Eu
sou meio suspeito para falar de Sam Shepard.
É que ele era o meu herói. O cara que roteirizou “Paris Texas”. O cara que escreveu “Crônicas de Motel”. O cara que redigiu o delicioso diário de viagem da lendária tournée cigana de Bob Dylan e agregados The Rolling Thunder Revue, que passou por pequenos teatros e velhos cinemas nos cafundéus da América entre 1975 e 1976. O cara que encarnou o cowboy do espaço Chuck Yeager naquele filme genial sobre o programa espacial americano: “The Right Stuff” de Phil Kaufman. Enfim... o cara que conquistou o coração da adorável Jessica Lange, musa de toda uma geração –- a minha geração, claro!
Eu, que nunca havia sido um grande apreciador de teatro -– apesar de estudado na Universidade as obras dos americanos Eugene O’Neill, Tennessee Williams e Arthur Miller -– fiquei boquiaberto ao ver uma montagem de sua peça ‘Cowboys” com um elenco de professores de Inglês em Brasília, Passei a acompanhar sua carreira como teatrólogo. Que peças poderosas ele escreveu! Nenhum escritor conseguiu mergulhar na alma do “white trash” que vive à beira das estradas e à margem da sociedade americana como ele. E que visão aguda e contundente –- e também delirante e carinhosa -- Mr. Shepard tinha de seu país... Era um artista enorme. Múltiplo. Inclassificável.
Sim, era. Mr. Shepard faleceu ano passado, depois de lutar por vários anos contra uma doença rara muito cruel: a esclerose lateral amiotrófica. Mesmo assim, não parou de escrever em momento algum. Enquanto conseguiu manter sua mente funcionando, seguiu trabalhando. Poucos meses antes de sua morte, surpreendeu a todos lançando um romance -- seu primeiro --, “Aqui de Dentro”, onde ele repassa alguns dos temas recorrentes em sua obra por mais de 50 anos, além de acenar para a morte sem qualquer ressentimento ou sentimentalismo, como quem se despede dos próprios demônios.
É que ele era o meu herói. O cara que roteirizou “Paris Texas”. O cara que escreveu “Crônicas de Motel”. O cara que redigiu o delicioso diário de viagem da lendária tournée cigana de Bob Dylan e agregados The Rolling Thunder Revue, que passou por pequenos teatros e velhos cinemas nos cafundéus da América entre 1975 e 1976. O cara que encarnou o cowboy do espaço Chuck Yeager naquele filme genial sobre o programa espacial americano: “The Right Stuff” de Phil Kaufman. Enfim... o cara que conquistou o coração da adorável Jessica Lange, musa de toda uma geração –- a minha geração, claro!
Eu, que nunca havia sido um grande apreciador de teatro -– apesar de estudado na Universidade as obras dos americanos Eugene O’Neill, Tennessee Williams e Arthur Miller -– fiquei boquiaberto ao ver uma montagem de sua peça ‘Cowboys” com um elenco de professores de Inglês em Brasília, Passei a acompanhar sua carreira como teatrólogo. Que peças poderosas ele escreveu! Nenhum escritor conseguiu mergulhar na alma do “white trash” que vive à beira das estradas e à margem da sociedade americana como ele. E que visão aguda e contundente –- e também delirante e carinhosa -- Mr. Shepard tinha de seu país... Era um artista enorme. Múltiplo. Inclassificável.
Sim, era. Mr. Shepard faleceu ano passado, depois de lutar por vários anos contra uma doença rara muito cruel: a esclerose lateral amiotrófica. Mesmo assim, não parou de escrever em momento algum. Enquanto conseguiu manter sua mente funcionando, seguiu trabalhando. Poucos meses antes de sua morte, surpreendeu a todos lançando um romance -- seu primeiro --, “Aqui de Dentro”, onde ele repassa alguns dos temas recorrentes em sua obra por mais de 50 anos, além de acenar para a morte sem qualquer ressentimento ou sentimentalismo, como quem se despede dos próprios demônios.
“Aqui de Dentro” se situa em algum lugar no meio do nada onde um homem vive de forma conflituosa com uma mulher mais jovem e o uivo incessante de cães, coiotes e do vento -- um lugar idealizado que o personagem escolheu para viver, e que a amiga e ex-namorada Patti Smith define no prefácio como “a paisagem interna do narrador”, com a forma de um deserto, já que o narrador é “um solitário que não quer ficar sozinho”. Longe de tudo e de todos, ele acompanha o passar do tempo, ao som dos animais do deserto e da música que sai de uma velha jukebox.
“Aqui de Dentro” é composto por capítulos curtos que parecem histórias soltas, num formato semelhante ao de seus contos e crônicas, visando capturar a dinâmica da memória -- uma técnica que ele domina como poucos, e há muitos e muitos anos. Mas não se iluda, não é um arremedo de romance, é um romance de verdade, com todas as narrativas pontuadas pelos uivos dos coiotes e pela espera da morte. E na medida em que a memória do personagem começa a lhe escapar, Mr. Shepard faz uso constante de cortes abruptos, deixando que a narrativa pouco a pouco se transforme numa espécie de livro de amnésias, coberto pela poeira do deserto.
Eu devorei “Aqui de Dentro” na última tarde de sábado, numa sentada, e confesso que estou sob o efeito dele até agora. Efeito semelhante ao que senti 33 anos atrás, quando vi "Paris Texas" num velho cinema no Largo do Arouche e, ao sair, passei algumas horas perambulando sem rumo pelo Centro de São Paulo. Shepard tem o dom de provocar esse tipo de reação tanto em suas plateias quanto em seus leitores. Não vou dizer que este livro é um "testamento artístico" ou um "canto do cisne" porque seria cair no lugar comum. Mas é, sem dúvida, um pequeno grande romance que parece fadado a entrar na história da Grande Literatura Americana com todas as honras e virar um clássico. Todos os grandes temas de Mr. Shepard estão nele, totalmente expostos, perigosamente latentes, formando um contexto coeso e surpreendente.
"Aqui de Dentro" é tão bom, mas tão bom, que é de se lamentar que Mr. Shepard tenha demorado tanto tempo para encontrar um bom motivo para escrever um romance. Mas felizmente o fez. E viveu para conseguir terminá-lo e vê-lo publicado. Na medida em que é provável que muitos outros textos inéditos dele estejam aguardando publicação nos próximos anos, acredito que ainda devamos conviver com as imprevisibilidades literárias deste genial cowboy poeta por uns bons anos. Com isso, talvez consigamos protelar um pouco a terrível constatação de que ele não está mais entre nós.
(desculpem o sentimentalismo da última frase, mas, como eu disse, sou suspeito para falar de Sam Shepard... ele era, e continua sendo para mim, O CARA)
AQUI DE DENTRO
Sam Shepard
Editora Estação Liberdade
208 páginas
R$ 39,00
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