Sempre achei a data de hoje, 13 de Julho, Dia Mundial do Rock, um belo embuste, uma data comemorativa que nunca disse claramente a que veio -- e que, em termos práticos, serve mais como uma segunda edição anual do Record Store Day do que propriamente como uma celebração do papel vital do rock na vida cotidiana da juventude ocidental (em suas mais diversas faixas etárias).
A origem do Dia Mundial do Rock todo mundo sabe qual é -- Bob Geldof, Live Aid, 1985, aquela coisa toda que rolou ao longo de um dia inteiro entre Londres e Philadelphia, e que serviu para elevar ao estrelato um cidadão simpático e bacana, mas muito pouco talentoso, chamado Bob Geldof.
Separei aqui os motivos principais que me levam a afirmar que o Dia Mundial do Rock não é nada além de uma data extremamente duvidosa e cabotina:
#1 - o Dia Mundial do Rock deveria ter uma motivação libertária, como o rock em sua essência, e não tem.
A origem do Dia Mundial do Rock todo mundo sabe qual é -- Bob Geldof, Live Aid, 1985, aquela coisa toda que rolou ao longo de um dia inteiro entre Londres e Philadelphia, e que serviu para elevar ao estrelato um cidadão simpático e bacana, mas muito pouco talentoso, chamado Bob Geldof.
Separei aqui os motivos principais que me levam a afirmar que o Dia Mundial do Rock não é nada além de uma data extremamente duvidosa e cabotina:
#1 - o Dia Mundial do Rock deveria ter uma motivação libertária, como o rock em sua essência, e não tem.
#2 - o Dia Mundial do Rock deveria ser uma celebração à rebeldia e ao inconformismo, e não é.
#3 - o Dia Mundial do Rock deveria fazer a apologia da natureza selvagem e da filosofia de vida apocalíptica do rock (no sentido designado por Umberto Eco em seu ensaio clássico "Apocalípticos e Integrados"), mas ao invés disso celebra apenas essa fraternidade bem-comportada e meio jonja que mobiliza membros de tribos roqueiras em torno de conversas triviais regadas a cerveja -- às vezes, apenas coca-cola --, e nada além disso.
Convenhamos: é muito barulho para muito pouco.
Todo ano no dia de hoje cada uma das principais tribos roqueiras presta homenagens a seus heróis: tem os metaleiros de mais de 50 tons de preto, tem os hard-rockers saudosistas, tem os deadheads sobreviventes da era psicodélica, tem os devotos de São Elvis Presley e de São Raul Seixas, tem os glam-rockers tardios, tem os power-poppers, etc.
Curiosamente, os heróis cultuados pela tribo X nunca são os mesmos da tribo Y, que, por sua vez, não tem a menor afinidade com os heróis cultuados pela tribo Z -- e, no final das contas, essas tribos todas simplesmente não conseguem comungar dos mesmos ideais.
Curiosamente, os heróis cultuados pela tribo X nunca são os mesmos da tribo Y, que, por sua vez, não tem a menor afinidade com os heróis cultuados pela tribo Z -- e, no final das contas, essas tribos todas simplesmente não conseguem comungar dos mesmos ideais.
Francamente, o que eu acho mais frouxo em tudo isso que cerca o Dia Mundial do Rock é que 99 por cento dos homenageados são escolhas de uma obviedade a toda prova. Nada de reverenciar heróis esquecidos, nem saudar quem está chegando, quem está se firmando na cena musical e quem ainda vive sendo tentado para mudar de mala e cuia para o mainstream e tem coragem de dizer "obrigado, não".
Por conta de todas essas coisas, a data de hoje acabou ganhando um ranço extremamente desagradável, que oscila entre o saudosismo e a necrofilia. Conseguir que a data se desvencilhe dessas características agora, a essa altura do campeonato, certamente não vai ser tarefa das mais fáceis.
Mas não custa tentar. E, sendo assim, aqui vai minha contribuição. Que tal começar a repaginar a data, celebrando, só para variar, algumas daquelas figuras vitais para o rock em seus sessenta e poucos anos de vida que sabotaram a América careta pelo lado de dentro da engrenagem de divulgação musical, viabilizando a entrada paulatina do rock and roll nas rádios, nas TVs e nas vidas dos jovens dos Anos 50 para cá?
Estou falando de gente que nunca gravou discos e não deixou uma obra palpável, mas que foi fundamental para que o rock ganhasse vulto -- como o DJ Allan Freed, como o produtor Sam Phillips, como o apresentador de TV Dick Clark, como o promotor de shows e proprietário dos Fillmores Bill Graham, ou ainda como o perdulário proprietário do CBGB's Hilly Krystal, só para citar cinco exemplos fáceis de identificar.
