por Chico Marques
Roman Polanski vive e filma na França desde 1976, quando foi obrigado a fugir dos Estados Unidos para não ser preso por ter feito sexo -- segundo ele, consensual -- com uma menina de 13 anos de idade.
No entanto, curiosamente, só agora ele rodou um filme em francês.
Trata-se de "A Pele de Vênus", adaptação cinematográfica de uma peça teatral que se passa no palco de um teatro e traz apenas dois personagens em cena.
A trama é a seguinte: Thomas (Mathieu Amalric) é um diretor de teatro que está procurando mas ainda não encontrou uma atriz adequada para o papel de Wanda von Dunayev, personagem central de uma peça em que transformará um admirador seu em um escravo.
Após uma série de testes frustrantes com atrizes inadequadas, surge Vanda (Emmanuelle Seigner), uma candidata completamente destrambelhada que diz ter perdido o horário em que faria o seu teste.
Thomas conclui com alguma rapidez que Vanda não possui estofo para ser a sua Wanda, mas fica intrigado com o fato da aspirante ao papel e da personagem terem o mesmo nome.
Então, cede à insistência dela e aceita submetê-la a um teste, certo de que será uma perda de tempo.
E então, surpreendentemente, ele vê Wanda se materializando na candidata bem diante de seus olhos.
Mas durante a leitura do texto, Vanda se revela astuta ao ponto de contestar algumas passagens e interpretações de “A Vênus das Peles” defendidas por Thomas, dando início a um jogo de dominação muito peculiar e muito intenso.
Escrito para o teatro por David Ives, “A Pele de Vênus” é baseado em um romance escrito pelo alemão Leopold von Sacher-Masoch em 1870, “A Vênus das Peles”.
Sim, ele mesmo, o Masoch que originou o termo masoquismo.
O discursos do texto literário de Masoch e o texto teatral de Ives se fundem de forma inusitada na encenação da atriz comandada pelo diretor, e ganham dimensões extremamente sarcásticas na transposição de Polanski para o cinema.
O que resulta disso é uma "dark comedy" cruel e absolutamente inusitada.
Apesar de já no prólogo de “A Pele de Vênus” sermos comunicados que testemunharemos algo, no mínimo, tempestuoso, é inevitável não ficarmos assombrados com o teor do jogo de dominação a que Polanski submete seus casal de atores, tendo o público do filme como testemunha.
Não que esse tema seja estranho ao universo dos filmes do diretor.
Pelo contrário, é familiar até demais.
Mas o caso é que tudo é propositadamente intenso em "A Pele de Venus", pois Polanski teve receio de entendiar o público mantendo apenas dois atores em cena o tempo todo.
Foi muito criticado 20 anos atrás por sua adaptação cinematográfica da peça de Ariel Dorfman “A Morte e a Donzela”, que trazia em 105 minutos de filme apenas três atores em cena: Sigourney Weaver, Ben Kingsley e Stuart Wilson.
"A Pele de Vênus" procura desmitificar as inúmeras versões de Vênus, uma mais esplendorosa que a outra, e lança a pergunta: o encanto e a beleza de Venus teriam conseguido resistir ao passar do tempo?
Para responder a isso, Polanski não hesita em inverter os papéis do casal de personagens, e aproveita a deixa para propor um jogo paralelo que deixa tudo e todos a nu, subvertendo inclusive seu método habitual de fazer cinema.
Com tantas e tamanhas ousadias formais e temáticas, Roman Polanski realizou uma das adaptações cinematográficas de textos teatrais mais contundentemente divertidas de toda a história do cinema.
Não percam "Venus em Pele".
É uma notável aventura cinematográfica de um baixinho rabugento que, aos 82 anos de idade, não cansa de surpreender.
A PELE DE VENUS
(La Venus à La Fourroure, 2013, 96 minutos)
Direção
Roman Polanski
Roteiro
David Ives
Roman Polanski
Cinematografia
Pawel Edelman
Música
Alexandre Desplat
Elenco
Emmanuelle Seigner
Mathieu Amalric
em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping
No comments:
Post a Comment