GILBERTO
MENDES, UM ANO DE SAUDADE
Que
ano esse que abriu-se de espanto com tua partida mestre! E que outro conceito
dar a esses tempos que não perplexidade, meu amigo sempre tão presente! Tuas
obras seguem brilhando em todos continentes: em todo canto onde Cultura não
tenha sido ceifada em nome da crise econômica: e quanto nós artistas paulistas
temos padecido, Gilberto! Imagine que a tão querida Cadeia Velha voltou ser de
novo fechada! Teu Festival Música Nova encantou a todos em Ribeirão Preto tão
bem cuidado pela USP: e tua última peça foi merecidamente ovacionada: aquela linda canção a partir de meu poema “Saudade”,
recorda? Pierre Boulez, seu amigo e maior
compositor europeu partiu na mesma semana que tu: combinaram encontro com
Stockhausen e nosso Villa Lobos? Assisti
pensando tanto em ti o mais novo Woody Allen: era todo ele sobre anos de ouro
de Hollywood: e imagina que Olivia de Havilland e Kirk Douglas estão aqui ainda
centenários entre nós nesse mundo doido onde a Grã Bretanha saiu da União
Européia, Trump vergonhosamente foi eleito para suceder nosso estimado Obama e
o Ocidente parece cada vez mais aquele dos idos da Guerra da Criméia! Sigo esboçando
tua biografia e espero contar com depoimentos dos teus amigos Augusto de
Campos, Wisnick e Caetano Veloso que tanto sentiram tua partida: Ruy Castro
abriu janeiro com uma crônica preciosa sobre tua importância para a
brasilidade....quando releio o Eça e Borges teus autores preferidos converso
mentalmente da mesma forma que imagino tua euforia com cem anos da Revolução
Russa que se aproxima e tão presente em tuas memórias entre Moscou, São
Petersburgo e Praga. Agora mesmo leio delicioso livro sobre o Hotel Ritz na tua
Plaza Vendôme discorrendo sobre a Resistência Francesa! Com tua amada Eliane reflito
melhores caminhos para teu romance ainda inédito “Adeus Partidão” com sua
trajetória de militante entre Neruda e Mário Gruber. Já surgiram dois belos filmes
a partir do seu legado: um do artista multimídia Márcio Barreto e outro
documentário de Cris Sidoti, além do longa metragem de Fernanda Almeida Prado
em que você mesmo estrelou! Com quem conversar sobre jazz, São Paulo antiga,
fitas de espionagem e as telas de Paul Klee? Gilberto Mendes, nós que aqui
estamos de ti nunca esquecemos!
[texto escrito no
primeiro ano da partida do mestre Gilberto Mendes]
GILBERTO
MENDES, O GIGANTE DESCONHECIDO
Hermético,
ininteligível, experimental- elitista: quantos adjetivos aqueles que conhecem “santisticamente”
Gilberto Mendes atribuíram a um dos mais importantes compositores e agitadores
musicais latino-americanos! Atonalismo, dodecafonia, música concreta, peças
performáticas! admirável carinho que conterrâneos de mar do maestro prestam
mesmo desconhecendo ou torcendo o nariz para sua mundialmente reconhecida obra.
Gilberto
Mendes ao lado de Vicente de Carvalho e Plínio Marcos forma o trio de ouro dos
mais influentes artistas nascidos nesse mítico cais de Santos e agora
nonagenário sei por que sua maior satisfação seria ter seus CDs ouvidos por uma
nova geração mais atenta e ter de volta ao litoral o mais antigo Festival de
Vanguarda do Brasil: o Musica Nova. Gilberto comunista, de coragem estética
pungente e contestação ‘a caretice
burguesa não combina com babaquice elogiosa de quem carece de argumentação por
ignorância de seu legado inquietante. O que caracteriza o criador de “Santos
Football Music”, “Beba Coca-Cola” e “Último Tango em Vila Parisi” é essa quebra
de paradigmas: é um amigo de rara generosidade e afável na superfície, mas
implacável com o pensamento médio e a estupidez reinante. Cresci espreitando
Gilberto através de suas galáxias sinestésicas: compondo ao lado dos poetas
concretistas, a partir de poemas de Drummond e Hilda Hilst sem supor que um dia
seria seu parceiro em tantas canções para coral e “atmosferas sinfônicas”.
Imaginar que substituiria Cecília Meireles em “Cavalo Azul” ou teria inserido
meu “Chuva no Mar” em “Alegres Trópicos” interpretado pela Osesp! são prova de
ousadia ao empenhar confiança num escritor iconoclasta e sua paciência com o
aviltamento cultural de nossos tempos de macdonaldização de cérebros. Enfatizo
ser comédia de erros tratar como astro pop uma catedral profunda de oceânico
cromatismo e sonoridades quântico-cósmicas : seu “Rimsky” é para ser ouvido
para quem no mínimo conhece Frank Zappa, sem falar em Pierre Boulez. Gilberto
Mendes é um raro lobo da estepe só para os loucos com excesso de sensibilidade.
“Escrevo porque esta atividade me proporciona um grande prazer estético. Se o
meu trabalho agrada a uma minoria, sinto-me gratificado. Se isso não acontece,
não sofro. Quanto ‘a multidão, não desejo ser um romancista popular. Seria
fácil demais.” Esse aforismo de Wilde diz tudo: os que estimam o compositor por
carinho não são exatamente aqueles poucos que conhecem seu ideal de música.
Parece fácil fazer o que ele compôs, mas é abissal a capacidade de entender
seus propósitos melódicos e interações de significados.
[Texto
escrito para os 90 anos do mestre Gilberto Mendes]
GILBERTO
MENDES, ABRIL 2018
Fico
imaginar meu amigo nesse mundo de Trump e Temer! Quando já em 2015 de tua
partida dizia ver pouca esperança para o Brasil pontificando: “Desagradável,
assim chamava nosso tempo, desagradável....” E quanto desagradável esse
politicamente correto de tanta dicotomia e ortodoxia burra.... Gilberto que
tinha visto maio de 68 em Praga e lá atrás os ecos da revolução tenentista de
1924 com bombardeio dos Campos Elísios paulistas! Tanto pensei em Gilberto quando assisti “Trumbo”
e agora mesmo quando vejo esse lindo filme húngaro “1945”; eu que releio Philip
Roth com universo tão próximo do seu vivido na Universidade de Wisconsin ou nos
dias de festivais de vanguarda em New York....Mendes que tanto admirava Milos
Forman e os irmãos Tavianni e acharia interessante o retorno da atmosfera de
Guerra Fria entre Putin e um Ocidente acuado, sem falar no charme de Macron e a
inamovível matrona Merckel , - meu amigo que era fã da beleza de Scarlett Johansson e Naomi Watts o que diria dessas
beldades amadurecendo em público!? Nessa
quinta–feira dia 19 a lembrança de Gilberto começa ser resgatada oficialmente
por Santos sua terra natal e onde viu brilharem Cacilda Becker, Plínio Marcos e
Sergio Mamberti seu amigos.... um centro cultural com seu nome é começo desse
movimento de convergência por seu legado. Salve salve Gilberto “Mundos” como
diria Décio Pignatari!
visite marcospiffer.com.br
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Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
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