Por conta de todas essas coisas, a data de hoje acabou ganhando um ranço extremamente desagradável, que oscila entre o saudosismo e a necrofilia. Conseguir que a data se desvencilhe dessas características agora, a essa altura do campeonato, certamente não vai ser tarefa das mais fáceis.
Mas não custa tentar. E, sendo assim, aqui vai minha contribuição. Que tal começar a repaginar a data, celebrando, só para variar, algumas daquelas figuras vitais para o rock em seus sessenta e poucos anos de vida que sabotaram a América careta pelo lado de dentro da engrenagem de divulgação musical, viabilizando a entrada paulatina do rock and roll nas rádios, nas TVs e nas vidas dos jovens dos Anos 50 para cá?
Estou falando de gente que nunca gravou discos e não deixou uma obra palpável, mas que foi fundamental para que o rock ganhasse vulto -- como o DJ Allan Freed, como o produtor Sam Phillips, como o apresentador de TV Dick Clark, como o promotor de shows e proprietário dos Fillmores Bill Graham, ou ainda como o perdulário proprietário do CBGB's Hilly Krystal, só para citar cinco exemplos fáceis de identificar.
Daí me ocorreu aproveitar o Dia Mundial do Rock deste ano para saudar a figura mais importante para a divulgação do rock no Brasil nos anos 60 e no início dos anos 70, e que já não está mais entre nós há exatos 40 anos: o radialista carioca Newton Alvarenga Duarte, que ficou conhecido pela alcunha Big Boy.
Nascido em 1943, Newton cresceu ouvindo rádio, fascinado pelo rock and roll. Sua emissora predileta era a Rádio Mayrink Veiga, a primeiríssima emissora de alcance nacional a tocar rock and roll em sua programação nos Anos 50.
Newton montou uma coleção de discos espetacular em poucos anos, e começou a trabalhar em emissoras de rádio em 1964: primeiro na Rádio Tamoio, e em seguida na Rádio Mundial, que o projetou nacionalmente já como seu tresloucado personagem Big Boy.
Como tinha uma voz esganiçada e meio infantil, que não o gabaritava a ser um locutor nos moldes tradicionais, Newton resolveu que Big Boy entraria no ar sempre gritando e falando sem parar para que ninguém notasse suas deficiências como locutor, e com isso mandou às favas o blah-blah-blah clássico das fonoaudiólogas forjando um estilo de locução 100% rock and roll.
Suas programações musicais transitavam com destreza por vários gêneros musicais que ele conhecia muito bem -- Rock, Pop, Soul, Folk e Blues --, sempre com um carisma arrebatador, e sempre criando bordões que rapidamente caíram no gosto dos seus ouvintes.
Como Newton seguia um padrão de conduta completamente amalucado, sua persona radiofônica Big Boy foi rapidamente associada à de Abelardo "Chacrinha" Barbosa -- que um dia o conheceu pessoalmente, admitiu ser seu admirador, e ainda ajudou a levá-lo para a TV Globo, onde apresentava a Discoteca do Chacrinha e a Buzina do Chacrinha.
Na TV Globo, Big Boy virou estrela. Começou no Jornal Hoje em 1970 com um visual hippie completamente descabelado e a mesma locução amalucada que o tornara célebre na Rádio Mundial, comentando discos recém-lançados nas lojas e cobrando das gravadoras porque o disco X e o disco Y não eram lançados aqui no mercado brasileiro e porque muitos LPs de rock estrangeiro demoravam entre seis meses e um ano para receber edições brasileiras.
Eu, que era moleque na época, não perdia uma edição sequer do Jornal Hoje, só para vê-lo entrar em cena quebrando tudo e gritando seu mote clássico "Hello Crazy People, Big Boy Rides Again!"
Newton era doidinho de pedra.
Foi a Londres em 1967 determinado a ser o primeiro jornalista musical brasileiro a entrevistar os Beatles.
Quebrou a cara, não conseguiu sequer ser recebido no escritório do Fab Four.
Quebrou a cara, não conseguiu sequer ser recebido no escritório do Fab Four.
Mas, pouco antes de voltar ao Rio, deu a sorte de trombar com Paul McCartney andando pela rua.
Paul foi com a cara dele, simpatizou com o esforço dele e topou conceder uma entrevista meio ligeira -- e, de quebra, fez dele o primeiro jornalista musical brasileiro a ter seu nome incluído no mailing oficial dos Beatles.
Paul foi com a cara dele, simpatizou com o esforço dele e topou conceder uma entrevista meio ligeira -- e, de quebra, fez dele o primeiro jornalista musical brasileiro a ter seu nome incluído no mailing oficial dos Beatles.
