por César Castanha
para CINEPLAYERS
“Por que o filme é preto e branco?” é uma pergunta frequentemente feita a qualquer diretor que faça essa escolha estética ao filme. A insistência dessa pergunta contrasta com a ausência do questionamento oposto: “Por que o filme é colorido?”. Percebemos que o senso-comum tem o cinema como uma expressão que vai se “aperfeiçoando”. O aprimoramento dos efeitos especiais em um filme descarta todos os seus antepassados mais rústicos. Logo, ver um filme dos anos 1990 é ver um filme “velho”. O preto e branco ou o mudo, então, não seriam mais dignos de atenção.
Essa ideologia está muito afastada da cinefilia, lógico. Tenho certeza que não há um leitor deste site a quem eu precisaria defender o cinema como uma arte histórica e referencial. A questão para mim é a diferença verdadeira entre a cor e a falta dela. Estamos de acordo que o colorido não é a “novidade” mais do que o branco seria o “tradicional”. Antes da montagem revolucionária de D. W. Griffith, alguns já coloriam a película artesanalmente. Antes dos Lumiere, quando o cinema não era cinema, mas uma projeção de fotografias em um parque de diversões, as fotos de terras distantes e “exóticas” eram exibidas com cor. Uma cor estourada, extravagante, fora dos contornos, fantasiosa.
Arrisco-me dizendo que só quando usada dessa forma absurda a cor no cinema foi realmente essencial. Isso a Hollywood clássica fez bastante, principalmente no cinema musical e de melodrama. Há também isso, as cores acentuavam as emoções a ponto de deixá-las ridículas, exageradas, como O Mágico de Oz deixou muito claro. O preto e branco era o realismo da Itália e de Bazin, o colorido pertence ao mundo da fantasia, a Walt Disney, Vincente Minnelli e Douglas Sirk.
Quando a Nouvelle Vague francesa olhou admirada para a Hollywood clássica, alguns diretores do movimento trouxeram um pouco dos símbolos imagéticos de cada gênero. Jacques Demy trouxe a cor. Antes de ser um musical e um melodrama, Os Guarda-Chuvas do Amor é um filme em cores. Toda vez que vejo o filme, emociona-me como a cor é apresentada por ele. Começamos com uma cidade acinzentada pela chuva, vista de cima. Aos poucos, pequenos pontos coloridos atravessam o quadro, uma pessoa anda na bicicleta com uma capa de chuva amarela, alguém guia um carrinho de bebê vermelho e, finalmente, uma fileira horizontal de guarda-chuvas azulados descem sobre o plano, trazendo o título Les parapluies de Cherbourg em rosa choque, enquanto sobe a música. O filme está anunciado.
Apesar de ser mais uma das várias evidências do afeto de cineastas da nouvelle vage francesa pelo cinema americano, Os Guarda-Chuvas do Amor não é um filme que encontra semelhante em qualquer das duas filmografias, é um ponto excepcional inclusive da obra de Jacques Demy. O filme traz à cor uma melancolia desesperada (e não amorosa, como no cinema de Minnelli ou em Duas Garotas Românticas, também de Demy) em um esquema repetitivo de antidiegese. Isto não apenas porque a música é ininterrupta e trivial, mas também pela maneira como os personagens se movimentam, flutuando na cena com o olhar fixo para o nada.
A direção de arte é autoconsciente como o delírio de um decorador montando uma loja de doces. Mas não chega à imposição alegre que seria uma tendência no cinema francês saudosista de algumas décadas depois. O colorido do visual é triste, pessimista e até um pouco sujo, como se esse tal decorador se suicidasse antes da primeira mão de verniz.
Acho que o que deixa Os Guarda-Chuvas do Amor ainda tão forte é o realismo que resiste dentro da fantasia sonora e visual.
Invariavelmente, é um filme sobre amor, e Demy deixa possibilidades muito duras de leitura, pois "Os Guarda-Chuvas do Amor" pode ser sobre como o amor que não tem fim acaba, perdendo-se no tráfego da cidade moderna.
Correndo, como a chuva, e mudando de rumo sem resistir aos obstáculos no seu caminho.
OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR
Les Parapluies de Cherbourg
(1964, 91 minutos)
Direção
Jacques Demy
Música
Michel Legrand
Elenco
Catherine Deneuve
Anne Vernon
Nino Castelbuovo
Marc Michel
Quarta - 15 de Setembro - 19 horas
OFICINA CULTURAL PAGU
Rua Espírito Santo, 17
quase esquina com Av. Ana Costa
Campo Grande, Santos SP
Telefone: (13) 3219-2036
Ao final da exibição,
um breve debate com os curadores
do Cineclube Pagu:
Carlos Cirne e Marcelo Pestana
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