Wednesday, December 27, 2017

O FILME DA SEMANA É "RODA GIGANTE", UMA NOVA PEQUENA OBRA-PRIMA DE WOODY ALLEN




Anos 50, a história segue uma mulher casada e infeliz que se envolve com um nadador salvador. Quando a sua enteada volta para casa de surpresa, inicia-se um enorme descarrilhamento nas vidas de toda a família.

O filme foi escrito e realizado pelo Woody Allen, um realizador magistral que, mesmo sem sempre nos oferecer o melhor de si, utilizando novos ou clássicos métodos, consegue ainda surpreender o seu público com tudo aquilo que faz. O facto deste homem ter a mão em mais um projeto audiovisual é razão suficiente para receber atenção. Facto, o Woody Allen continua a fazer ótimos filmes todos os anos, reunindo novos atores para lhes impulsionar a carreira e elevar técnicas de filmmaking que só ele sabe fazer. As comparações a Café Society, do ano passado, são inevitáveis nesta hora. Os dois filmes decorrem mais ou menos na mesma altura e abordam arcos semelhantes. Dramas existencialistas sobre o ridículo do comportamento humano, triângulos amorosos, diálogos tragicómicos e uma breve participação da máfia. Café Society tem muitas pontas soltas e é até um filme um pouco inchado, oscilante e indeciso. Wonder Wheel dá a impressão de ser aquele projeto que o Woody Allen queria inicialmente fazer. Alguns arcos reaparecem, mas feitos de uma maneira mais organizada. E é sempre bom ver um filme organizado e focado.

Os diálogos são tipicamente woody allenescos. Volta a estar presente o charme irresistível nas palavras do narrador e dos personagens principais, assim como uma comédia por vezes agressiva que opta por ir no caminho do chocante e do desconfortável. São poucos os realizadores autorais que sabem escrever discussões tragicómicas desta maneira.



Por falar em discussões, o trabalho de câmara é sensacional. O esforço e dedicação vai do mais pormenorizado close-up na cara dos atores até à mais bela, colorida e inocente paisagem da feira popular e da praia. Há planos sequência sensacionais que não podiam passar despercebidos. A câmara flui com o elenco e são criadas discussões frenéticas de 10 minutos sem cortes. Há mudanças sensacionais da fotografia sem cortes e, maior parte, delas ocorrem quando um personagem está a dar um extenso monólogo. O trabalho do fabuloso Vittorio Storaro, que trabalhou nos filmes Apocalypse Now e The Last Emperor, é de tirar o fôlego. Juntamente com o do Roger Deakins, em Blade Runner 2049 (ler crítica), é o melhor do ano. A atenção nas cores primárias e nos tons acinzentados e acastanhados fortemente característicos dos Anos 50 são pormenores lindíssimos.

O elenco não podia estar mais dedicado. Os atores desenvolvem juntamente com o realizador um senso de espaço muito realista enquanto interpretam o texto de maneira exemplar. São elencos como este que os jovens atores deviam ter em consideração. A que mais brilha é, sem dúvida, a maravilhosa Kate Winslet. Imediatamente na primeira cena, somente com um ar cansado, infeliz e extremamente stressado, ela vende a personagem. Por momentos, parece que vai ter um enfarte. O foco está todo nela: depressão, desgaste, frustração e, sobretudo, uma ingenuidade estranha e indecisa entre os seus desejos e as suas regras. Poucas atrizes conseguem marcar a sua presença desta maneira. A interpretação lembra muito a da Cate Blanchett em Blue Jasmine, também do Woody Allen, sem nunca parecer uma imitação, claro.



Justin Timberlake surpreende cada vez mais. Ele continua muito romântico, apaixonado, vívido, charmoso, mas desta vez com uma ambiguidade muito interessante e algumas camadas inesperadas. Woody Allen dirigiu-o impecavelmente. Quero ver mais ele!

Jim Belushi está impecável como um homem bronco, vulgar e com problemas com álcool e dinheiro, mas com boas intenções e sentimentos genuínos pelos seus. É um homem desprezível em certos aspetos, mas o ator consegue puxar o interesse do espectador, ao invés de o rejeitar.

E Juno Temple está igualmente de aplausos. A atriz complementa a trama com uma maior ingenuidade, inocência condicionada, burrice, falta de desenrascanço e uma estranha afeição por aqueles que a desprezam.



No entanto, há algumas cenas em que personagens passageiros decidem aparecer apenas porque o realizador decide recapitular ou acelerar a história. São momentos excluíveis e desnecessários. E o personagem Richie, o filho da Kate Winslet, é problemático. A sua piromania é muito interessante e até serve como um elemento simbólico para toda a depressão na vida quotidiana dos personagens, mas este acaba por nunca ir além disso. É um jovem mal comportado e desequilibrado, mas não serve de muito mais.

A banda sonora composta à base de puro jazz dos Anos 50 é uma das mais agradáveis do ano. A música ajuda a contar a história e acompanha, como deve ser, as emoções dos personagens.

Wonder Wheel pode não ser um dos principais exemplos do enorme e magistral talento do Woody Allen, mas está muito perto de ser. Para além de ter ótimos personagens, diálogos, composições visuais e escolhas musicais, é a prova que a idade não é sinónimo de desleixo.


RODA GIGANTE
(Wonder Wheel, 2017, minutos)

Roteiro & Direção
Woody Allen

Elenco
Kate Winslet
Justin Timberlake
Juno Temple
Jim Belushi

Cotação
em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping


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