Meu pai costuma usar palavras que ninguém usa. Uma delas é inapetente. Ouvi-a pela primeira vez na hora do almoço. Foi quando minha mãe ordenou que eu não saísse da mesa sem antes comer tudo.
“Se ele está inapetente, não o obrigue a comer!”, disse meu pai.
“Ele precisa se alimentar! Não gosta de nada.”
“O alimento só faz bem quando apetece”, ele insistiu.
“Nunca ouvi falar disso”, mamãe respondeu.
Prontamente, meu pai encerrou a questão:
“Abstenha-se!”
E logo em seguida, se dirigindo a mim:
“Podes se retirar. Mas não te ponhas qual um corcel fogoso.”
Gosto de ler em voz alta os comentários que ele faz quando a professora propõe o debate de algum tema. Certa vez o assunto foi: “Devemos ou não dar esmola?”. Levei-lhe a questão e meu pai ditou para que eu escrevesse no meu caderno: “O óbolo humilha quem recebe e avilta o caráter de quem dá”.
Ontem eu estava no banheiro. Minha mãe bateu na porta:
“Vais demorar muito, guri?”
“Não, tô acabando de defecar.”
“O quê?!”
“Tô acabando de defecar!”
Quando saí, ela me disse:
“Sempre que o teu pai não estiver em casa, fala como uma pessoa normal. Combinado?
”
Márcio Calafiori é jornalista.
Nasceu em 1957 e se formou
pela Facos em 1986.
Exerceu quase todos os cargos
em redações de jornais em Santos,
Santo André, Campinas e São Paulo.
Foi redator, repórter, revisor, editor,
secretário de redação,
chefe de reportagem e ombudsman.
Aposentou-se em 2012
como professor da Unisanta,
depois de 29 anos
de dedicação exclusiva
ao Jornalismo Impresso.
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