Saturday, June 17, 2017

AS BOAZUDAS DOS ANOS DE OURO DO CINEMA BRASILEIRO #26: CARLA CAMURATI

por Chico Marques


Lembro perfeitamente bem de quando Carla Camurati surgiu na tela da TV Globo pela primeira vez.

Foi num Caso Especial em 1980.

Estreia arrebatadora: ela interpretava uma lindíssima adolescente com jeitão de "flower child", sexualmente ativa, apaixonada pela vida e com potencial para enlouquecer todos à sua volta com seu espírito livre e sua "nonchalance".

Não lembro do nome daquele Caso Especial, e muito menos dos atores com quem ela contracenou, mas lembro que a repercussão de sua estreia foi tamanha que poucos meses depois ela já estava escalada com destaque para o elenco de "Brilhante", novela dos 8 de Gilberto Braga.

E lá foi ela, passeando por elencos de novelas como "Sol de Verão" e "Livre Para Voar", sempre fazendo o mesmo papel de boa moça, mal conseguindo disfarçar a insatisfação com os poucos desafios que a TV lhe oferecia.

Daí, o jeito foi se aventurar no cinema: mudou de mala e cuia para São Paulo, onde havia uma efervescência cinematográfica  bem diferente da cristalizada cena pós-cinema novo do Rio, e logo virou musa da dupla de diretores-roteiristas José Antonio Garcia-Ícaro Martins em filmes festejadíssimos como "O Olho Mágico do Amor", "Onda Nova" e "A Estrela Nua" -- além de protagonizar o grande sucesso "Cidade Oculta" do saudoso Chico Botelho, onde contracena com Arrigo Barnabé.

A partir daí, começou a dizer "obrigado não" para os convites -- não eram poucos -- que vinham da TV Globo.

Não por despeito, era muito grata à emissora por toda a projeção que recebeu em seus anos por lá, mas queria se aventurar como roteirista e diretora, e sabia que um contrato longo com a TV Globo iria atrapalhar e muito suas pretensões artísticas.

E lá foi ela, dirigindo curtas premiadíssimos como "A Mulher do Atirador de Facas" (1984), onde contracena com Ney Latorraca, e "A Mulher Fatal Encontra O Homem Ideal" (1987), onde divide a cena com o então marido Thales Pan Chacon e a "fada madrinha" Norma Benguell.

 Infelizmente, todos esses projetos consumiram toda a sua grana, e não renderam dinheiro algum -- daí, o jeito foi aceitar um contrato com a TV para mais 3 novelas -- "Fera Radical" (1988), "Pacto de Sangue" (1989) e "Brasileiras e Brasileiros" (1990) -- e com isso capitalizar um pouco antes de dar seu próximo grande passo: dirigir seu primeiro longa metragem.

Não foi nada fácil.

Com o fim da Embrafilme no início do Governo Fernando Collor, o cinema brasileiro perdeu a distribuidora que garantia a entrada dos filmes produzidos aqui nas salas de cinema, e também os adiantamentos que garantiam o pontapé inicial em noventa por cento das produções.

O cinema brasileiro levou vários anos para se reacomodar a uma nova situação, até o surgimento de uma lei de incentivos criada pelo Ministro da Cultura Sérgio Paulo Rouanet -- a lei Rouanet --, e nesse meio tempo muitas produções foram iniciadas e não finalizadas por absoluta falta de condições financeiras.

A primeira produção brasileira a surgir nos cinemas, em 1995, dando o início no que se convencionou chamar de "Cinema da Retomada", foi justamente "Carlota Joaquina, Princesa do Brasil", longa de estreia de Carla como diretora, uma comédia histórica em tom de galhofa que mostra Dom João VI (Marco Nanini) como uma monarca abestalhado e sua mulher Carlota (Marieta Severo) como uma ninfomaníaca arrogante que tinha verdadeiro horror deste país quente e abafado onde ela veio parar.

Apesar de ser um filme repleto de defeitos -- que podem ser atribuídos tanto à inexperiência de Carla como roteirista e diretora quanto às enormes dificuldades que ela enfrentou durante quase 5 anos entre a pré-produção e o lançamento -- "Carlota Joaquina, Princesa do Brazil" foi um sucesso estrondoso de crítica e público, a tal ponto que muitas pessoas que até então não podiam sequer ouvir falar as palavras "cinema brasileiro" sem espumar, começaram a considerá-lo com respeito daí por diante.

Mas mesmo o sucesso de "Carlota" não facilitou as coisas para Carla, e ela levou outros 6 anos até conseguir realizar seu segundo trabalho como diretora: o delicadíssimo "Copacabana", novamente com Marco Nanini encabeçando o elenco.

