Wednesday, June 8, 2016

2 OPINIÕES QUASE DIVERGENTES SOBRE "ROCK EM CABUL", NOVA COMÉDIA DE BILL MURRAY


COMÉDIA PACIFISTA DE BARRY LEVINSON É UM DOS TRABALHOS MAIS INSPIRADOS DO DIRETOR DESDE "MERA COINCIDÊNCIA"
por Rodrigo Fonseca
para Omelete


É fácil entender o fracasso monumental de bilheteria de Rock em Cabul (Rock The Kasbah) por razões políticas: a opção de desafiar as tradições do Afeganistão a fim de construir uma narrativa hollywoodiana de redenção (e, ainda por cima, debochada) foi patrulhada e recebida como um desrespeito. Mas é difícil, usando critérios estéticos, justificar a rejeição popular sofrida por este que talvez seja o mais inspirado trabalho de direção do realizador Barry Levinson desde Mera Coincidência (1997), seu último sucesso. E, antes que se disseque seu vigor formal, salta aos olhos um Bill Murray em estado de graça, fazendo de tudo para justificar a confiança de diretor e produtores em dar a ele um papel de protagonista que vá além de piadas ou trapalhadas, à altura de seus bons trabalhos dos anos 1980 (como Recrutas da Pesada). Ele mantém o riso em riste da primeira à última cena, sabendo dosar bem elementos de melodrama nas passagens da trama ligados ao congraçamento e ao estranhamento cultural.

No fundo, é sobre alteridade que se fala em Rock em Cabul, ou seja, a estranheza que duas culturas distintas produzem quando aproximadas, sobretudo se a aproximação for forçada e mediada pela arte – no caso, a música. Gaiato como sempre, Murray é Richie Vance, um caça-talentos musicais, dono de uma fama que parece ter sido forjada por ele mesmo, em busca de uma chance de se reinventar no mercado apostando num show no Afeganistão. Mas sua “estrela” (Zooey Deschanel) acaba amarelando na hora de cantar por lá, deixando-o sem sua matéria-prima de trabalho, sem dinheiro e sem passaporte, na mira de um mercenário sem causa ne honra, Bombay Brian (um Bruce Willis deslocado). Mas sua sorte ameaça mudar quando ele encontra uma jovem afegã isolada nas montanhas, Salima (Leem Lubany), cuja garganta de ouro pode levá-la a ser a vencedora de uma espécie de Ídolos afegão. Mas existem tradições (em especial o preconceito contra as mulheres) que pode atrapalhar a jornada da jovem e a volta por cima de Vance, que acaba se metendo numa guerra tribal.

Orçado em US$ 15 milhões e filmado no Marrocos, embalado numa trilha sonora preciosa de Marcelo Zarvos, compositor paulista classe AA, Rock em Cabul revive a habilidade (há muito perdida) de Levinson em manter as rédeas de uma narrativa capaz de flertar com vários gêneros (comédia, drama, guerra, thriller político) sem jamais perder as rédeas do que está no DNA da intriga central. E, neste caso, a intriga fala de um mútuo exercício de reciclagem pessoal – a de Vance, de um lado, e a de Salima, do outro – relacionada à esperança: a esperança de um futuro profissional mais luminoso e a esperança por tempos de paz. De quebra, ainda vemos uma Katie Hudson luminosa como a garota de programa que vai auxiliar Vance em sua odisseia no deserto.


Esse domínio azeitado das idas e vindas do roteiro espana a ferrugem que tomou conta das engrenagens criativas de Levinson a partir dos anos 2000, quando uma série de fiascos de público e crítica, iniciada com Vida Bandida (2001), tirou dos eixos uma das sólidas carreiras da indústria americana. Ganhador do Urso de Ouro no Festival de Berlim e do Oscar de melhor direção por Rain Man (1988), ele ganhou notoriedade ao dirigir sucessos como Bom Dia, Vietnã (1987) e O Enigma da Pirâmide (1985), tendo sido parte indelével da construção do imaginário pop dos anos 1980. Mas o excesso de burocracia em seu olhar – muito refém da lógica causa e efeito nos roteiros – acabou travando sua evolução. Rock em Cabul permite a ele mais e melhores riscos – sempre amparado por Murray – que, infelizmente, não foram apreciados como deveriam. Mas nem por isso, esta comédia pacifista perde seu brilho.



