Na varanda
daquele apartamento, às margens do Rio Vístula, no centro do
Kazimierz – o bairro judeu de Cracóvia, apoiada na grade, pensando como aquele
preciso instante poderia ser o momento mais feliz da sua vida. Nada mais tomar
um trago da copa de vinho branco que o seu anfitrião amavelmente deixou como
cortesia, ele se aproximou por trás, a agarrou pela cintura. As mãos dele
passearam pela agora fina cintura dela, sentiu os ossos marcados das costelas,
enquanto beijava o pescoço. Ela respirou fundo e simplesmente todos os seus
sonhos eram agora realidade.
De repente, ela se girou e os seus lábios se encontraram no beijo mais
doce que quiçá houvesse existido. Ele tinha os braços entrelaçados nos dela,
olhando-a fixamente, como ele costumava fazer antes de que estivessem juntos.
Mas agora, ela já não tinha vergonha de olhar para ele e aqueles dois pares de
olhos verdes se refletiam entre si.
- Se eu te disser uma coisa, você não vai ficar bravo comigo? – ela
perguntou com uma voz quase pueril.
Ele fez uma careta, surpreendido, enquanto alcançava o copo que
repousava na mesinha da varanda. Ela continuou.
- Te menti.
- Ah sim? – ele disse, incrédulo, fazendo um pequeno esforço para não
engasgar.
Ela se desvencilhou completamente, mas apoiou as suas mãos no ombro
dele.
- Sim, te menti... a verdade é que eu gosto de você desde faz muito
tempo... desde aquele dia, bom, aquela noite, quando você me fez sentir como a
única no mundo, naquele momento era como só existisse você e eu... ainda que o
local estivesse cheio...
Ele a ouvia com interesse. O que não era novidade. Ele sempre a ouvia
com interesse.
- E bom, quando você decidiu não me ver mais, então só me restou
aceitar... ainda que eu sabia que algum dia aquilo ia acontecer.
Ele acariciava o rosto dela num movimento circular, às vezes, seus dedos
se desviavam e subiam até as orelhas, seus brincos e voltavam a baixar até o
queixo.
- Quando eu te vi outra vez, no hospital e depois no velório, foi como
se libertasse a fera... no momento em que eu te vi, tudo aquilo voltou a surgir
dentro de mim e enquanto estávamos um diante do outro, no corredor de uma UTI,
eu não podia segurar mais... às vezes eu te olhava de relance e te via olhando
pra mim de acima abaixo... a fera se liberou, e depois de três anos sem te ver,
voltar a te ver duas vezes seguidas em menos de dois dias foi uma loucura e
mais agora sabendo que você estava sozinho...
Ele não pode ficar bravo. Era só a confirmação do que ele já sabia fazia
tempo.
- Assim que não me estranha que a nossa primeira viagem juntos seja para
visitar um campo de concentração... Se voltamos a nos ver em um velório... o
nosso é tudo tão absurdo...
Ele preferiu continuar calado. A abraçou como se não a quisesse soltar
jamais e ela se deixou levar e quando o sol se punha ao outro lado do Vístula,
eles embarcaram em um beijo que era uma explosão de sabores, cores e sensações.
Ele deixou o copo na mesa, pegou o copo dela e o deixou ao lado do seu. Ele tomou
a dianteira e se virou para entrar no apartamento, levando-a pela mão. A guiou
até o quarto. Nada mais entrar, não pararam de se beijar um só segundo.
Juliana
Rosano nasceu em Santos SP em 1978,
e
vive na Espanha há alguns anos.
Novas
"Cartas Desde Madri" surgirão por aqui
ao
longo das próximas semanas.
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