Wednesday, August 2, 2017

FIM DE FÉRIAS (uma crônica de Marcelo Rayel Correggiari)


Temos lá severas desconfianças se vale tanto à pena uma Mercearia 24 horas.

No que depender do merceeiro, um sujeito quase ‘morcego’, a resposta será “sim”.

Contudo, não vale trocar o dia pela noite...

Não que isso tenha realmente acontecido: nos intervalos do serviço, vamos nós parar lá no Joinville para o meio que tradicional (e corriqueiro!) mate do Markito.

Os dias ensolarados de inverno, com o sol na medida, ficaram lindos. Um azul mais azul, um verde-mar mais verde, a percepção das cores em sintonia-fina. Desacelera qualquer coração constrito.

Percebe-se o início das férias quando, nas regiões mais afastadas da orla, a padoca da esquina às 06:30h da manhã está um paraíso de silêncio.

Porque, durante período letivo, “valha-me, Deus!”: toddynho, biscoito recheado, pão para a merenda, suco em caixinha, isso, aquilo, aquilo outro... e não é somente um ‘burburinho’ de escolas funcionando.

Com o passar do tempo e a chegada do tráfego de dados em altíssima velocidade, as culturas mais mediterrâneas, como a nossa, ibérica, andam a produzir pessoas que, hoje, não conversam num tom de voz confortável, socialmente suave: elas praticamente gritam o que dizem. Além de uma quantidade enorme de aparelhos de TV em toda parte (o que já perturba sobremaneira!), o pessoal vem berrando o colóquio.

Numa região com seis escolas num raio de 300 metros, calculem... É muito sobressalto.

Nos tempos ‘mudérnos’, até mesmo as férias de meio de ano já não as mesmas: com a dificuldade dos pais em ajustar agendas nesse período do ano, as escolas oferecem os não menos conhecidos ‘cursos de férias’.

Resultado: ruas tranquilas, cinemas cheios, praias vazias, uma leseira boa impregnando o ar.

Surge, assim, o que mais apaixona as pessoas desse lugar: o ritmo de um ‘enorme Leblon’ mesmo nos lugares menos abastados. Ainda que essa Praiana Mercearia não conheça a fundo o famoso bairro carioca muito decantado pelo escritor Manoel Carlos, há de se imaginar alguma semelhança.

O cinema, o sorvete, o encontro com amigos mesmo em dia de semana. Sai daqui, entra acolá, a noite estrelada e a vigésima saideira. O reencontro de gente que não se via há décadas... e tome conversa!

A boite, a balada, os bares, restaurantes, um clima de paz e de celebração. Aliás, haja noite para pôr todos os assuntos em dia. Quem bom que Roma não foi feita em um dia.

Sob o sol desse inverno, Cocteau em mãos no Suco da Isa. O cheiro do mar tomando a alma pelas narinas e os olhos percorrendo linhas na luz chapada sobre a página amarelecida. Não tem como errar nessa leitura.

E aquele silenciozinho de ondas embalando a calma.

A partir das 19:30h, o coletivo da Vila Belmiro à Ponta da Praia não levando mais do que vinte minutos. No caminho de volta, a mesma mansidão do esvaziamento da pressa. Navio entra, navio sai, luzes refletidas no espelho escuro do mar, e o cheiro do oceano dizendo a quê veio.

Como tudo o que é bom, acaba, é saber como será o do próximo ano. Vamos nós em mais um semestre porque o Natal está chegando.


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO


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