por Chico Marques
Geoff Dyer é um dos escritores mais originais da cena anglo americana.
Seus romances são pouco ficcionais. Já seus textos de viagens são ficcionais demais. E suas viagens são mais internas do que externas.
Há quem o defina como um mix de Kingsley Amis com Hunter S Thompson.
Outros preferem dizer que ele é um cruzamento de Martin Amis com Anthony Bourdain.
Eu já acho que não é nada disso. Para mim, Geoff Dyer é um verdadeiro original inglês. E, como todo original, indefinível.
Como muitos brasileiros, descobri Dyer através de Ioga Para Quem Não Está nem Aí, lançado nove anos atrás pela Companhia das Letras.
Fiquei impressionado na ocasião com seu bom humor avassalador que, sempre alternado a uma melancolia aguda, fazia de suas passagens por cidades como New Orleans, Camboja, Bali, Amsterdam, Roma, Paris, Detroit, Miami e Las Vegas experiências existenciais únicas, muitas vezes aditivadas por alcool e drogas.
Há muito pouco turismo profissional nessas narrativas refinada, de humor britânico e introspecção blasée. Dyer não sossega enquanto não subverte o gênero "literatura de viagem". Perambula doidão por Paris e Amsterdam, por exemplo, e mostra como isso pode se transformar numa aventura muito engraçada. Vislumbrar tristemente as ruínas de Roma e não conseguir entender porque não consegue dar o pontapé inicial num acalentado projeto de um livro sobra a Antiguidade Clássica. São viagens introspectivas às vezes divertidas, outras vezes não. Mas sempre espirituosas ao extremo.
Seus textos de viagens são, na verdade, viagens de busca, movidas pela insatisfação de estar aqui e o desejo de estar em outro lugar, uma busca indefinida por alguma coisa essencial, profunda, de conciliação consigo mesmo e com o mundo. Geoff Dyer é movido a insatisfações e sempre fala francamente, sem fazer psicoterapia no papel, passando ao largo da pieguice comum a todos os que fazem uso desse experiente. Ele mesmo costuma dizer, brincando, que vive em Londres morrendo de vontade de estar em San Francisco, California.
Depois de três romances e vários livros de não-ficção sobre os assuntos mais variados -- O Instante Contínuo, por exemplo, é sobre fotografia e Tudo Sobre Jazz sobre o universo musical jazzístico --, Geoff Dyer retorna num relato muito curioso intitulado Mais Um Dia Magnífico no Mar, sobre duas semanas que passou num porta-aviões norte-americano.
Em 45 pequenos capítulos, escritos no estilo elegante e divertido que o tornou célebre, Dyer descreve cada aspecto da vida num navio de guerra: os marinheiros encarregados de administrar freezers gigantescos de comida processada, a academia de ginástica repleta de oficiais obcecados por musculação, o bloco prisional ocioso que transforma os vigias em verdadeiros cativos obrigados a supervisionar celas vazias.
É um cotidiano assustador para quem conhece Dyer de outras aventuras.
Rabugento ao extremo, ele reclama do barulho dos motores, sofre com suas restrições alimentares e inferniza a vida de todos ao seu redor até conseguir ficar uma cabine privativa.
Mas paralelamente a tudo isso, Dyer esboça um texto delicado e curioso, e revela o trabalho incansável dos tripulantes consertando aviões, lançando-os ao céu e recebendo-os quando voltam inteiro de alguma missão.
Assim como Martin Amis em seu clássico The Moronic Inferno, Geoff Dyer se revela aqui um inglês típico frente a um mundo profundamente americano, com suas constantes incitações ao sucesso e à superação.
O porta-aviões vira a representação de uma sociedade em que disciplina, conformidade, dedicação e otimismo são formas de identidade.
Às vezes, é tudo muito divertido.
Outras vezes não.
Mas é sempre literatura de primeira grandeza, mesmo não sendo exatamente ficção.
Claro que, para alguém como Geoff Dyer, um escritor sem fronteiras habituado a transcender gêneros, isso é apenas um detalhe.
De todos os livros de Geoff Dyer que li depois de Ioga Para Quem Não Está Nem Aí, esse foi, com certeza, o que eu mais gostei.
Li Mais Um Dia Magnífico no Mar numa sentada no último fim de semana, quase sem desgrudar.
Há muito tempo isso não acontecia comigo.
Prepare-se para conhecer uma das vozes mais originais e engraçadas da literatura contemporânea.
E divirta-se
MAIS UM DIA MAGNÍFICO NO MAR
(Another Great Day At The Sea)
uma aventura de GEOFF DYER
(Companhia das Letras, 2016)
Tradução: Pedro Maia Soares
240 páginas
R$ 44,90 (brochura)
R$ 30,90 (ebook)
Geoff Dyer é um dos escritores mais originais da cena anglo americana.
Seus romances são pouco ficcionais. Já seus textos de viagens são ficcionais demais. E suas viagens são mais internas do que externas.
