Quantas personas afinal tem um grande escritor, um inventivo romancista, um fabulador tem quantas faces ao grande público? “Grande público” em literatura é uma concessão quase hiperbólica, mas digamos que João Silvério Trevisan é mesmo um autor renomado mais como militante do que pelas razões que o fazem realmente imenso? Tento distanciamento do quase amigo e referência geracional para chamar atenção nessa altura do campeonato a um tremendo autor ainda por ser melhor dimensionado. Contista antológico que utilizo farol em minhas oficinas, mestre oficineiro pioneiro ele mesmo, dos primeiros a ir além dos muros da academia levar tesão visceral pela escritura, Trevisan é da estirpe dos “escritores absolutos”: entregue a esse ofício até quando cineasta, jornalista, intelectual público, um artesão obsessivo de livros que ficam em pé como dizia Rachel de Queiroz. Obras caudalosas, romances alentados, feito “Ana em Veneza” que deita ao lado de “Tia Júlia” em minha estante: catedral literária que lê-se viagem, painel, texto amplitude. Me referia acima ao conto “Dois Corpos Que Caem”: que perícia alinhavada feita para o deleite e mesmo pedagogia.
Descobri
ainda adolescente “Interlúdio em San Vicente, o testamento de Jônatas deixado a
David” em minha incursões pela Augusta no começinho dos anos 80. Já conhecia
Trevisan pelo mítico jornal “Lampião” e
agora saboreava alta literatura falando do meu universo que via
refletido em Wilde e Gide, mas queria dito aqui e agora em “brasileiro”... que
cara era aquele que abria seus contos com epígrafes de Octávio Paz e Lupicínio
Rodrigues? “A China está longe” ainda hoje me impacta: narrativa em transe
desse paulista do mundo onde todos clichês são falhos e preciso rememorar de
ouvido tudo quanto me toca e recomendo: conheçam suas obras!! “Devassos no
Paraíso”, monumento de pesquisa sobre nossa trajetória homossexual brasileira
emprestei duas vezes e nunca devolvido: mas tenho todo ele na cabeça
personagens, ruas mencionadas, primeiros puteiros e antros libertários sem o
saber libérrimos.... Não que o considere injustiçado: quem faz a literatura que
ele constrói exige maturação na percepção, assim creio. Os dados estão lançados
e sinto que “O livro do avesso” especialmente vem chegando ao status
merecido... “status”, termo tão anos setenta, mas é assim que as coisas
acontecem.... volta e meia retorno às listas da Veja lá pelos anos Geisel, e
eis que quem sobrou daquele ranking...
Trevisan deita raízes poderosas e meio Clarice vai no boca-a-boca melhor
do que nunca!
Em
2017 a linda surpresa foi retorno de Trevisan em grande estilo e coisas que tal
ele que agora na estatura exigida pelos fãs!
Nem por sonho poderia intuir algo tão rascante para ficar nesse adjetivo
necessário: “Pai, Pai”, editado pela Alfaguara, é um açoite ao bom mocismo que
por aí campeia, as obviedades e lugares comuns daquilo que denomino “literatura
fofa”. Nem de cara reduzi esse meteoro a um “acerto de contas”: catarse,
desnudamento, o que é “Pai, Pai”? Aquilo tudo que não lemos feito literatura
mas redunda não só documental, confessional, vi entrecortado de poesia
dilacerada ...enfim! porque ufa! Um enfim que me faça definir essa “tour de
force” sem aparato que não meu olhar.
Referências, evocações, traços de emocionalidades desde os anos 40, a
barra da iniciação na grande cidade, os ritos de passagem, alternância entre
família e seminário, (elemento recorrente em suas obras), toda “porra-loquice”
dum existencialista tropical tardio e sem nunca descambar ao intelectualismo
pentelho, João Silvério esbanja o tesão cultural de viver e a natural
poeticidade de quem erotiza as veredas. Paris, Berkeley, Cuernavaca com direito a Clint Eastwood e Cesar Vallejo
ao som de Schoenberg! Que labirinto donde não quero me desenredar
definitivamente.... voltarei a Trevisan esse ano ainda..... ler “Pai, Pai” é um
imperativo categórico....
Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
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