4th. Chapter

 

Hi, folks. Esta noite fui despertado por um nightmare, um pesadelo horrivel. Um alarido vindo dos lados do galinheiro. Corri lá por ver o que havia, e presenciei uma coisa inusitada: as galinhas de postura deblateravam numa plenária de partido. A vermelhinha Rhode Island presidia os trabalhos e deu voz à galinha preta, que estava inscrita. "Toda semana, especialmente às sextas-feiras, uma galinha preta é assassinada! E a mando de um capitalista, que lucra com o sacrifício." A caipira pé duro, namorada do galo índio, inscreveu-se também: "Os galos têm fixação por cu. Meu namorado vive naquelas rinhas de galo, e agora só come os franguinhos viados. É preciso lembrar que nós também temos cu. Os humanos, pelo menos, nos querem pelo que temos de melhor, botar ovos. Eles valorizam nosso cu."

A galinha branca, de granja, também deu seu pitaco: "Uma galinha trabalha duas vezes a jornada de um frango, e ganha menos. Há uma hegemonia no mercado profissional, podem ver, só galo branco adulto e hetero ganha bem nessa porra. Não passarão!" E foi assim que passei a me apropriar do conceito de postura, uma postura radical. Minhas aves tinham sido levadas ao verdadeiro "empoderamento".

Era de fato um dream bem idiota. Mesmo depois de desperto e do dream estar over, contudo, eu continuei muito impressionado. Uma tristeza de opressão me apertava o peito fazendo lágrimas brotarem de my eyes. Ai ai ai I should have done better, tocava essa música chata na rádio mental. A tristeza e a solidão me invadiram na night solitária do Idaho. Eu tinha visto muito bem na plenária das galinhas comunistas, o rosto da branca que deblaterava contra os homens era o dela. Tiffany.

 

5th chapter

 

A sensação ruim do nightmare, a visão do rosto de Tiffany num corpo de ave me acusando de todas as culpas pela desgraça do mundo acabou evanescendo com cinco minutos na doce atividade de poda de apple trees. Era como se, manuseando a tesoura, a livrar a árvore do excesso de galhos, eu próprio livrasse minha aura de satélites obscuros, pensamentos ruins que orbitavam em torno de minha cabeça. Estava já bastante distraído e leve, sentindo o prenúncio dessa Springtime em pleno frio de agosto, quando um homem soturno bateu à porteira da Farm:

"'D'morne. Estou procurando Mr. Emmanuel Duke."

"Seu criado."

"Big Morgan P., muito prazer. Me recomendaram sua cottage, preciso de um fornecedor de galinhas fixo."

Admiti-o à propriedade e lhe mostrei as instalações do pinteiro, com os primeiros animais em plena adolescência. Contou-me que era um capitalista, e que sua atividade principal era o off-shore. Mesmo sendo um intelectual, um lawyer com absoluto domínio da língua inglesa, eu embatuquei. Achei a princípio que fosse um insólito piloto de lanchas off-shore, atividade de todo incompatível com as gélidas montanhas do Idaho. Mas ele me fez ver que era outra coisa: cambalacho financeiro, pilantragem, obtenção de ganho sem trabalho, especulação. Era riquíssimo, um verdadeiro Tycoon. Propôs um preço bem razoável apenas pelos pintainhos negros, aqueles sem uma única pluma de outra cor. Compraria quantos eu produzisse."

 

(CONTINUA SEMANA QUE VEM)


Germano Quaresma, ou Manoel Herzog,
nasceu em Santos, São Paulo, em 1964.
Criado na cidade de Cubatão,
trabalhou na indústria química
e formou-se em Direito.
Estreou na literatura em 1987
com os poemas de Brincadeira Surrealista.
É autor dos romances
A Jaca do Cemitério É Mais Doce (2017),
Dec(ad)ência (2016), O Evangelista (2015)
Companhia Brasileira de Alquimia (2013),
além dos livros de poemas
6 Sonetos D’amor em Branco e Preto (2016)
A Comédia de Alissia Bloom (2014).
Aqui, seus mais recentes trabalhos publicados:




EDUARDO RUBI CAVALCANTI SAÚDA EM PRÓXIMA PARADA OS 40 ANOS DO MAIOR FILME DE TERROR JÁ REALIZADO

 





Eduardo Rubi Cavalcanti
é jornalista desde a década de 80.
Trabalhou em A TRIBUNA de Santos
e em várias outras publicações.
É Mestre em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo
e leciona Jornalismo na Unisantos,
onde cursou sua graduação.
Publica domingo sim, domingo não,
em A TRIBUNA de Santos,
a página PRÓXIMA PARADA,
que reproduzimos aqui.



PÃES E LIVES, SEGUNDO MARCELO RAYEL CORREGGIARI


No início, eram somente ‘duas semanas’.

“Ah! Dá ‘pra’ levar”, pensaram muitos. “O que são duas semaninhas recolhido em casa, sem poder ir à praia... passam logo”.

