publicado originalmente no PUBLISH NEWS em 06/05/2014
Nasci em Santos, mas sou santista apenas de nascimento. Meu pai foi daqueles jogadores desconhecidos, que no final dos anos cinqüenta, foi obrigado a abandonar o futebol por obra da sua mãe, minha vó, que o prendeu no quarto enquanto empresários batiam na porta do sobrado da família para convidarem o meu pai a viver uma nova vida, se transferindo dos juniores do São Paulo para ser jogador do Verona, na Itália. Minha vó árabe, uma não tão boa negociante, enxotou os engravatados, porque aquilo não era coisa de gente séria, jogar bola.
O Zito tinha então dezoito anos, e só gostava de jogar bola na vida. Mais adiante conheceu minha mãe, tiveram dois filhos, mas o jogador continuava ali, respirando, nas entranhas do Zé Tahan, um jogador nato.
Meu pai perdeu tudo no jogo, que deve mesmo se chamar de azar. Manteve o casamento, sei lá como, meu velho era habilidoso mesmo, e manteve o respeito pelo seu time, que virou o meu, o São Paulo Futebol Clube.
Acho bonito lembrar que o que ficou entre eu e o meu pai foi o mesmo amor pelo mesmo time. Ele morreu antes de conhecer o meu caçula, hoje com quatro anos.
Meu filho é São Paulino, numa cidade que se orgulha do seu time e da sua história misturada a esse time.
Quando o Zé Miguel estava na barriga da mãe, aconteceu uma passagem memorável. Virei editor de uma obra do Pelé, sobre o Pelé. E estivemos juntos, por conta da festa de lançamento do livro.
Pelé olhou a barriga da minha esposa, a Ana, e já adiantou um decreto real: - Para quando vem esse santista?
Pensei comigo, não vai ser fácil, não vai ser fácil.
Na sequência da conversa me aparece uma camisa infantil do Santos não sei de onde, que é entregue ao Rei.
E ele capricha, usando um daqueles canetões próprios para tecido: - Para o futuro santista, Miguel, com um abraço do Tio Edson Pelé.
Pensei num plano no mesmo instante, ainda bem que ele estava na barriga da mãe. Aliás, a mãe é santista dupla, de nascimento e de time, minha situação não era simples.
Enquanto o pequeno Zé Miguel ia crescendo, vendo jogos comigo, sempre o São Paulo venceu, todos os jogos, e o seu uniforme varia muito, até o azul do Chelsea serviu outro dia, quando dávamos socos no ar abraçados depois de um golaço deles, quer dizer do “São Paulo”.
Usamos juntos camisas do nosso time, ele resiste a todas as ofertas de mudança de credo, olhando para mim, me dando segurança.
E a camisa do Santos assinada pelo Rei está devidamente escondida no fundo da gaveta mais esquecida da casa, talvez eu mostre a ele no futuro, deixa a fase do São Paulo melhorar, daí mostro, prometo.
José Luiz Tahan, 41, é livreiro, editor,
e é o camisa 8 do Pindorama,
mesma posição do seu pai.
Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
gosta de ser chamado de "livreiro",
pois acha mais específico do que
"empresário" ou "comerciante",
ainda mais porque gosta de pensar o livro
ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
Gosta de desenhar, ler, escrever e jogar futebol
(nesta ordem).
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