“Posso pedir o que eu quiser, não é?”
“Claro, meu anjo!”
“Eu quero seguir aquele garoto. Ele estuda na minha classe.”
“Que garoto?”
“Aquele que tá com a moça que veio pegar ele.”
“Mas por que quer seguir esse garoto?”
“Quero saber onde ele mora.”
“Por que não pergunta pra ele?”
“Eu tenho vergonha.”
“Mas que vergonha é essa?”
“Eu converso com todo mundo, menos com ele.”
“Você gosta dele, é isso.”
“Não, eu só acho ele bonito.”
“De fato, ele é uma graça. Mas uma menina precisa saber se valorizar, não pode ficar perseguindo um menino na rua só porque acha ele bonito. A vida não é assim.”
“Depois eu penso sobre isso.”
“Você me surpreende, filha.”
“Vamos logo, mãe. Ele já dobrou a esquina.”
“Ainda bem que eu posso seguir o trânsito.”
“Não vai rápido, mãe.”
“Filha, aqui é uma avenida.”
“Deixa ele ficar mais afastado.”
“O problema é que eu sempre fui ruim de perseguição.”
“Você já perseguiu alguém?”
“Perseguir não, mas fui impiedosa com uma menina. A gente gostava do mesmo garoto, que era o nosso vizinho. Ela sofreu na minha mão.”
“Isso é se valorizar?”
“Há um componente de valorização nisso.”
“Dirige mais devagar, mãe. Ele não pode me ver.”
“Você não entende nada de perseguição. Eles não vão perceber, pois tô fingindo que tô procurando um número. Olha como eu interpreto bem.”
“Será que a casa dele é bonita?”
“Mas como você sabe que ele mora numa casa? Aliás, essa é uma boa questão: tá interessada nele ou na casa?”
“Eu quero que a casa combine com ele.”
“Como assim?”
“Ele não pode ser bonito e a casa, feia.”
“Se eu fosse você não me preocuparia com isso, não agora.”
“Quero que ele more numa casa, pois assim eu posso passar em frente sempre que eu quiser.”
“A vida não é assim, filha. Tô te levando hoje, mas você sabe que a mamãe trabalha muito... Eles dobraram aqui e aqui é mão. Que sorte, é um bom sinal.”
“O meu coração tá batendo...”
“Acho que você não é uma menina de seis anos, mas um ser humano complexo, em miniatura. Ele mora numa casa! Filha, que intuição. Você adivinha as coisas?”
“Quando eu comecei a gostar dele eu imaginei uma casa.”
“E agora? Já sabemos onde ele mora.”
“Vamos embora, mãe. Preciso escrever isso no meu diário.”
Márcio Calafiori é jornalista.
Nasceu em 1957 e se formou
pela Facos em 1986.
Exerceu quase todos os cargos
em redações de jornais em Santos,
Santo André, Campinas e São Paulo.
Foi redator, repórter, revisor, editor,
secretário de redação,
chefe de reportagem e ombudsman.
Aposentou-se em 2012
como professor da Unisanta,
depois de 29 anos
de dedicação exclusiva
ao Jornalismo Impresso.
Colabora regularmente com
LEVA UM CASAQUINHO.
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