Por conta disso, Big Boy foi o primeiro por aqui a receber uma cópia do LP "Sgt. Peppers" direto da fonte, meses antes da Odeon lançar a edição brasileira do disco.
Virou celebridade instantânea no país inteiro por conta disso.
Virou celebridade instantânea no país inteiro por conta disso.
Com o passar dos anos, Big Boy transformou-se numa figura extremamente popular.
Seus "Bailes da Pesada" no Canecão viraram um sucesso retumbante, reuniando mais de 5 mil pessoas aos domingos.
Ganhou muita grana com esses bailes, tanto que logo declarou independência de seus parceiros na empreitada e conseguiu comprar sua própria parafernália sonora, passando a levar seus "Bailes da Pesada" para clubes na Zona Norte do Rio e para Niterói.
Virou produtor fonográfico, produzindo coletâneas para várias gravadoras com músicas que programava na rádio e em suas discotecagens. Começou fazendo isso em gravadoras cariocas de pouco relevo, como Tapecar e Top Tape, e aos poucos foi migrando para gravadoras grandes, como a Odeon.
Em sua passagem pela Rádio Eldorado Rio, Big Boy foi o primeiro radialista a tocar temas de rock progressivo na íntegra, às vezes com 20 minutos de duração, desafiando o padrão radiofônico clássico de números com apenas 3 minutos de duração, algo inimaginável numa emissora de rádio tanto naquela época quanto nos dias de hoje.
Big Boy conheceu todo mundo no meio musical internacional.
Entrevistou Stevie Wonder, James Brown, Ray Charles, Alice Cooper, Wilson Pickett, Peter Gabriel, Jon Anderson, Keith Emerson, Al Green, Chaka Khan, Carly Simon e Mick Jagger, entre muitos outros.
Entrevistou Stevie Wonder, James Brown, Ray Charles, Alice Cooper, Wilson Pickett, Peter Gabriel, Jon Anderson, Keith Emerson, Al Green, Chaka Khan, Carly Simon e Mick Jagger, entre muitos outros.
Esteve presente como convidado na fabulosa festa de despedida do The Band no Winterland Arena em San Francisco, em 1976, que dois anos mais tarde viraria o belíssimo documentário "The Last Waltz" de Martin Scorsese.
Foi, de certa forma, o primeiro VJ da TV brasileira (muito antes do advento do termo VJ na MTV), teve programas na TV Record e na TV Globo, dirigiu a Excelsior FM e escreveu a coluna Papo Pop na Revista Amiga até Março de 1977, quando teve uma crise asmática muito violenta num quarto de hotel em São Paulo, e morreu.
Ao longo desses 40 anos desde sua abrupta saída de cena, nunca mais apareceu nos nossos meios de comunicação um DJ e apresentador tão eclético e tão anárquico quanto ele -- só a partir de 1990, já na MTV-Brasil, surgiram algumas figuras exóticas e anárquicas como Luiz Thunderbird, mas que infelizmente não cultivavam o mesmo ecletismo musical de Big Boy.
Apesar de sua contribuição como divulgador musical do rock aqui no Brasil ter sido vital e inquestionável, sua memória sobrevive apenas em tapes da Rádio Mundial e nas lembranças de seus admiradores, já que praticamente todos os videotapes com seus programas na TV Globo se perderam no grande incêndio que destruiu boa parte da história gravada da emissora em 4 de Junho de 1976.
Apesar de sua contribuição como divulgador musical do rock aqui no Brasil ter sido vital e inquestionável, sua memória sobrevive apenas em tapes da Rádio Mundial e nas lembranças de seus admiradores, já que praticamente todos os videotapes com seus programas na TV Globo se perderam no grande incêndio que destruiu boa parte da história gravada da emissora em 4 de Junho de 1976.
Até por isso, saudar o grande Big Boy no Dia Mundial do Rock é, na minha maneira de ver, muito mais do que resgatar uma lembrança oportuna e a enorme importância que ele tem na memória musical nacional.
Saudar Big Boy no Dia Mundial do Rock serve, na verdade, para reafirmar o espírito selvagem, destrambelhado e nada conformista que, com um pouco de sorte, sempre estará entranhado na alma e no chulé do rock and roll.
Saudar Big Boy no Dia Mundial do Rock serve, na verdade, para reafirmar o espírito selvagem, destrambelhado e nada conformista que, com um pouco de sorte, sempre estará entranhado na alma e no chulé do rock and roll.
PS: Aos que tem saudades de Big Boy, e aos que não infelizmente não tiveram o prazer de conhecê-lo, recomendo a página no Facebook BIG BOY RIDES AGAIN, que reúne extensa memorabilia dessa criatura ruidosa e inesquecível.
Grande cara, grande animador, alto astral, os cariocas adoravam ele.
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