Até que se vão cinco meses. É bom não esquecer que Santos já vinha com alguns bloqueios sanitários por causa das atividades portuárias, e que o prefeito efetivou o bloqueio às praias — a fim de se evitar os chamados ‘clusters’ — no dia 06 de março.

Bom, final de agosto... e nenhum sinal de que as agruras cessarão. O pessoal que já não batia bem dos pinos começou a dar ‘tilt’ direto: fácil de testemunhar, mesmo em casa, uma vez que os(as) ‘panguá’ publicam os passeios com tons idílicos — o bom e velho lance do “eu tenho direito a um banho de sol!” — em redes sociais. Incrível, isso!

A justificativa não é nem um pouco inovadora: “... o médico falou que não é bom ficar sem tomar sol...”, “... precisamos de banho de sol! Como fica nosso sistema imunológico?!” ou coisas do tipo “... até presidiários têm banho de sol...” entram na tentativa de dar aquela volta na malandragem — alô, Bezerra da Silva! Aquele abraço! — sem se ater à excepcionalidade do momento histórico.

 O lado bom da coisa: a pandemia serviu como peneira, ‘caça-talentos’, nos campos da medicina e execução penal.

Um troço!

O que se pode entender dessa pandemia, pelo enorme desconhecimento que a ciência ainda tem da doença no que tange à sua dinâmica, virulência e possível terapia, é que ‘o trem’ é meio parecido com o “Hotel California”, do Eagles: “(...) Você pode pedir a conta/Mas sem essa de picar a mula”.

Como tem hora para entrar, mas não para sair, — um detalhezinho que não estava nos ‘planos de negócio’ de absolutamente ninguém — é nessa que você vê o quanto o ser humano é tudo, menos criativo. Aliás, se fosse, não enlouqueceria da forma que já vinha rolando antes dos decretos de quarentena.

Bom, para quem tem crianças em casa, deve ser um suplício — aqui vai a tentativa de abrandar, pelas palavras, um evento que se revelou para papais e mamães como um verdadeiro martírio. Vai ser osso. E ‘quando tudo isso passar’, mais paulada na cabeça: um mundo bem pior, longos passeios familiares a clínicas psiquiátricas e um cagaço ‘da gota’ em deixar os filhos na escola.

Cinema, teatro, praia e jogo de futebol encherão a veia do pescoço no intuito de cumprir com o ‘distanciamento social’ suficiente em seus retornos: justamente para aqueles velhos paradigmas em que “quanto mais lotado, melhor”. O lance da bilheteria, ‘casa cheia’, ... podem esquecer: por baixo uns três anos dando nó em pingo d’água. De repente, as supracitadas são franca-favoritas a desaparecerem no ‘pós’ pandemia.

Será um furdunço caso isso ocorra. A prova de honra: micareta em Salvador com ‘distanciamento social’. Carnaval em risco: a seguir, cenas dos próximos capítulos.

Uma coisa também parece ser fato: algumas atividades têm tudo para desaparecem iguais a tantas outras que já não existem mais — curso de datilografia, motorneiro, carrinho de algodão doce pelo bairro. “Tudo muda”, não é o que dizem?! Se nessa lista entrar teatro, cinema, bares e restaurantes, qual o problema, não?!

A sociedade não chegou até aqui sem o encontro regado a alguma bebida, mas não temos notícias de que as grandes mutações e revoluções que nos guiaram a esse angustiante momento foram engendradas dentro de um bar. Afinal, o homem do terciário, ou do quaternário, vivia em cavernas... não em bares e restaurantes.

Então... se sumir, ... sumiu! Simples. Sem dramas ou maiores desatinos: a humanidade é sempre maior do que quaisquer de suas criações e manifestações. Algumas desaparecerão para dar lugar a tantas outras que pintarão na área.

Como, por exemplo, o retorno da panificação caseira. O(A) sujeito(a), para não surtar no confinamento da cela de sua casa, saiu danando a fazer pão. É abrir o Instagram e se deparar com receitas de pães que jamais tínhamos ouvido falar. “... olha que coisa boa!”. Não é?! É pão ‘pra’ tudo quanto é lado!

“Pão disso”, “pão daquilo”, “pão daquilo-outro” ... pães, pães, pães. Pandemia serviu para encher barriga, engordar horrores e salvar a vida financeira de uma penca de moinhos. Nunca se vendeu tanta farinha, Deus-do-Céu! Isso também recai sobre formas, fornos, gás de cozinha, fermentos... e toda aquela parafernália para se fazer pão.

Mas não foram somente “os(as) padeiros(as)-de-pandemia” que azucrinaram ‘timelines’ com aquela tsunami de pão: quem recebia as benesses, na hora de se empanturrar com o acepipe, enchia a paciência das redes sociais com mais e mais pães de tudo quanto era jeito.

