por
Bruno Carmelo
para
AdoroCinema
Esqueça todas as biografias solenes, respeitosas, com atores fisicamente semelhantes aos biografados e recriações históricas detalhistas: Eisenstein in Guanajuato é um filme que pretende implodir o gênero. Para quem espera da obra um mínimo de informação, o cineasta Peter Greenaway parodia os documentários tradicionais, fazendo uma rápida apresentação escolar sobre o cineasta soviético Sergei Eisenstein, seus principais filmes, e o motivo de sua visita ao México.
Mas as explicações param por aí. Greenaway quebra as convenções da biografia ao comparar, desde as primeiras cenas, fotos reais de Eisenstein ao lado do protagonista (Elmer Bäck), para sublinhar justamente o quanto os dois não são parecidos. “Esta não é uma cópia, e sim uma construção”, parece dizer o filme. Ou então seria uma desconstrução: a tela se fragmenta, o espaço é distorcido pelo uso de lentes “olho de peixe”, a narrativa se repete.
Formalmente, Eisenstein in Guanajuato é uma grande ópera kitsch, colorida, excessiva, brincalhona. Praticamente todos os recursos desfilam pela tela, desde um elegante travelling lateral através de várias salas (remetendo a O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante) até projeções toscas em uma tela verde. As imagens respiram o artifício assumido, escancarado até o limite do absurdo.
Isto não impede que, entre muitas fantasias de Greenaway, insiram-se dados reais da visita do criador de O Encouraçado Potemkin à América. A demora em produzir o seu filme, as brigas com os produtores, a paixão pelo acompanhante Palomino e o choque diante da representação da morte são fatos comprovados e relatados em livros. Mas o mérito deste filme é partir da realidade para imaginar o seu contexto: ao invés de mostrar Eisenstein gravando o projeto Que Viva México!, a ficção supõe o que ele fazia enquanto não estava filmando.
Elmer Bäck faz uma composição circense, na medida exigida pela estética do filme. Eisenstein é transformado em uma personalidade mimada, insegura, muito distante da imagem do gênio da montagem e do teórico respeitado. Talvez os russos não fiquem contentes com esse retrato jocoso de um ícone nacional, mas a produção se justifica por embutir fantasia em um gênero colado ao real, devolvendo a criatividade a um homem famoso pela inovação. Nada mais justo.
Polêmico, obcecado pelo sexo e pela morte, Greenaway faz de Eisenstein um alter ego, criando cenas inusitadas e libertinas por associarem a revolução soviética à perda da virgindade de Eisenstein. O espectador sairá de Eisenstein in Guanajuato conhecendo pouco sobre esse episódio histórico, ou melhor, não sabendo exatamente qual parte é real, e qual parte é imaginária. O olhar vigoroso e anárquico em relação à realidade ainda constitui um dos grandes talentos de Greenaway.
EISENSTEIN E UM CINEMA DE EXPERIMENTOS
por Rafael W Oliveira
para
CinePlayers
É visível os motivos do descontentamento e do frissom que Que Viva Eisenstein! causou desde suas primeiras exibições no Festival de Berlim do ano passado. Como sugere o subtítulo, 10 Dias que Abalaram o México!, é um recorte do curto período de tempo em que Sergei Eisenstein, tendo alcançado fama e notoriedade no cinema após os lançamentos de A Greve, Outubro e o revolucionário O Encouraçado Potemkin, se muda para a cidade de Guajanato para rodar seu projeto em terras americanas, e que viria a ser intitulado Que Viva México!
Que Viva Eisenstein, entretanto, exige um considerável nível de desprendimento do que conhecemos sobre Eisenstein enquanto cineasta, filmólogo e pensador. Há sim a reconstituição de fatos importantes que ocorram durante a estadia de Eisenstein no México, como a briga com os produtores, o excesso no orçamento, o longo tempo exigido pelo cineasta para rodar seu filme e a paixão por seu acompanhante e guia Palomino (Luis Alberti), mas o diretor Peter Greenaway eleva seu filme ao status de sátira biográfica kitsch, mergulhando estes dez dias em uma montagem acelerada, colorida, berrante, circense, extravagante e até mesmo didática, com as inserções de cenas dos filmes de Eisentein em meio a uma tela triplamente divida e também com fotografias reais das figuras que surgem na tela, uma espécie de declaração do próprio em afirmar que seu objetivo não está na fidelidade das semelhanças físicas entre os rostos, mas sim no que aqueles dez dias podem proporcionar a um diretor como Greenaway para trabalhar e brincar com seu estilo.
Pois Que Viva Eisenstein é isso, um filme desprendido. O personagem título, numa composição exuberante e animada de Elmer Bäck (e que nos remete ao Antonio Salieri de F. Murray Abraham em Amadeus), é a própria representação do que Greenaway pretende com sua brincadeira, que é o quebrar convenções, provocar, desafiar a percepção do público sobre transposição e desconstrução de uma imagem enraizada por sua história. Para tanto, o diretor também não mede a exibição de nudez em inesperados closes fechados e uma longa sequencia de penetração anal que, indo para além da simbologia sobre a própria libertação sexual de Eisenstein, surge também como uma representatividade visual jocosa da revolução soviética, o que surge como justificativa para que os russos não se sintam extremamente felizes com Que Viva Eisenstein.
