Passei
33 dos meus 42 anos de vida dentro de uma sala de aula. A maior parte do tempo
como aluno. 14 anos como professor. Os últimos três, nos dois lados do balcão,
dentro da mesma universidade. Voltei à graduação e convivo com colegas com
metade da minha idade ou menos. Duas vezes por semana, desço um lance de
escadas para trocar de papel. Do Jornalismo à Psicologia. O aprendizado se
funde em ambos os papéis.
Conheço,
infelizmente, uma escola em seus intestinos. Conheço, com alegria, uma escola
em sua alma. Por suas almas que passam pelas roletas todos os dias. O tempo, as
leituras, as relações humanas, as vivências e o peso da idade derrubaram todas
as ilusões. Ilusões diferem de sonhos e desejos. Ilusões se aproximam de
fantasias, de delírios e alucinações.
Desconfio
de datas comemorativas. Elas nos trazem o reconhecimento do instante, mas
também nos entregam as convenções sociais. O resto do ano é o único termômetro
para medirmos em qual dos dois endereços moram os cumprimentos. Eu agradeço a
todos no Dia dos Professores, por exemplo. O nível do meu entusiasmo indica,
nas entrelinhas, se estamos falando a mesma língua.
Como
professor, não sou herói. Sou humano e falível, inclusive com pilhas de contas
a pagar. Posso ser generoso e grosseiro, simpático e arrogante, transparente
para ajudar, cristalino para reagir conforme o tom da música. Isso tudo na
mesma aula, assim como quem se senta para me ouvir e para dialogar comigo.
Ser
professor é um ofício. Um trabalho profissional. Não sou colaborador ou voluntário.
Posso e costumo sê-lo com muitos alunos, fora dos horários, fora das
instituições, no auxílio diante de um problema pessoal ou acadêmico. Mas
defendo que é preciso respeitar para que a recíproca seja verdadeira.
Meu
trabalho não é missão. É de formação de pessoas, que precisam se sentir
motivadas e disponíveis para o aprendizado. Tampouco sou sacerdote. Não sou
messias de uma religião chamada conhecimento. Sou um operário que trabalha duro
e tenta assumir as responsabilidades, quando falha, atrasa, se ausenta ou não
atende às expectativas.
Sou
também aluno. Nunca fui brilhante, sempre acreditei na dedicação e no esforço e
caminhei adiante com estas duas bandeiras debaixo do braço. Acima de tudo,
enxergo - por coerência comigo mesmo, inclusive - o professor como humano.
Se
estou cansado, não vou à aula. Minha distração o desrespeita. Se não concordo
com o professor ou o considero negligente, não o exponho. Uso meu limite de
faltas. Prefiro não entregar um trabalho ou fazer uma prova sem me preparar.
Não o ofenderei com bobagens. Se houver outra oportunidade, ótimo. Caso
contrário, paciência. Sei o que são pilhas de papéis para ler.
Meu
vício é o conhecimento. Leio, vejo e ouço. Dispenso a paranoia das notas, a
obsessão pela chamada. Acredito na liberdade de escolha.
Minha
mãe me dizia que nunca me via estudando. Nunca me via diante de uma mesa a
decorar, a injetar nomes, datas e informações no cérebro. Entulhos a serem
esquecidos assim que uma avaliação descansa na mesa do professor. E facilmente
localizáveis pelo Tio Google.
Minha
mãe se enganou. Estudo o tempo todo. Aprendo com fome e sede. Fome de livros.
Sede em conversar com pessoas. Ouvir, assistir, absorver e, como farol,
entender!
A
escola, para o professor e o aluno que moram em mim, não fica nos prédios. Está,
o tempo todo, nas pessoas que ressuscitam todos os dias o concreto, as vigas de
ferro e, eventualmente, o giz que risca uma lousa. Ou o clique do mouse que
sacode um projetor em tela branca.
Sem
as vidas humanas, a escola é só um prédio escuro na paisagem que poucos, de
fato, admiram.
Obs.:
Texto publicado no Diário do Litoral, em 15 de outubro de 2016.
Marcus Vinícius Batista
é o cronista santista número um, ponto.
É autor de "Quando Os Mudos Conversam"
Realejo Livros),
coletânea de crônicas escritas
entre 2007 e 2015,
e mantém uma coluna semanal
no Boqueirão News
que é aguardada com avidez
por sua legião de leitores.
Atendendo a um pedido
de LEVA UM CASAQUINHO,
ele se dispôs a resgatar
algumas de suas crônicas favoritas
escritas nos últimos anos
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