Rede social para pão! Vejam, senhoras e senhores! Fotos de gatinhos, comilança, ginástica em casa e... pão! Pão, pão, pão! Quem fazia e quem comia. A fim de se evitar o enlouquecimento precoce, danou-se a fazer pão. Não querer enlouquecer é um direito de todos. Enlouquecer todos os(as) demais com aquela infinitude de pão em ‘timeline’ de rede social, aí, já é um certo exagero que só faz subir um pouquinho mais as cercas já erguidas.

E as ‘lives’?!

Acho que nem precisa, não?!

Tudo é ‘live’, como se transmissões ‘ao vivo’ (= ‘live’) fossem a “... invenção do momento”. Puta merda! Está sendo osso! ‘Live’ de conversa, ‘live’ de música, ‘live’ de debate político ou literário, ‘live’ de pão, ‘live’ de peça de teatro... só faltou ‘live’ de sexo — até o fechamento desse texto, seu autor não teve notícias de tal empreendimento.

E tome ‘live’!

Mundo despreparado, que acha que a energia elétrica “é tudo” e “será para sempre”, quando é pego por algum viés de onde menos se esperava, acaba partindo “’pro’ arremedo”. Um troço! Aí... vejam só... descobriram que não conseguem sobreviver sem público e sem ‘bordereaux’. Sem público, até dá para contornar. Sem “bufunfa”, aí... é sem chance.

A instituição gratuita do ‘live’, que pode ser realizada por qualquer um e ter uma assistência completamente longe de uma interação mediada por pecúnia, acabou sendo tutelada pelo boleto bancário. Afinal, nem relógio trabalha de graça, não é mesmo?! Se há profissionais na música, na mesa de som, na luz e no espetáculo, cabe sem sombra de dúvidas a remuneração justa e já bastante comum ‘nos bares da vida’ bem antes dos decretos de quarentena.

Só que... ficou... um arzinho de... “sambarilóvi!!!”. A velha disputa com aquela penca de shows, um melhor que o outro, com seus artistas preferidos e totalmente de graça nos ‘streamings de vídeo’ (como o ‘VocêTubo’, por exemplo), colocou os(as) artistas menos renomados(as) em situação espinhosa ‘pacas’. Em geral, pagamos por apresentações “concretas”, com interação imediata do(a) ‘performer’ bem na nossa frente, na nossa cara. Socorremo-nos aos ‘streamings’ somente quando perdemos o show, o(a) artista em questão faleceu ou a apresentação ocorreu no outro lado do planeta. Caso contrário, pagar, só se for de corpo presente.

“Ah... mas é igual a TV a cabo! Você também paga para ver show lá...”, mas... que diabos! Quem é que disse que eu pago TV a cabo para ver show?! Quem é que realmente sabe se tenho assinatura de TV ou não na minha residência?! E se eu não tiver? Continuo vendo show em ‘VocêTubo’, Vimeo, esses trens, sem pagar nada por isso.

“Ah! Mas você acha justo?!”. Sinceramente, nem um pouco. Acho injusto pacas. Só que não inventei esse cenário: o ‘mundão’ é injusto ‘pra’ burro e já se vão uns dez mil anos nessa injustiça. A ‘furação-de-olhos’ é antiga e ruim ‘pra’ corrigir, fazê-la parar. Então, se cada um se vira com orçamento que tem por aí, ...

Ficou meio óbvio que as ‘lives’ entraram na base do ‘sufoco’, na falta de dinheiro e na impossibilidade de ganhá-lo pelos métodos “pré-pandemia”. Acho que esses métodos retornam: deve tomar um pouco mais de tempo para recuperar a confiança da galera, mas estarão de volta mesmo com alguma dificuldade (re)inicial.

O ponto é que, aos poucos, o povão experimenta um fato que pode ser bastante incômodo, perturbador, mas muito revelador ao mesmo tempo: o de descobrir que não precisava de tanta quinquilharia assim para tocar a vida.

O pior: economizaram uma penca e nem sentirão tanta falta assim.

Pois, é isso o que ocorre: pães para não enlouquecer, ‘lives’ para pagar as contas.  A primeira não segura a onda de uma rica nutrição e a segunda não pega nem beira para a sustentação do espírito. Para ocupantes da segunda (ou terceira?!) década do século XXI, de repente, é bem a nossa cara: tudo tão fraco, insípido, tênue e tépido que não deveríamos ter tamanho estranhamento. Fim-de-carreira, fim-de-feira, fim-dos-tempos... apocalipse.

Pães para os(as) candidatos(as) a loucos(as), ‘lives’ para os(as) aspirantes à fome — ou seria o contrário?!? Bem... não importa! O importante é sacar o que vem por aí: se, porventura, o que já está é o que se estabelecerá, “êita” estreia mais sem graça, “sô”! 

Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
O Verão No Café Atlântico
(à venda na Amazon, em livro e e-book).