Tuesday, October 20, 2015

OS DELICIOSOS TEXTOS DE FIM DE VIDA DE SAUL BELLOW, REUNIDOS NUM ÚNICO VOLUME




Paulo Francis costumava dizer que a Universidade é um cemitério de talentos literários. 

E que qualquer um que fosse abduzido pela Academia estaria fadado a nunca conseguir desenvolver uma carreira criativa como escritor. 

Citava uma lista enorme de nomes para defender sua tese. 

Ao final, fazia questão de mencionar aquele que, na sua opinião, era a única excessão a essa regra:

 Saul Bellow.


Salomon Bellows nasceu em Lachine, na região de Quebec, Canada, em 1915. Seus pais eram imigrantes russos. Aos 9 anos de idade, veio morar em Humboldt Park, no Lado Oeste de Chicago. 

Estou antropologia e sociologia na University of Chicago e na Northwestern University. Queria, na verdade, ter estudado Literatura Russa, mas os Departamentos de Letras das duas Universidades não costumavam receber alunos judeus de braços abertos, ainda mais judeus que não eram naturalizados americanos.

Bellow só foi naturalizado americano aos 26 anos de idade.


Apesar de escrever desde os Anos 30, Bellow só foi alcançar projeção no pós-Guerra, quando escritores judeus finalmente passaram a ser bem acolhidos pelo leitor médio americano. 

Claro que de mediano Bellow não tinha nada. Desde seus primeiros contos, até seu primeiro romance, "Dangling Man", de 1944, foi um longo caminho para ele,mas valeu o esforço.

O sucesso estrondoso de seus trabalhos seguintes "The Victim" (1948) e principalmente "As Aventuras de Augie March" (1953), que lhe rendeu seu primeiro National Book Award, rapidamente o colocaram como um meio termo curioso entre Dickens e Dostoievski.

 Na verdade, Bellow ia muito além disso. Era tão aventuresco em termos literários quanto William Faulkner, e mais denso (e mais americano) que Norman Mailer e Bernard Malamud juntos.

 Quando ganhou o Prêmio Nobel, ninguém se surpreendeu. Se algum americano merecia aquele prêmio naquele momento, era justamente ele. 


Depois de fazer uma carreira espetacular como romancista, Bellow ensaiou sua aposentadoria deixando de se dedicar a romances longos e dedicando-se a escrever "novellas", denominação italiana para romances curtos que são mais extensos do que as "short stories" e mais ligeiros que as "novels". 

Essas "novellas" em questão -- "Um Furto", "A Conexão Bellarosa" e "Uma Afinidade Verdadeira" -- foram todas editadas por aqui na ocasião de seus lançamentos pela Editora Rocco. 

Apesar de deliciosas, deixaram em seus admiradores a sensação incômoda de que Bellow estava encerrando sua carreira em tom menor.


Mas então veio "Ravelstein", seu romance derradeiro, completamente diferente de tudo o que havia escrito até então, para dar um cala-boca em seus carinhosos detratores. 

É uma declaração de amor à vida, que redefine de forma espetacular a longa tradição de "buddy stories" que permeia a literatura americana desde Tom Sawyer e Huck Finn. 

O personagem-título é, na verdade, Allan Bloom, professor de filosofia que influenciou várias gerações de políticos americanos. 

Profundo conhecedor da Antiguidade Clássica, Bloom era um líder para seus alunos e sua ascendência ia muito além das salas de aula. 

Procurava instigá-los a pensar, levando ao limite sua busca pela liberdade de pensamento e pela defesa da democracia.


Bellow se retrata no livro como Chick, um escritor que jamais conseguiu passar do quinto lugar na lista dos mais vendidos e que é amigo incondicional de Ravelstein, com quem se encontra em Paris. 

'Ravelstein" é, na verdade, uma longa conversa entre os dois amigos, que vai servir de base para a biografia de Abe Ravelstein que Chick vai escrever. 

Obviamente, essa conversa acaba se transformando em algo muito maior, na medida em que os dois viveram intensamente o Século 20, tem muitas histórias para contar e contemplam com alegria e tristeza a proximidade do fim de suas vidas às vésperas da chegada do Século 21. 

No livro, Saul Bellow também revela a homossexualidade de Allan Bloom e sugere que ele teria morrido de AIDS.


Bellow tinha 85 anos de idade quando escreveu "Ravelstein" em 2000. 

Foi sua despedida da cena literária. 

Em seus últimos 5 anos de vida -- ele morreu em 2005 -- viveu tranquilamente em Brookline, em Massachussetts, onde procurou tirar o melhor proveito possível de sua aposentadoria. 

Se bem que, vez ou outra, gostava de retornar ao Campus da Boston University, onde lecionou a partir da década de 80, depois de muitos anos lecionando na University of Chicago, só pelo prazer de voltar a circular pelos velhos prédios e relembrar sua vida gloriosa como professor.


Ah, antes que eu me esqueça: o motivo dessa reminiscência é que a Companhia das Letras acaba de lançar num único volume as 3 "novellas" de Saul
Bellow mencionadas acima -- mais "Ravelstein", que estava com sua edição de 15 anos atrás (da Rocco Editores) esgotada há tempos. 

Quem não conhece esses textos, precisa conhecer.

Eles formam, juntos, uma introdução espetacular ao universo de Saul Bellow. 

E são uma aula de humanismo e de grandeza existencial para todos os que quiserem conhecer o verdadeiro espírito americano no Século 20.


A CONEXÃO BELLAROSA
4 NOVELAS DE SAUL BELLOW

(A Collection Of Novellas)

Autor
Saul Bellow

Lançamento
Companhia das Letras 2015

Tradução
Caetano e Rogério Galludo

Capa
Jeff Fischer

424 páginas


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