Wednesday, May 11, 2016

CORINTHIANS E PALMEIRAS NUMA SINUCA (por Carlão Bittencourt)



Este lance rolou no início dos anos 70 no Maravilhoso, o salão de sinuca mais autêntico que São Paulo já viu. Era uma quarta-feira à noite, data em que Corinthians e Palmeiras iriam se pegar no velho Pacaembu. Guerra à vista!

Seguinte: deu Palmeiras na cabeça e, lá pela meia-noite, os derrotados da fiel torcida começaram a chegar. Vinham de bico mole, arrasados pelo talento de Ademir da Guia, Dudu e outros craques da velha Academia. Show de bola.

O Palestra esteve inspirado e deu trabalho pro rapaz do placar. Meteu vários pombos sem asas nas redes do Timão. Azar dos gambás.

Então, como a noite estava mesmo perdida, nada como uma partidinha de sinuca pra levantar o astral. O grupo tinha perto de uns quinze elementos, todos mal encarados, trajando a camisa do alvinegro ensacado de gols. Calados, foram pro fundo do salão e abriram quatro mesas. E lá ficaram mudos, tomando cachaça com cerveja e jogando. Putos da vida.

A corriola habitual da casa viu os caras entrarem e logo voltou sua atenção pra mesa dois. Ali, Praça estava depenando um pato gordo. E com requintes de um cheff francês! O otário perdia que perdia e não se dava conta da mutreta. Era um loquestrote profissional. Um simplório com diploma de trouxa. Se vacilasse, iria perder até as calças. E tome jogo.

De repente, a harmonia do salão foi quebrada, pela entrada dos torcedores do Palmeiras. Isso mesmo: do Palmeiras. Mais do que eufóricos com a vitória sobre o arqui-rival, os fãs do alviverde chegaram cantando o hino do clube, agitando bandeiras, gritando, numa algazarra só comparável à Rua Turiaçu e arredores, naquele momento.

Primeiro, fez-se um silêncio de velório no Maravilha. Os porcos foram passando por entre as mesas e, alguns metros adiante, ficaram cara a cara com os corintianos. Era o chamado impasse. Parecia cena de filme americano. As gangues se olharam sem dizer palavra. Nem piscar. Nada. Que tensão. Nunca um minuto demorou tanto a passar. Uma eternidade.

Na mesa três, Praça, viu a armação e resumiu, com a sabedoria dos safos:

"Ih...fudeu. Se abaixa, gente!"

Foi o pontapé inicial. Como se tivessem ensaiado, as facções inimigas partiram uma para cima da outra. E quem pôde mais, chorou menos.

Pra resumir, vale tudo foi pouco perto do que rolou ali. Tacos, bolas, bandeiras, apagadores de lousa, caixa de giz, garrafas, copos, bonés, camisas, sapatos, até um rolo de papel higiênico Tico-tico (quem se lembre da marca?) virou arma e entrou na briga. Era matar ou morrer.

Enquanto isso, no outro lado do salão, não havia uma alma em pé. O Maravilhoso estava literalmente de quatro, ajoelhado diante daquele inusitado Corinthians e Palmeiras. Todo mundo abaixado.

E não era pra menos, pois o lugar mais parecia uma pipoqueira de bingo de tanta bola voando. Se acerta num, mata.

Mas briga é que nem futebol: não tem lógica. Assim como tinha começado, foi saindo do velho salão de sinuca. As duas torcidas foram quebrando tudo o que encontravam pela frente até se mandarem, porta a fora.

Naquela noite fria bem paulistana, o que mais se viu no centro da cidade foram cenas de sangue nos bares da Av. São João.



Carlão Bittencourt – 03.05.2016



Carlão Bittencourt é redator publicitário e cronista,
autor de "Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve toda semana em LEVA UM CASAQUINHO.

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