Thursday, March 23, 2017

FIADO, SÓ AMANHÃ (uma crônica de Marcelo Rayel Correggiari)



Essa Mercearia tem por hábito o pagamento à vista. Raríssimos são os casos de fiado, medida que visa sempre o bom andamento dos negócios. Muito crédito em mãos erradas e as vacas morarão no brejo da falência eterna.

Uma coisa é certa: ‘meeiros’ (e gente que parece não ser do ramo!) podem dar uma dor-de-cabeça daquelas.

No último dia 28 de fevereiro, o capítulo final: um juiz da Suprema Corte alemã bateu o martelo e o carnaval acabou.

A saber: na Alemanha, há três entidades de arrecadação dos direitos autorais que são VG Bild-Kunst, VG Musikedition, GEMA e a de arrecadação literária que é a Verwertungsgesellschaft (ou conhecida também como VG Wort).

Sob os olhares da agência alemã de Patentes e Marcas Registradas, a VG Wort reúne de um lado, autores(as), e do outro, editoras. Formatos para lá de simples: 50/50 nas publicações acadêmicas e 70/30 (em favor dos(as) autores(as)) nas obras de ficção.

Como boa parte das casas editoriais ao redor do planeta não entraria nesse tipo de negócio (70/30 em favor de quem escreveu), o ‘by-pass’ sugerido foi o de um contrato direto com o(a) autor(a) que cede, por esse instrumento, seus direitos até que se alcance um equilíbrio ‘bacana’ para a editora.

Até aí... tudo bem. O ‘pobrema’ é que as casas editoriais fizeram isso fora da VG Wort, ou seja, não se reuniram dentro do fórum adequado (a própria VG Wort) para proporem e/ou organizarem esse ‘novo entendimento’ quanto à cessão dos direitos autorais.

As editoras não reclamaram da ‘ursada’ que era a camisa-de-força imposta pela VG Wort dentro (ou a partir) da própria entidade de arrecadação. Pelo que parece, não forçaram a VG Wort a refazer as porcentagens de recolhimento desses direitos: assinavam o contrato com o(a) autor(a) diretamente e dane-se o resto.

Entre 2011 e 2016, a VG Wort recorreu à Justiça para o pagamento da diferença devida (acordada em contratos diretos entre editoras e autores, mas diferente do combinado com a entidade arrecadadora de direitos). Corre, recorre... até que no último dia 28, “... o samba saiu!”.

E as casas editoriais levaram fumo...!

A ‘dolorosa’ saiu por € 303 milhões, cerca de R$ 1.012.171.500,00, a serem pagos ‘no cacau’, e à vista (Casas Bahia é o cacete!).


Por falar em samba, há um partido alto do saudoso Bezerra da Silva cujo refrão era enfático: “(...) eu já disse a você que malandro demais vira bicho/E também já lhe pedi/’Pra’ você parar com isso (...)”. “(...) Malandro demais não dá, malandro! (...)”, sentenciava o sambista.

Para quem é ‘peixe-grande’ no mercado editorial alemão, a corda foi para o pescoço. Para os ‘nanicos’, os pequenos, o cadafalso abriu: muitas fecharão suas portas e a galera dentro dos escritórios que procure emprego.

São espantosos certos ‘cantos-de-sereia’ que, na entrada da Era de Aquário (ocorrida essa semana), ainda pegam ‘de rodo’ uma plêiade de néscios. Cair uma vez, a gente até entende... duas é batom na cueca: difícil de explicar.

Os(as) autores(as) ficaram só ‘de mula’ porque qualquer saída era saída. As editoras... bem... as editoras?! Sabe-se lá o que passou na cabeça delas ao não trazerem as discussões quanto às novas divisões da cessão de direitos autorais para dentro da entidade arrecadadora.

A conta está aí... agora. Tem dinheiro?!

É estarrecedor como o meio empresarial costuma a não andar na linha. Quando chega a conta, esperneia. O barato daria algum trabalho, mas era super simples.

However... je suis ‘malandro’... agora, ‘tá’ aí! Não tem parcelamento, não! Faz como, ‘boa gente’?!

Meeiro é um assunto longo, prolongado, arrastado, infinito. De livros a pés de alface, lá estão eles. Sem eles, ninguém lê ou come. Entretanto, é cada lambança de tirar o chapéu: quando a sodomia se avizinha, uma lágrima corre. Era para ser simples, mas algum ‘gênio-da-raça’ achou de escalar alguém para otário e a porta se estreitou. E quando a porta se estreita, a casa cai. E quando a casa cai, faz-se o quê?! É juiz, é advogado... leite derramado. E o bom no caso alemão é que foi dinheiro privado, não parece que rolou grana de leis de subvenção ou fomento.

É o problema da indústria: nesse caso, muitos administradores, muitos ‘marqueteiros’, muitos ‘gerentes de projeto’... e a turma das Letras?! “Hã?!”. “’Tá’ louco?!”. A indústria é das Letras, mas é cheia de padeiros, tintureiros, pedreiros, eletricistas, encanadores, adestradores, dentistas, decoradores, paisagistas, vendedores, deputados e uma constelação de ‘pessoas da área’.

“Afinal, não é assim... caprichamos sempre!”. Aquela imagem maravilhosa, com aquele discurso bonito, com muito Habernas, bastante Hannah Arendt, bota lá umas cafungadas de muito “humanismo”...

Se não tomou Fodex, é nisso que dá não ter ‘gente do ramo’: toma aí R$ 1.012.171.500,00 a ser pago numa tacada só.

Logo, querido(a) freguês(a), não vendemos fiado.

Vale nessa deslivrada Mercearia a boa e velha máxima de para-choque de caminhão: “O cachorro é o melhor amigo do homem porque não conhece o dinheiro”.

Ou seja: fiado, só amanhã.


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO



SO LONG FAREWELL
AUF WIEDERSEHEN
GOODBYE
VERÃO!

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