Tuesday, June 21, 2016

2 OPINIÕES FAVORÁVEIS A "BIG JATO", FILME BASEADO NO ROMANCE DE ESTRÉIA DE XICO SÁ

NO FILME PERNAMBUCANO "BIG JATO", A POESIA CONFRONTA A POLÍTICA
por Érico Andrade
(Filósofo e Professor de Filosofia da UFPE)
para o Diário de Pernambuco


No poema Conversa Sobre Poesia Com O Fiscal de Rendas, Maiakóvski (cujo livro aparece, numa das cenas, nas mão de Francisco) mostra-se inquieto quanto ao lugar do poeta na sociedade proletária. Como a poesia poderia prestar contas ao fisco? Com medir o trabalho duro do poeta? O lugar da poesia é o não-lugar. Onde ela habita o Estado não pode tocar e nenhuma sorte de vida burocrática, usemos a palavra certa, careta pode lhe subsidiar. A poesia é veneno. É por isso que o peixe pedra, um dos mais venenosos, sai da boca do incipiente poeta Francisco, porque ele é a imagem da poesia, a qual é responsável por nos contaminar com o ácido e imperioso desejo de transgredir, de estar à margem. A poesia é, para continuar com Maiakóvski, sobretudo o desejo de fazer uma viagem ao desconhecido.

Evidentemente, o desconhecido não são os planetas a serem ainda descobertos, o mar a ser visto, que termina sendo visto por Francisco na cena final de Big jato, nem muito menos os segredos guardados por serafins. Ele está, visitemos agora Drummond, no nosso interior e tal como peixe pedra do filme está vivo; nos sufocando por dentro. A poesia é a angústia que invade nossos olhos e colore a loucura de beleza (como na linda relação de Francisco com o velho poeta), a paixão não correspondida de esperança.

O cinema “sujo" de Cláudio Assis está presente em Big jato para mostrar que a merda, palavra recorrente no filme, está no comando das vidas entregues ao marasmo do dia a dia, das declarações de apreço, como nos ensina Bandeira, ao senhor diretor, e, especialmente, à corretude implacável da moral civilizada moderna. A merda não está apenas nos esgotos que o Big jato recolhe, mas ela estampa os rostos dos que vivem no subterrâneo da vida, para trabalharem e burocraticamente amarem sem mais.

A poesia mais do que beleza é a subversão estética que contraria a lógica utilitária do Estado, do trabalho (desdenhado pela boca do tio de Francisco, personagem deslocada do ambiente de Riacho das Almas) e de nossa vida de modo geral. A lógica que nos prende à repetição cotidiana do mesmo sorriso, da mesma comida, do mesmo cheiro e do mesmo modo de se divertir. Big jato conta, portanto, uma estória de resistência. No entanto, não é a fuga da cidade que poderá fazer de Francisco um poeta. Apenas a recusa de se render à burocracia da vida ordinária não é suficiente para se fazer poesia. É preciso desafiar o mundo lhe envenenando com a força, para acabar com Bandeira, das chamas que consomem os diamantes mais límpidos.

"BIG JATO" TRAZ A HABITUAL DOSE DE PAIXÃO CRUA DE XICO SÁ
por Carlos Cirne
para Colunas & Notas


Francisco, o pai (Matheus Nachtergaele), percorre as ruas e roças de sua cidadezinha no interior do Pernambuco, a fictícia Peixe de Pedra, acompanhado de Francisco, o filho (Rafael Nicácio), o do meio entre mais dois, além de uma filha.

O trabalho deles, considerado por muitos como degradante, é o que provê o sustento de toda a família: ele trabalha como limpa-fossas. E, em sua sofisticada análise filosófica do trabalho, é neste ponto que a humanidade se equaliza. Não há como evitar as funções fisiológicas, para pobres ou ricos, feios ou bonitos.

O filme, aliás, inicia com um divertidíssimo diálogo entre pai e filho, onde o pequeno encadeia uma lista de nomes, perguntando “Fulano faz?”, ao que o pai explica que sim, e consubstancia sua resposta. Hilariante.

Neste novo, e provavelmente mais poético filme de Cláudio Assis – autor de “Amarelo Manga” (2002), “Baixio das Bestas” (2006) e “A Febre do Rato” (2011) - Matheus Nachtergaele traz mais uma de suas viscerais interpretações, aliás, duas, pois interpreta o trabalhador Francisco e seu irmão gêmeo, Nelson, antítese desta figura. Enquanto Francisco dá duro de sol a sol, Nelson orgulha-se de nunca haver trabalhado um dia sequer em sua vida.

Nelson “trabalha” como disc-jóquei da rádio local onde, entre uma música e outra, desfia sua constante ode ao desconhecido grupo “Os Betos”, precursores e fonte de inspiração para outro grupo, “The Beatles” (aliás, fixação de seu irmão Francisco). Segundo ele, “Os Betos” teriam sido preteridos pela indústria fonográfica internacional para não ofuscarem “o outro” grupo, que chegou depois e neles se inspirou, mas tinha a vantagem de ser inglês. Sendo assim, toca as músicas dos “Betos” em motocontínuo, citando também seus aforismos como, por exemplo, “Let it Lie” - qualquer semelhança com “Let it Be“ não é coincidência não, é plágio mesmo, por parte dos Beatles.

Quanto a Francisco, o pai, sua postura de caudilho do agreste no comando da família acaba por quase isolá-lo do convívio dos parentes. A mulher, vivida por Marcélia Cartaxo, é sofrida, forte, e ainda garante o sustento da família nesta fase de poucas fossas (ela comercializa cosméticos por catálogo); o filho mais velho, George (por causa do George Harrison) é o estudioso da família, pois se dedica à matemática, como o pai quer; o filho mais novo, David, encontra-se numa difícil fase de transição e aceitação (mais por parte da família do que dele) de sua sexualidade; e a filhinha mais nova é o xodó do papai. E Francisco, o filho, por mais que o pai não queira, encontra na poesia o alento necessário para a difícil fase dos primeiros amores adolescentes. Na poesia e na companhia do “maldito” da cidade, Ribamar o “Príncipe”, intelectual vivido por Jards Macalé, com sua fleuma de sempre.

Não chega a ser um filme tão contundente quanto os anteriores de Assis, mas garante sua habitual dose de paixão crua ao olhar do espectador. Visualmente interessante, poderia prescindir de certos experimentos de câmera com um gosto de anos 1960 demais. Experimente.



BIG JATO
(2016 92 minutos)

Direção
Claudio Assis

Roteiro
Xico Sá
baseado em seu romance de mesmo nome

Elenco
Matheus Nachtergaele
Marcélia Cartaxo
Rafael Nicácio
Artur Maia
Vertin Moura
Clarice Fantini
Fabiana Pirro
Francisco de Assis Moraes
Gabrielle Lopes
Pally Siqueira



em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping



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