O encontro semanal era religioso. As três podiam faltar à missa ou se esquecer do culto, mas o final da tarde de segunda era sagrado. Paula, Andréia e Jussara se encontravam no mesmo cafezinho do centro de comercial, meio do caminho para todas.
Entre uma bebida quente com adoçante, um salgado integral e uma sobremesa diet, as três atualizavam o papo, faziam confissões e acabavam sempre na mesma pauta: maridos, namorados, cachos, transas eventuais, nomes que variavam conforme o status atual do colaborador. Como trabalhavam no mundo corporativo, adoravam incorporar os termos na vida pessoal. Achavam que, assim, garantiriam os empregos e seriam pró-ativas.
Depois dos beijos e das perguntas mecânicas sobre família, trabalho e tal, sentaram-se, fizeram os pedidos e Jussara, sem cerimônia, despejou nas amigas:
— Terminei com o Paulão!
— Mas você não estava apaixonada? Disse que queria ter filhos com o cara, só enchia o saco com as histórias dele, - reagiu Paula.
— Enchia o saco? Estava apaixonada sim. Mas certos deslizes – vamos dizer assim – são imperdoáveis. Dói, mas não posso continuar com alguém que faz uma coisa dessas.
— Já sei. O filho da puta não agüentou dois meses sem te chifrar. Não acredito! Fez o que tinha que fazer. Amiga minha não assina atestado de corno.
Jussara olhou para Andréia como se não compreendesse a reação agressiva. De onde ela tirou essa ideia?, pensou. Paulão era perfeito. Ou quase.
— Não foi chifre. Neste ponto, ele era um santo. Marcava em cima, e ele nunca escorregou.
— Então, o cara é broxa. Ou pior: tem namorado. Gay só amigo, minha filha. Não dá para sonhar em mudar o fulaninho, não.
— Você piraram? Ele é ótimo de cama. Nunca tinha experimentado igual. E me pegava como macho.
— Você dizia a mesma coisa do seu ex-marido.
Jussara ignorou a provocação gratuita de Paula e resolveu entrar no joguinho delas. Quando precisava se valorizar, brincava – inconscientemente - de esconde-esconde.
— Quando se ama um homem, ele é sempre o melhor. Ainda que o brinquedo não funcione de vez em quando. Mas amor não é só sexo. É atitude, é a forma de tratar uma mulher.
As duas olharam arregaladas. Andréia, imediatamente, pegou nos braços de Jussara e procurou por marcas, manchas roxas, arranhões, o que pudesse provar a brutalidade daquele animal.
— O cara te bateu! Filho da puta! Você não foi à polícia? Eu vou contigo. Ele tem que preso pelo que fez. Homem que bate em mulher merece virar mulherzinha na cadeia.
Jussara não entendia porque as amigas estavam tão amargas. Crucificavam o Paulão. Os dois tinham passado mais um final de semana maravilhoso. Ele a levara para jantar comida japonesa, transaram quase a madrugada toda, mais cineminha no domingo e a madrugada de domingo para segunda no motel. Aí, o namoro levou o golpe de morte.
— Não é nada disso, Nunca teve violência, chifre ou broxada. Ele também não é gay. A única violência foram aquelas pegadas normais que todo homem deve ter. O problema é outro. Sexo e dinheiro.
— Garotas de programa? Sabia que o cara desviava. Saia com elas ou te propôs alguma coisa mais indecente? Nunca imaginei que você tivesse vocação para santinha e ficasse horrorizada com um convite assim.
Jussara levantou a voz, louca para contar o motivo da separação e aborrecida por tantas bolas fora das amigas. Contou até cinco, respirou fundo e disse pausadamente:
— Acabei com Paulão porque ele me propôs dividir a conta do motel.
— Como assim? Explica para a idiota aqui.
Paula traduzia em palavras as feições de Andréia, que passava a mão no rosto e nos cabelos. Então, Paula resolveu dar sermão. Nestas horas, falava como homem.
— Que palhaçada é essa? Terminou porque o cara não quis pagar o motel sozinho. Você não é mulher independente, não quer direitos e deveres iguais, não dizia que vocês dividiam tudo, até as despesas? Como é que larga um homem desses por causa do motel? Quer dizer, da conta do motel?
— Olha, topo dividir conta, cheguei a emprestar dinheiro para ele uma vez. Ele me pagou direitinho. Discutíamos tudo, mas motel não dá. Lá, não pago conta nenhuma.
— Mas por que, criatura de Deus?
— O motel é um momento de intimidade, de cumplicidade. E de liberdade, também. Onde se faz certas coisas que ficam por lá. Não é apenas sexo. O relacionamento começa quando se entra no motel e termina quando se sai dele. Quando a portinha da garagem se fecha. Se o homem é o ativo, tem que estar no comando até o final. Não tem essa história de troca. Dividir conta é troca. E, nessas horas, não gosto de homem sensível não.
— Sensível?
— É ... tem que cumprir o que promete. A ideia do motel foi dele.
— E se fosse sua?
— Não muda nada. Motel é território neutro. Mas alguém tem que assumir o controle da situação. Ele começou, que terminasse.
— Não adianta dizer o contrário. Está feito. Mas, me diga uma coisa, quanto deu a conta?, perguntou Paula.
— Quarto mais jantar, em torno de R$ 150.
— Então a sensibilidade do Paulão custou R$ 75, calculou Andréia.
— Paciência com homem assim não se divide não. E eu disse, duas vezes, para a gente dormir na minha casa.
(publicado originalmente em Conversas e Distrações em 5 de setembro de 2010)
Marcus Vinícius Batista
é o cronista santista número um, ponto.
É autor de "Quando Os Mudos Conversam"
Realejo Livros)
coletânea de crônicas escritas
entre 2007 e 2015
e mantém uma coluna semanal
no Boqueirão News
que é aguardada com avidez
por sua legião de leitores.
Atendendo a um pedido
de LEVA UM CASAQUINHO,
ele se dispôs a resgatar
algumas de suas crônicas favoritas
escritas nos últimos anos
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