por Chico Marques
O que você faria se, na véspera do seu 45° aniversário de casamento, você recebesse a notícia que sua antiga namorada, que morreu soterrada com menos de 20 anos de idade num acidente quando fazia alpinismo, e cujo corpo nunca fora encontrado, finalmente apareceu no fundo de um vale nevado que descongelou?
Pior, seu corpo permaneceu sem sinais de envelhecimento, com sua beleza preservada pelo congelamento prolongado, como se todos esses 45 anos simplesmente não tivessem passado.
Esse é o ponto de partida desconfortável de "45 Anos", um drama conjugal sombrio de Andrew Haigh, com Tom Courtney e Charlotte Rampling interpretando o casal de sexagenários que dribla há anos os problemas relacionados relacionados ao envelhecimento e os desgastes comuns a todo casamento prolongado, como rotinas entediantes, saúde debilitada e desinteresse sexual.
Como comemorar o envelhecimento quando, do nada, ressurge do passado uma paixão de juventude com a mesma imagem que tinha antes?
O diretor Andrew Haigh conduz com precisão cirúrgica o drama do casal de sexuagenários, e suas diversas tentativas de não se deixar abalar pelo surgimento do corpo congelado.
Mas não adianta: o estrago provocado é enorme.
Tudo o que funcionava precariamente na vida dos dois passa a simplesmente não funcionar mais.
Conforme vamos acompanhando o dia a dia do casal, em seus afazeres corriqueiros, sem conflitos e sem explosões, o ar vai ficando cada vez mais denso e difícil de respirar.
E quanto mais o dia da festa de 45 anos de casamento se aproxima, menos motivos eles encontram para comemorar o que quer que seja.
Desnecessário dizer que filmes com esse perfil dependem sempre de atores muito intensos.
Tom Courtenay está particularmente notável como Geoff, que descobre da pior maneira possível que talvez nunca tenha conseguido esquecer para valer seu amor de adolescência, e, consequentemente, talvez nunca tenha sido realmente feliz ao lado de Kate, uma mulher pragmática que faz de tudo para não se deixar abalar com o que sente estar acontecendo.
Até não suportar mais.
Se a essa altura do campeonato ainda havia alguma dúvida quanto a Charlotte Rampling ser ou não uma grande atriz, a dúvida acaba aqui.
A maneira contundente com que ela constrói sua personagem, agindo de forma pragmática no começo até chegar a crises de ciúme muito intensas perto do final -- que é surpreendente, e não revelaremos aqui -- lembra, de certa forma, a performance de Julie Christie em "Afterglow", belo filme de Alan Rudolph de 1997.
Charlotte é magnífica.
Foi relegada a papéis de coadjuvante em filmes de língua inglesa ao longo de todos esses anos em parte por ser considerada temperamental demais e "uma escolha arriscada" pelos profissionais de casting.
Mas o que pesava mais, no entanto, foi a maneira como sua imagem ficou associada a filmes como "Charlie Mon Amour" (1986), de Nagisa Oshima, onde ela se apaixona por um chimpanzé, além de vários outros papéis polêmicos em produções francesas.
Vê-la como protagonista novamente num filme de língua inglesa contracenando com um ator de peso como Tom Courtenay como esse, é um belo presente não só para ela, mas também para nós, pois, apesar de poliglota, Charlotte rende melhor interpretando em inglês, sua língua nativa, do que em francês.
Aos 69 anos de idade, longe da beleza selvagem e arrebatadora dos Anos 70 e 80, mas com o viço e o talento intactos, não é nenhum exagero dizer que, assim como os melhores whiskies, Charlotte Rampling, essa bela senhora inglesa de Essex, só melhorou com o passar dos anos.
A prova está aqui, em "45 Anos".
Não deixe este belo filme passar batido em sua vida.
45 ANOS
(45 Years, 2015, 95 minutos)
Direção e Roteiro
Andrew Haigh
Elenco
Charlotte Rampling
Tom Courtenay
Geraldine James
Dory Wells
Richard Cunningham
em cartaz no circuito comercial
da cidade de São Paulo
da cidade de São Paulo
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