"ROCK EM CABUL": DIVERTIDO, MAS PRECONCEITUOSO
por Carlos Cirne
para Colunas & Notas


Richie Lanz (Bill Murray) já viveu dias melhores. De empresário de estrelas do rock a relegado a um motel de segunda categoria num bairro periférico de Los Angeles, ele hoje sobrevive de “descobrir talentos”, extorquindo-lhes dinheiro para o “lançamento” de suas carreiras, ajudado por sua cliente dublê de secretária Ronnie (a gracinha Zooey Deschanel, irreconhecível aqui).

Convencido por um oficial das Forças Armadas – que conheceu bêbado num “show” de Ronnie -, carrega sua apavorada cliente numa turnê para as tropas americanas estacionadas no Afeganistão. Lógico que a situação é a maior roubada. E Ronnie dá o fora, abandonado Richie em Cabul, sem dinheiro ou passaporte. Fria!

Em meio a inúmeras confusões, e envolvido com as figuras mais estranhas possíveis, Richie tem que arrumar uma maneira de sair da cidade. Até que conhece, por acaso, uma garota com a mais bela voz, que ansia cantar na versão afegã do programa “American Idol”. Perfeito, se a competição não fosse reservada apenas a homens, e também moralmente condenável para uma mulher cantar em público no país. Nunca havia sido feito antes, e nem deveria. Mas a garota, Salima (Leem Lubany), é determinada a ponto de desafiar a sociedade absolutamente machista e a seu pai violento, chefe de um clã local.

Na empreitada de concretizar o sonho de Salima, Richie tem que contar com o time mais heterogêneo possível: o motorista de táxi americanófilo, Riza (Arian Moayed, uma das melhores coisas do filme), a “prostituta de coração de ouro” Merci (Kate Hudson), e o mercenário sem paciência Bombay Brian (Bruce Willis numa divertida autoparódia). Some-se a isso três outras participações muito interessantes: o marine Barnes (Taylor Kinney), encarregado do transporte de Richie, e a dupla de contrabandistas de armas Jake (Scott Caan) e Nick (Danny McBride), que são o estopim das desventuras de Richie.

Divertido veículo para Bill Murray, “Rock em Cabul”, cujo nome original (Rock the Kasbah) faz referência à canção da banda punk The Clash, de mesmo nome – que não está no filme porque o grupo não liberou os direitos -, acaba se revelando, numa segunda leitura, de um preconceito exacerbado. Obviamente, tudo soa exótico ao extremo, principalmente quando observado pelo ponto de vista heliocêntrico norte-americano. Os costumes árabes, a pobreza abissal em que o país está mergulhado, e os tipos absurdamente risíveis, assim como os contrastes entre os “lordes da guerra” em seus veículos ultramodernos e os chefes tribais se locomovendo em seus cavalos, acabam sendo por demais evidentes para serem ignorados. Incomoda a total falta de respeito. Até o que poderia ser encarado como reverência, o uso das canções de Cat Stevens (o cantor e compositor inglês, de origem sueco-greco-cipriota, Steven Demetre Georgiou, que mudou seu nome para Yusuf Islam quando abraçou o islamismo), acaba soando como condescendência indisfarçada.

De qualquer forma, ainda é muito divertido ver o insólito Murray em ótima forma – e mais contido - disparando comentários engraçadíssimos (que as legendas raramente conseguem acompanhar), numa versão mais sofisticada de seu humor da época de “Saturday Night Live”, ainda mais corrosivo e destilado. E sua já nascida clássica alusão a Marilyn Monroe, no filme – não perca.



ROCK EM CABUL
(Rock the Kasbah, 2015, 106 minutos)

Direção
Barry Levinson

Roteiro
Mitch Glazer

Elenco
Bill Murray
Bruce Willis
Kate Hudson
Zooey Deschanel
Leem Lubany
Arian Moayed
Scott Caan
Danny McBride
Taylor Kinney



em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping
com sessões às 15, 17 e 19 horas



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