Fato é que essa própria ousadia e ausência de pudores prejudica o filme de Greenaway lá pelas tantas, quando a própria repetição técnica e narrativa brincalhona do diretor alcançam certa redundância. A queda na força da proposta é visível após isso, mas não anula o êxito da obra em se desprender de fatos (quase não se vê o processo das filmagens de Que Viva México, mas sim o que há por trás) e caracterizações fidedignas para se tornar uma brincadeira estilística, anárquica e imaginativa, certamente de difícil digestão para quem esperava ver nas telas a presença marcante de Eisenstein enquanto parte importante de uma história, mas não menos singular enquanto cinema de experimentos.
QUE VIVA EISENSTEIN!
(Eisenstein In Guanajuato, 2015, 105 minutos)
Direção e Roteiro
Peter Greenaway
Elenco
Elmer Back
Lisa Owen
Maya Zapata
Luis Alberti
Stelio Savanti
em cartaz no Cine Arte Posto 4
sessões às 16:00, 18:30 e 21:00 horas
EISENSTEIN E UM CINEMA DE EXPERIMENTOS
por Rafael W Oliveira
para
CinePlayers
É visível os motivos do descontentamento e do frissom que Que Viva Eisenstein! causou desde suas primeiras exibições no Festival de Berlim do ano passado. Como sugere o subtítulo, 10 Dias que Abalaram o México!, é um recorte do curto período de tempo em que Sergei Eisenstein, tendo alcançado fama e notoriedade no cinema após os lançamentos de A Greve, Outubro e o revolucionário O Encouraçado Potemkin, se muda para a cidade de Guajanato para rodar seu projeto em terras americanas, e que viria a ser intitulado Que Viva México!
Que Viva Eisenstein, entretanto, exige um considerável nível de desprendimento do que conhecemos sobre Eisenstein enquanto cineasta, filmólogo e pensador. Há sim a reconstituição de fatos importantes que ocorram durante a estadia de Eisenstein no México, como a briga com os produtores, o excesso no orçamento, o longo tempo exigido pelo cineasta para rodar seu filme e a paixão por seu acompanhante e guia Palomino (Luis Alberti), mas o diretor Peter Greenaway eleva seu filme ao status de sátira biográfica kitsch, mergulhando estes dez dias em uma montagem acelerada, colorida, berrante, circense, extravagante e até mesmo didática, com as inserções de cenas dos filmes de Eisentein em meio a uma tela triplamente divida e também com fotografias reais das figuras que surgem na tela, uma espécie de declaração do próprio em afirmar que seu objetivo não está na fidelidade das semelhanças físicas entre os rostos, mas sim no que aqueles dez dias podem proporcionar a um diretor como Greenaway para trabalhar e brincar com seu estilo.
Pois Que Viva Eisenstein é isso, um filme desprendido. O personagem título, numa composição exuberante e animada de Elmer Bäck (e que nos remete ao Antonio Salieri de F. Murray Abraham em Amadeus), é a própria representação do que Greenaway pretende com sua brincadeira, que é o quebrar convenções, provocar, desafiar a percepção do público sobre transposição e desconstrução de uma imagem enraizada por sua história. Para tanto, o diretor também não mede a exibição de nudez em inesperados closes fechados e uma longa sequencia de penetração anal que, indo para além da simbologia sobre a própria libertação sexual de Eisenstein, surge também como uma representatividade visual jocosa da revolução soviética, o que surge como justificativa para que os russos não se sintam extremamente felizes com Que Viva Eisenstein.
Fato é que essa própria ousadia e ausência de pudores prejudica o filme de Greenaway lá pelas tantas, quando a própria repetição técnica e narrativa brincalhona do diretor alcançam certa redundância. A queda na força da proposta é visível após isso, mas não anula o êxito da obra em se desprender de fatos (quase não se vê o processo das filmagens de Que Viva México, mas sim o que há por trás) e caracterizações fidedignas para se tornar uma brincadeira estilística, anárquica e imaginativa, certamente de difícil digestão para quem esperava ver nas telas a presença marcante de Eisenstein enquanto parte importante de uma história, mas não menos singular enquanto cinema de experimentos.
QUE VIVA EISENSTEIN!
(Eisenstein In Guanajuato, 2015, 105 minutos)
Direção e Roteiro
Peter Greenaway
Elenco
Elmer Back
Lisa Owen
Maya Zapata
Luis Alberti
Stelio Savanti
em cartaz no Cine Arte Posto 4
sessões às 16:00, 18:30 e 21:00 horas
No comments:
Post a Comment