publicado originalmente em Colunas & Notas
À primeira vista, a sinopse de “14 Estações de Maria”
pode parecer bastante redutora: Maria (Lea Van Acken),
adolescente às vésperas de realizar sua Crisma
na igreja que frequenta (católicos fundamentalistas),
acaba sendo vítima de sua própria fé,
em contraponto às transformações psicológicas
e hormonais que sua idade enseja.
Na verdade, o filme de Dietrich Brüggemann
acaba fazendo uso de alguns dispositivos formais
bem interessantes para contar/comentar esta história.
Para começar, a ausência de trilha sonora
evidencia a crueza e retidão de caráter
que se espera dos fiéis nesta comunidade.
Em segundo lugar, a câmera estática
e a quase nenhuma montagem
– excetuando-se as passagens de cena,
tudo é gravado com câmera fixa, ou quase –
também evidenciam a questão da disciplina.
E, finalmente, a divisão do filme,
baseada na Via Crucis de Jesus
(e utilizando-se de quase todos os passos,
exceto o último), que traça o paralelo desnecessário
com o sacrifício de Cristo.
Não faltou nem desenhar,
para que o espectador embarcasse.
O que é mais impressionante no filme
– além da grande interpretação de Lea na personagem-título –
é o poder de convencimento dos “fanáticos”
em suas exposições teológicas.
Para tanto, veja a primeira cena,
onde o jovem padre (Florian Stetter)
está ministrando aos jovens a última aula antes da Crisma.
Sua argumentação é tão prolixa
e pseudo-fundamentada nos preceitos da igreja,
que a jovem Maria passa a achar mais do que natural
privar-se de praticamente tudo que possa lhe trazer
qualquer tipo de prazer
(desde um biscoito a olhar-se no espelho),
desde que alcance a graça pretendida,
que seria a “cura” de seu irmão de quatro anos
que ainda não fala.
Ela promete-se a Deus pela cura do menino,
mas não pela via de realizar um trabalho em seu nome,
mas sim em caminhar em sua direção mais rapidamente.
Outra atuação chocante, que beira o histriônico,
mas lá não chega, é a personagem da mãe de Maria,
interpretada pela excelente Franziska Weisz,
que comanda a família
– composta por ela, o marido, três filhos e uma babá –
com mão de ferro, sem que para isso empregue
nada além de sua fé inabalável e da negação do outro,
que não compactue consigo.
Seu “duelo” com o médico de Maria é fantástico.
Belo estudo sobre a intolerância,
“14 Estações de Maria” pode ser assistido também
como um libelo contra qualquer tipo de interpretação
ao pé da letra de qualquer tipo de texto religioso ou congênere.
Os meios-tons são fundamentais na aceitação do outro.
E talvez, o sacrifício supremo seja justamente
aceitar o outro da maneira como ele é,
e não como achamos que devesse ser...
14 ESTAÇÕES DE MARIA
Kreuzweg
(2014 - 110 minutos)
Direção
Dietrich Brüggemann
Elenco
Lucie Aron
Anna Brüggemann
Michael Kamporitz Knapp
Birge Schade
Florian Stetter
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