O dono da maior biblioteca privada das Américas era um barato. Tinha um jeito simples, que conquistava quem vinha pela frente. Me lembro de um desafio lógico que o José Mindlin apresentou a nós quando se deparou com uma pequena vitrine de doces portugueses no interior da Realejo. Debruçado sobre o balcão mirava os doces e dizia “Sempre faço este teste, sabem, sou muito controlado, severo até, e ao ver estes doces tenho duas opções. Se estou com muita vontade como logo, mas se aguentar meia hora sem comê-los me presenteio... comendo os doces!”
Neste dia conheci o Dr. José, ele deu uma deliciosa palestra e ainda encontrou alguns livros para comprar. Seu apetite era grande! Lembro que um deles foi o primeiro volume do "Livro das Mil e Uma Noites" (Editora Globo). Criamos um acordo, a cada novo volume que fosse lançado ele compraria comigo, dito e feito, depois de mais ou menos um ano saía o segundo da coleção, e lá fui eu telefonar para um dos mais ilustres clientes da nossa livraria.
Por aqueles dias fui visitado também pela minha grande amiga Estela, que era muito próxima do Mindlin. Contei que havia separado uma encomenda para o seu amigo, ela achou inusitado, claro. Em seguida disse que estaria com o meu cliente em sua casa, no dia seguinte. Pensei na lendária biblioteca e disparei: ”Posso te acompanhar , assim levo o livro que ele está aguardando.”
No dia seguinte entrávamos naquele lugar incrível, uma biblioteca abaixo do nível do chão, com estruturas metálicas, coalhada de raridades, acho que uns 35 mil volumes.
O nosso anfitrião estava numa sala mais íntima, com sofás e poltronas, janelões deixavam entrar luz natural. Estela lia para José Mindlin sempre que estava em São Paulo (ele já não tinha visão para leituras). Naquele dia, depois de ler as correspondências, ela pegou um dos volumes do "Em Busca do Tempo Perdido" (Editora Globo) e se pôs a ler em voz alta. Foi assim por umas duas horas, a música do texto enchia a sala e eu ouvia a melodia ao lado do Mindlin. A diferença é que ele entendia muito bem o francês. Estela lia no original.
Até hoje me lembro deste dia e desta entrega.
José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
gosta de ser chamado de "livreiro",
pois acha mais específico do que
"empresário" ou "comerciante",
ainda mais porque gosta de pensar o livro
ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
Nas horas vagas, é um pai de família exemplar.
Já nas horas vagas de pai de família exemplar,
assume sua identidade (não muito) secreta
como o blues-shouter Big Joe Tahan.
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