Thursday, June 14, 2018

LEONARDO TONUS, POESIA SOCIAL (por Flávio Viegas Amoreira)



Um poeta de necessário lirismo social: entra para a literatura com um duelo honrando Stendhal. Sem o fim da História e com premências demasiado humanas ainda mais intensas, a poesia farol do destino coletivo e das vicissitudes do sonho segue antena dos povos como pontificava Pound. Entrecortado de alto relevos de poderosas metáfora, Leonardo Tonus estréia em seu próprio terreno com uma preciosa reunião de poemas: “Agora vai ser assim” com delicada apresentação da Editora Nós de São Paulo. Tonus é um militante visceral das letras, grande voz a levar a literatura brasileira em França e embaixador do melhor que se faz nas escrituras lusoparlantes no Velho Continente. Formalíssima apresentação para quem fala e faz literaturas de vanguarda, - sim no plural da caleidoscópica produção brasileira em poesia, prosa e “proesia”,  a nova concepção de gêneros indeterminados ´deleuzianamente´ amalgamados.  Denunciar sem cair no panfletário, expor sem didatismo, amplificar o sentido de ágora cosmopolita nunca em detrimento da poeticidade. Leonardo trafega célere e sereno entre experimentação e a referida denúncia social: não o ´vanguardoso´ experimentalismo, a experimentação calculada  com literalidade sem peias, um verso audaz, escorreito e não menos densamente comunicacional. Em meu ofício gozozo de rastreamento do que surge em poesia brasileira me deparo com mais esse esforço de inventividade pelo conteúdo sem descuido da mesma criação sutilmente torneada na forma. Quem diria na alvorada dum século high-tech fosse necessário a ingente luta contra novos fascismos?! Quem poderia supor a desigualdade social se agudizasse planetariamente? Na nobre esteira de Romain Rolland e Éluard nosso autor  expõem o câncer da indiferença feito anátema pós-moderno. Tonus evocatório na medida certa do intertextual cita no contexto de sua amplitude Clarice Lispector, Samuel Rawet de quem é especialista e a quem o Brasil deve um resgate, Saint-John Perse que ecoa poeta atlântico que também é e sem nomear percebo forte influência enriquecedora dos russos Iessênin, Maiakovski e Anna Akhmátova. Da imensa poeta uso como epígrafe de dois ensaios críticos que elaborei sobre “Agora vai ser assim” que será lançado dia 21 na Livraria da Vila em Sampa:

“Hoje, tenho muito o que fazer
Devo matar a memória até o fim.
Minha alma vai ter de virar pedra.
Terei de reaprender a viver.”

Leonardo Tonus tem como carro-chefe ou ´leitmotiv´ um verso perfeitamente alinhavado: “Despedida de pedra” que uso como âncora para sondar essa atmosfera lírica que vos revelo:

"Hoje queimarei todos os meus livros
e meus dicionários.
Pelos becos da cidade
meus ensaios
dilacerados
espalharei.
Enterrarei meus poemas.
Meus pulsos cortarei.
Com minhas unhas
e o bico de meu tinteiro
perfurarei teus olhos,
catálogos
registros
e romances.

Hoje,
a palavra
reduzida
a pó
sufocará
a indiferença
os ditadores,
as balas
a fome.”

Nessa semana em que um navio errante a deriva percorre dilacerado o Mediterrâneo com simbólico nome “Aquarius” levando 600 almas exangues, Leonardo Tonus faz-se bardo providencial e visionário. “Marujo ensinou-me a língua das formigas” em outro poema, Tonus tem lastro de um beat transmoderno com a seriedade de Pasternak e a concisão rutilante de nosso Manoel de Barros. Leia-mos!







Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),

Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).

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