Levantei
apressado. Tinha perdido a hora. Deve ter sido a insônia, que insistiu em ficar
até às três da manhã. Ainda bem que tinha deixado pronta, na sala, a roupa da
missa.
Hoje
é dia de rezar. Caminhei as dez quadras preocupado porque perderia parte da
oração. Pela fé, madrugo sem reclamar, chego ao templo sem tomar café, ansioso
para conhecer a nova casa do Senhor.
Quando
virei a esquina, escutei o falatório. Muitos louvavam à Ele, pulavam e corriam
diante do evangelho. O culto era a céu aberto. Senhoras observavam do ponto de
ônibus. Três operários assistiam e conversavam sobre a palavra ali pregada.
Motoristas
de carros, passageiros de ônibus aproveitavam o semáforo vermelho, na avenida
Afonso Pena, para dialogar com os fiéis. Um ajudante de caminhão de
refrigerantes começou a narrar um trecho da celebração. Sorria e vibrava com a
força da palavra àquela hora da manhã.
O
diácono Carlos Júlio, um dos comandantes do culto, acenava de volta,
agradecendo pela simpatia e pela demonstração de credo e solidariedade. Aliás,
a ideia de levantar uma nova casa de oração foi dele, junto com o irmão - de fé
e de sangue - Gabriel.
Éramos
cerca de 20 fiéis, número impressionante para a cerimônia de estreia, ainda
mais às 7h30 de sexta-feira. O amor à Deus era tamanho que a hóstia, de formato
arredondado, passava de pé em pé em comunhão. Apenas três sujeitos foram
escolhidos para apanhá-la com as mãos. Pecadores ou privilegiados, eu não sei.
Orgulho-me de ser um deles.
Apanhar
a hóstia com as mãos significa, pela liturgia, deitar ao solo para agradecer as
oferendas. Em outras situações, caímos ao chão para exorcizar o mal que nos
acompanha. Dizem que se trata de sacrifício, pois nunca vamos protagonizar o
culto. Nosso trabalho é manter nossos irmãos esperançosos pela vitória, escrita
em tinta branca na grama, ainda que sintética, enquanto afastamos os
adversários da palavra sagrada.
O
pastor Lalá, o líder da congregação, apenas acompanhava de fora. Sábio, ele
prefere observar com a serenidade de quem, aos 81 anos, carrega nos braços as
experiências únicas de conviver com príncipes e reis por conta da religião.
Alguns
do fiéis eu conheci hoje. Ainda desconheço os nomes de uns três ou quatro. De
fato, nomes parecem secundários diante das lições religiosas, demarcadas em
minutos e capaz de nos unir em torno Dele. A doutrina é relativamente simples,
mas não dogmática. Como qualquer outra, possui um livro de ouro, com 17
mandamentos, porém sujeitos a interpretações em casos duvidosos.
Nossa
religião não segrega - sei que todas pregam o mesmo discurso -, mas os fatos
estão aí para empreender o milagre. Brancos, negros, altos, baixos, ricos e
pobres, adeptos de outras formas de fé, todas - dentro do templo - tem a mesma
função. Sem cargos, sem hierarquia, sem disputas obsessivas de poder.
O
culto é rigoroso em certos aspectos. Talvez seria melhor dizer disciplinador. A
celebração acabou às 8h30 em ponto. Todos devem seguir a rotina de trabalho, de
crença na salvação. Antes, contudo, era a hora de dividir o líquido que
simboliza a confraternização entre os homens. Hoje, não era hora nem lugar para
o tradicional vinho. A fé foi renovada da mesma maneira, com sucos e água. Na
mesa, o milagre da multiplicação das maçãs.
Sai
do templo cansado, mais por responsabilidade minha, mas renovado pelas palavras
do Deus-Bola e ansioso pelo culto da próxima sexta-feira. Apenas lamento que
não posso comparecer a outros horários de pregação, mas sigo louvando minha
religião desde que me conheço por gente.
Encontrei
a palavra do Senhor e sua ressurreição no Templo do Futebol. Aleluia!!!
(publicado originalmente em Julho de 2017)
Marcus Vinícius Batista
é o cronista santista número um, ponto.
É autor de "Quando Os Mudos Conversam"
Realejo Livros),
coletânea de crônicas escritas
entre 2007 e 2015,
e mantém uma coluna semanal
no Boqueirão News
que é aguardada com avidez
por sua legião de leitores.
Atendendo a um pedido
de LEVA UM CASAQUINHO,
ele se dispôs a resgatar
algumas de suas crônicas favoritas
escritas nos últimos anos
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