E levou outros 4 anos até conseguir viabililizar, ao lado de Larorraca e Nanini, "Irma Vap - O Retorno", onde os dois retomam no cinema os personagens do maior sucesso da história do teatro brasileiro, que permaneceu em cartaz por nada menos que 11 anos.

Para os admiradores do trabalho de Carla no cinema, seu afastamento nesses últimos dez anos é no mínimo lamentável.

Desde que se tornou mãe, Carla passou a se dedicar a cargos administrativos, como a presidência da Fundação do Theatro Municipal do Rio de Janeiro (2007-2014), e à produção executiva dos filmes do agora ex-marido João Jardim -- cá entre nós, infinitamente menos talentoso do que ela.

Fica a pergunta no ar: quando teremos Carla Camurati de volta ao seu lugar de direito no Cinema Brasileiro, seja como diretora, roteirista ou atriz?

 “Para mim, a premiação de Carlota foi o público. Não faço filmes para festivais. Nunca caço festival, tanto que nem me inscrevo neles. O Brasil é um país ótimo pra mim, não tenho reclamações. Aliás, não tenho a menor vontade de trabalhar no cinema americano, não tenho o menor desejo de ganhar um Oscar, do fundo do meu coração. Meu ego não se satisfaz por aí. Na verdade, sou mais ambiciosa, preciso de mais. Oscar pra mim é fila na porta do cinema, e de público brasileiro. Os meus filmes são fruto do meu país e do apoio cultural dado aqui.”
(Carla Camurati)

















Carla de Andrade Camurati nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 14 de Outubro de 1960.

Sua primeira relação com as artes aconteceu na escola de freiras onde estudou, numa montagem de "O Auto da Compadecida".

Começou a cursar biologia da faculdade mas largou e foi trabalhar como atriz mesmo não tendo formação específica para isso.

Em 1985, aos 25 anos, ganhou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Gramado por "A Estrela Nua", de José Antonio Garcia e Ícaro Martins, e três anos mais tarde levou o de Melhor Atriz por personificar a escritora e jornalista Patrícia Galvão, a Pagu em "Eternamente Pagu", filme de estreia da diretora Norma Benguell.

Depois de quase 3 anos de pré-produção, rodou "Carlota Joaquina, Princesa do Brazil" entre o final de 1993 e o início de 1994, com grana de publicidade de empresas -- e quando estreou em 1995, "Carlota" fez um sucesso impressionante com seu humor ácido e produção caprichada, atraindo um milhão e meio de espectadores numa época que ninguém parecia disposto a ir ao cinema ver filme brasileiro.

Convenhamos: que outro realizador brasileiro conseguiu tamanha proeza em nossa história recente?

PS: Antes de encerrar, é sempre bom lembrar que Carla Camurati posou nua para a Revista PLAYBOY em Abril de 1982 e em Julho de 1983, e nas duas ocasiões teve a sorte de contar com o hábil JR Duran atrás das câmeras. Quase 35 anos depois de clicados, esses dois ensaios permanecem entre os mais delicados e perenes já publicados pela revista, e isso com certeza deve ser motivo de orgulho tanto para Carla quanto para os demais envolvidos nas produções deles.

PS2: Quem quiser ler, ou fazer download em PDF, do belo livro-perfil dedicado a Carla Camurati escrito por Carlos Alberto Mattos e publicado alguns anos atrás pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, basta clicar AQUI






















TV
1981 - Brilhante (telenovela)
1982 - Sol de Verão (telenovela)
1983 - Champagne (telenovela)
1984 - Livre para Voar (telenovela)
1985 - O Tempo e o Vento (minissérie)
1988 - Fera Radical (telenovela)
1989 - Pacto de Sangue (telenovela)
1990 - Fronteiras do Desconhecido (minissérie)
1990 - Brasileiras e Brasileiros (telenovela)
1991 - Grande Pai (telenovela)











CINEMA
1990 - Bastidores (curta-metragem - direção)
1994 - Lamarca ... Iara
1996 - Carlota Joaquina, Princesa do Brazil 
(direção)
1996 - Antônio Carlos Gomes
1998 - La Serva Padrona (direção)
2001 - Copacabana (direção)
2003 - O Ovo








ASSISTAM A SEGUIR OS 3 FILMES DA DUPLA
JOSÉ ANTONIO GARCIA-ÍCARO MARTINS
PROTAGONIZADOS POR CARLA CAMURATI,
SEGUIDOS DE OUTRAS 3 ÓTIMAS PRODUÇÕES
DAS QUAIS ELA PARTICIPOU COMO ATRIZ.

ENJOY...































1 comment:

  1. Muito linda e talentosa. Mas, se não me engano, a primeira aparição na TV foi no seriado brasileiro "Amizade Colorida", estrelada por Antônio Fagundes. Realmente foi um acontecimento

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