Há quem o defina como um mix de Kingsley Amis com Hunter S Thompson.
Outros preferem dizer que ele é um cruzamento de Martin Amis com Anthony Bourdain.
Eu já acho que não é nada disso. Para mim, Geoff Dyer é um verdadeiro original inglês. E, como todo original, indefinível.
Como muitos brasileiros, descobri Dyer através de Ioga Para Quem Não Está nem Aí, lançado nove anos atrás pela Companhia das Letras.
Fiquei impressionado na ocasião com seu bom humor avassalador que, sempre alternado a uma melancolia aguda, fazia de suas passagens por cidades como New Orleans, Camboja, Bali, Amsterdam, Roma, Paris, Detroit, Miami e Las Vegas experiências existenciais únicas, muitas vezes aditivadas por alcool e drogas.
Há muito pouco turismo profissional nessas narrativas refinada, de humor britânico e introspecção blasée. Dyer não sossega enquanto não subverte o gênero "literatura de viagem". Perambula doidão por Paris e Amsterdam, por exemplo, e mostra como isso pode se transformar numa aventura muito engraçada. Vislumbrar tristemente as ruínas de Roma e não conseguir entender porque não consegue dar o pontapé inicial num acalentado projeto de um livro sobra a Antiguidade Clássica. São viagens introspectivas às vezes divertidas, outras vezes não. Mas sempre espirituosas ao extremo.
Seus textos de viagens são, na verdade, viagens de busca, movidas pela insatisfação de estar aqui e o desejo de estar em outro lugar, uma busca indefinida por alguma coisa essencial, profunda, de conciliação consigo mesmo e com o mundo. Geoff Dyer é movido a insatisfações e sempre fala francamente, sem fazer psicoterapia no papel, passando ao largo da pieguice comum a todos os que fazem uso desse experiente. Ele mesmo costuma dizer, brincando, que vive em Londres morrendo de vontade de estar em San Francisco, California.
Depois de três romances e vários livros de não-ficção sobre os assuntos mais variados -- O Instante Contínuo, por exemplo, é sobre fotografia e Tudo Sobre Jazz sobre o universo musical jazzístico --, Geoff Dyer retorna num relato muito curioso intitulado Mais Um Dia Magnífico no Mar, sobre duas semanas que passou num porta-aviões norte-americano.
Em 45 pequenos capítulos, escritos no estilo elegante e divertido que o tornou célebre, Dyer descreve cada aspecto da vida num navio de guerra: os marinheiros encarregados de administrar freezers gigantescos de comida processada, a academia de ginástica repleta de oficiais obcecados por musculação, o bloco prisional ocioso que transforma os vigias em verdadeiros cativos obrigados a supervisionar celas vazias.
É um cotidiano assustador para quem conhece Dyer de outras aventuras.
Rabugento ao extremo, ele reclama do barulho dos motores, sofre com suas restrições alimentares e inferniza a vida de todos ao seu redor até conseguir ficar uma cabine privativa.
Mas paralelamente a tudo isso, Dyer esboça um texto delicado e curioso, e revela o trabalho incansável dos tripulantes consertando aviões, lançando-os ao céu e recebendo-os quando voltam inteiro de alguma missão.
Assim como Martin Amis em seu clássico The Moronic Inferno, Geoff Dyer se revela aqui um inglês típico frente a um mundo profundamente americano, com suas constantes incitações ao sucesso e à superação.
O porta-aviões vira a representação de uma sociedade em que disciplina, conformidade, dedicação e otimismo são formas de identidade.
Às vezes, é tudo muito divertido.
Outras vezes não.
Mas é sempre literatura de primeira grandeza, mesmo não sendo exatamente ficção.
Claro que, para alguém como Geoff Dyer, um escritor sem fronteiras habituado a transcender gêneros, isso é apenas um detalhe.
De todos os livros de Geoff Dyer que li depois de Ioga Para Quem Não Está Nem Aí, esse foi, com certeza, o que eu mais gostei.
Li Mais Um Dia Magnífico no Mar numa sentada no último fim de semana, quase sem desgrudar.
Há muito tempo isso não acontecia comigo.
Prepare-se para conhecer uma das vozes mais originais e engraçadas da literatura contemporânea.
E divirta-se
MAIS UM DIA MAGNÍFICO NO MAR
(Another Great Day At The Sea)
uma aventura de GEOFF DYER
(Companhia das Letras, 2016)
Tradução: Pedro Maia Soares
240 páginas
R$ 44,90 (brochura)
R$ 30,90 (ebook)
Chico Marques devora livros
desde que se conhece por gente.
Estudou Literatura Inglesa
na Universidade de Brasília
e leu com muito prazer
uma quantidade considerável
de volumes da espetacular
Biblioteca da UnB.
Vive em Santos SP, onde,
entre outros afazeres,
edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
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