Wednesday, October 12, 2016

PEDRO, O GARÇON (uma crônica publicitária de Carlão Bittencourt)


“O Brasil persegue quem trabalha”
(Tom Jobim)



Uma figura muito interessante das agências de propaganda onde trabalhei era o garçom. Quase sempre ótimos.

Na Gang, essa função era exercida com a maior elegância pelo Pedro. E tão bem que Enio Basílio Rodrigues, grande Redator e Diretor de Criação, quando saiu para assumir a Presidência de Criação de outra agência, tratou de levá-lo. Pelo dobro do salário. Uma proposta irrecusável.

Entre suas muitas qualidades estava a memória, prodigiosa. Pedrão conhecia de cor e salteado todos os clientes da Gang pelo nome e, ainda por cima, sabia como cada um gostava de tudo, do cafezinho ao uisquinho. Não errava. Nunca.

O mesmo acontecia nas freqüentes reuniões que rolavam depois das 18 horas. Pedrão servia a bebida preferida de todos. E fazia drinques e coquetéis como ninguém. Era um talento nato.

Seu diferencial era o bom gosto. Adorava preparar canapés e outros petiscos. E também tinha o dom da culinária. Seus omeletes e pratos ligeiros eram famosos. E requisitados por quem se via obrigado a trabalhar na hora do almoço. Pedro sempre salvava a pátria com alguma coisa gostosa.

Assim, quando foi embora, sua ausência foi sentida, principalmente pelos clientes. Todo mundo perguntava por ele.

Na outra agência continuou dando show. Era uma das estrelas da casa. Bastava entrar na sala carregando a bandeja, para a conversa parar. O café, com bolo de fubá, servido todas as tardes era um sucesso entre os clientes. Que ele já chamava pelos nomes. Grande Pedro.

Mas como não existe mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe, certo dia as coisas mudaram. Para pior. Infelizmente.

Após perder algumas contas, o Plano Collor abalou profundamente a já frágil estrutura financeira da agência. Funcionários foram dispensados, custos reduzidos, a coisa ficou feia. Finalmente, a crise chegou na copa. Com tudo.

Acostumado a servir do bom e do melhor, Pedrão não gostava de regular despesas. Para ele era uísque 12 anos Logan, bourbon Jack Daniel’s, queijos só importados e caju do melhor, de lata. No mínimo.

Num dia meio vadio, fui até a cozinha atrás de um cafezinho. Dei de cara com ele. Pedro estava desanimado. Enquanto me servia a bebida fresquinha e cheirosa, confessou:


"Carlão, não agüento mais servir produtos “meia boca” pros clientes. Pega mal pra mim... Eu tenho um nome a zelar. Se o negócio continuar assim, vou largar a propaganda..."


Carlão Bittencourt
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve todas as quartas
em LEVA UM CASAQUINHO.


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