Friday, April 3, 2015

UM BELO ESTUDO SOBRE A INTOLERÂNCIA (por Carlos Cirne)









publicado originalmente em Colunas & Notas


À primeira vista, a sinopse de “14 Estações de Maria”
 pode parecer bastante redutora:  Maria (Lea Van Acken),
 adolescente às vésperas de realizar sua Crisma
 na igreja que frequenta (católicos fundamentalistas),
 acaba sendo vítima de sua própria fé,
 em contraponto às transformações psicológicas
 e hormonais que sua idade enseja.

Na verdade, o filme de Dietrich Brüggemann
 acaba fazendo uso de alguns dispositivos formais
 bem interessantes para contar/comentar esta história.

Para começar, a ausência de trilha sonora
 evidencia a crueza e retidão de caráter
 que se espera dos fiéis nesta comunidade. 

Em segundo lugar, a câmera estática
 e a quase nenhuma montagem
 – excetuando-se as passagens de cena,
 tudo é gravado com câmera fixa, ou quase –
 também evidenciam a questão da disciplina. 

E, finalmente, a divisão do filme,
 baseada na Via Crucis de Jesus
 (e utilizando-se de quase todos os passos,
 exceto o último),  que traça o paralelo desnecessário
 com o sacrifício de Cristo.

 Não faltou nem desenhar,
 para que o espectador embarcasse.


O que é mais impressionante no filme
 – além da grande interpretação de Lea na personagem-título –
 é o poder de convencimento dos “fanáticos”
 em suas exposições teológicas. 

Para tanto, veja a primeira cena,
 onde o jovem padre (Florian Stetter)
 está ministrando aos jovens a última aula antes da Crisma. 

Sua argumentação é tão prolixa
 e pseudo-fundamentada nos preceitos da igreja,
 que a jovem Maria passa a achar mais do que natural
 privar-se de praticamente tudo que possa lhe trazer
 qualquer tipo de prazer 
(desde um biscoito a olhar-se no espelho),
 desde que alcance a graça pretendida,
 que seria a “cura” de seu irmão de quatro anos
 que ainda não fala. 

Ela promete-se a Deus pela cura do menino,
 mas não pela via de realizar um trabalho em seu nome,
 mas sim em caminhar em sua direção mais rapidamente.



Outra atuação chocante, que beira o histriônico,
 mas lá não chega, é a personagem da mãe de Maria,
 interpretada pela excelente Franziska Weisz,
 que comanda a família
 – composta por ela, o marido, três filhos e uma babá –
 com mão de ferro, sem que para isso empregue
 nada além de sua fé inabalável e da negação do outro,
 que não compactue consigo.
 Seu “duelo” com o médico de Maria é fantástico.

Belo estudo sobre a intolerância,
 “14 Estações de Maria” pode ser assistido também
 como um libelo contra qualquer tipo de interpretação
 ao pé da letra de qualquer tipo de texto religioso ou congênere.
 Os meios-tons são fundamentais na aceitação do outro. 

E talvez, o sacrifício supremo seja justamente
 aceitar o outro da maneira como ele é,
 e não como achamos que devesse ser...



14 ESTAÇÕES DE MARIA
Kreuzweg

(2014 - 110 minutos)

Direção
Dietrich Brüggemann

Elenco
Lucie Aron
Anna Brüggemann
Michael Kamporitz Knapp
Birge Schade
Florian Stetter







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