O
carnaval traz um tsunami de ausência noticiosas: jornais, portais, onde
encontrar referências ao que não seja folia? Na verdade, a grande maioria não
curte ou freqüenta carnaval, mas fica refém das festas momísticas. Amanheço
sempre lendo “The Guardian” e o “Los Angeles Times”, que é campeão óbvio em
obituários substanciosos sobre lendas caídas em esquecimento. Viver muito faz
impacto do desaparecimento diluir-se:
quão mais longínquo apogeu maior olvido. Fico com meus botões desbotados
já a pensar quem há de lembrar por exemplo de Jane Powell, lindinha atriz de “Sete
noivas para sete irmãos”? ou ainda de Julie Newmar, que também atuou nesse
clássico musical e ficaria famosa como a Mulher-Gato do Batman oficial de nossa
meninice? Ambas octogenárias vivíssimas e saltitantes pela alamedas de Bel Air?!
Será
um hábito gay esse vintage do poeta? Talvez talvez mas não menos popular entre
todos gêneros e idades, não? Pois então entre confetes e serpentinas
imaginárias fico a saber da morte do onipresente cantor dos anos 50 e 60 Vic
Damone... não houve clássico, hit,
cançoneta napolitana ou bossa nova que escapasse de sua voz empostada
com certo veludo aos ingênuos ouvidos do pós guerra. Larguei mão alguns
momentos da “Divina Comédia”, que planejei reler com método em 2018, e eis que
vou ao santo YouTube, como diz nosso amigo Chico Marques, e revisito as grandes
canções interpretadas por esse ídolo desaparecido aos nossos olhos mas não aos nossos sonhos. Inevitável
citar “An affair to remember”, também
famosa na voz de Nat King Cole, “The Shadow of your smile”, tão forte presença
para os emotivos, e minha preferida “On the street where you live”, que recordo
inserida na trilha sonora de “My Fair Lady”, com Audrey Hepburn e Rex Harrison
logicamente. Nada que não possamos ouvir
atualmente com Michael Bublé e Harry Conick Jr. , mas aquela postura e inflexão
só em tipos como Mel Tormé, Damone e o inexpugnável Johnny Mathis! Agnaldo
Rayol seria nossa contraface parecia esses ídolos? De modo mais brejeiro creio que sim.
O
grande lance de um cronista e jornalista cultural em tempos de Wikipédia é
rememorar com profundidade possível, fazer ligações e ir além da consulta seca:
escrever atualmente é aprofundar o que se lê e vê na internet. Na minha cabeça
convoco Ursulla Andress, Jacqueline Bisset ou Burt Reynolds para ter o que
dizer sobre o que a época significou em mim e aos meus contemporâneos. Por isso
pesco um astro perdido para desfiar o rosário das nossas impressões numa época
onde um walkman era um luxo e os primeiros VHS um deslumbre para colecionar. Impossível
fazer um inventário de emocionalidades culturais dum escritor nascido no século
XX sem levar em conta o universo pop, o Olimpo do cinema e música, tudo aquilo
que o chatinho Adorno desdenhava. O lance é esse mesmo de ler Proust
intercalando audição de “Strangers in Paradise”, que por sinal foi extraída do
erudito Rimsky-Korsakov. Gosto de gostar das coisas, erudito ou pop. Nesse
contexto, para mim, Vic Damone veio antes de Tony Bennett. Beijo e feliz ano
novo brasileiro nessas cinzas de chuva....
Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
No comments:
Post a Comment