De tanto falarem de roubo da merenda por uns deputados do PSDB em São Paulo, recordei-me que descobriram a presença de uma droga anti-inflamatória, antipirética e analgésica na carne consumida numa merenda escolar. Ei, não precisa se preocupar, não, que foi na Inglaterra! E já tem uns anos isso. Pois, mais que isso, descobriram que a carne não era bovina, mas de cavalo. Isso causou polêmica de diversos tipos. Teve gente reclamando da qualidade do produto, em que não deve haver droga como essa na carne, qualquer que seja, achando a coisa mais natural do mundo comer um cavalinho que já foi muito montado em vida. Outros se indignaram justamente com isso e há ainda houve os vegans, naturalistas radicais, que se aproveitaram disso para ampliar sua campanha contra o consumo de carne e para que todos se tornem vegetarianos, dizendo “não coma cavalo por vaca, seja um vegano”.
Com que então, diríamos, os ingleses comendo cavalos, eles que são tão amadores dos equinos, do hipismo artístico, dos “derbys”, os grandes prêmios de corrida em jóqueis clubes e com imenso mercado de apostas? Ocorre que há uma imensa quantidade de cavalos em uso para alimentar esse sistema e eles muito comumente se machucam e são abatidos. Ou descartados, que é a palavra bem mais adequada hoje em dia.
No Velho Oeste ainda se podia dizer “abater um cavalo” com dor no coração, pois ele era a outra metade do cavaleiro. Hoje em dia a palavra corrente, servindo para quase tudo, quase que para humanos, é mesmo descarte. E quem é que pega esses descartes? Não o serviço de limpeza pública especializado, pois em vez de pagar taxas, se ganha uns bons dinheiros vendendo o bicho para os frigoríficos. E aí é que mora o perigo, pois há frigoríficos europeus maquiando a carne e vendendo-a como bovina. E o pior é que descobriram que muito da carne era “processada” por uma empresa da Suécia que, na verdade, comprava de uma empresa da França, em Luxemburgo, que por sua vez comprava os produtos através de um intermediário do Chipre, que o comprava na Holanda, que na verdade comprava mesmo era da Romênia. Entendeu?
Minha infância foi povoada por uma incógnita quanto a isso. Sempre que viajava para os lados de Apucarana, numa das entregas de sacaria de juta com meu pai, ao passar por dado ponto da estrada, reclamando do cheiro, logo ouvia: “é daquele frigorífico que mata cavalos...” Aquele lugar sempre me pareceu misterioso diante da questão elementar de achar absurdo matar um cavalo, ainda mais para comer. Logo se ficava sabendo que os comedores eram os japoneses, mas lá do Japão, um lugar tão distante que ficava no outro lado da Terra, constatação que nos fazia olhar para os pés tentando imaginar quão longe seria isso... De qualquer forma era um alívio por não serem os nossos japoneses, os inúmeros produtores de hortaliças da região!
Esses lugares de abate são mesmo misteriosos, obscuros, pois os donos não gostam de se expor, uma vez que os brasileiros gostam de cavalos mas não para comer. O mesmo acontece com um frigorífico de abate de equinos de Santa Fé, também no norte do Paraná, aparentemente bem ativo, que atua com discrição exportando para a Europa. Já aquele outro de Apucarana mudou-se para o interior de Minas Gerais. Mais que isso, surpreendente é saber que o Paraná sempre figurou nas estatísticas governamentais como Estado campeão em produção de carne de cavalo! E, como ocorre em geral nesse mercado em outros países, não há produção para abate no Brasil, assim essas empresas aproveitam principalmente animais velhos ou já sem condições de trabalho...
Ou seja, já nem dá para estranhar isso neste país que já teve entre seus donos os notáveis antropófagos tupinambás, que tanto impressionaram os europeus no passado. Este Planeta come de tudo. Resta saber se, de tanto comer burro velho, não se vai emburrecer ainda mais a espécie...
Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
passam a ser publicadas todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho
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