Sunday, November 11, 2018

NOSSA CORRESPONDENTE EM MADRID JULIANA ROSANO TRAZ UM CONTO SOBRE SUA RECENTE VISITA À CRACÓVIA


Na varanda daquele apartamento, às margens do Rio Vístula, no centro do Kazimierz – o bairro judeu de Cracóvia, apoiada na grade, pensando como aquele preciso instante poderia ser o momento mais feliz da sua vida. Nada mais tomar um trago da copa de vinho branco que o seu anfitrião amavelmente deixou como cortesia, ele se aproximou por trás, a agarrou pela cintura. As mãos dele passearam pela agora fina cintura dela, sentiu os ossos marcados das costelas, enquanto beijava o pescoço. Ela respirou fundo e simplesmente todos os seus sonhos eram agora realidade.

De repente, ela se girou e os seus lábios se encontraram no beijo mais doce que quiçá houvesse existido. Ele tinha os braços entrelaçados nos dela, olhando-a fixamente, como ele costumava fazer antes de que estivessem juntos. Mas agora, ela já não tinha vergonha de olhar para ele e aqueles dois pares de olhos verdes se refletiam entre si.

- Se eu te disser uma coisa, você não vai ficar bravo comigo? – ela perguntou com uma voz quase pueril.

Ele fez uma careta, surpreendido, enquanto alcançava o copo que repousava na mesinha da varanda. Ela continuou.

- Te menti.

- Ah sim? – ele disse, incrédulo, fazendo um pequeno esforço para não engasgar.

Ela se desvencilhou completamente, mas apoiou as suas mãos no ombro dele.

- Sim, te menti... a verdade é que eu gosto de você desde faz muito tempo... desde aquele dia, bom, aquela noite, quando você me fez sentir como a única no mundo, naquele momento era como só existisse você e eu... ainda que o local estivesse cheio...

Ele a ouvia com interesse. O que não era novidade. Ele sempre a ouvia com interesse.

- E bom, quando você decidiu não me ver mais, então só me restou aceitar... ainda que eu sabia que algum dia aquilo ia acontecer.

Ele acariciava o rosto dela num movimento circular, às vezes, seus dedos se desviavam e subiam até as orelhas, seus brincos e voltavam a baixar até o queixo.

- Quando eu te vi outra vez, no hospital e depois no velório, foi como se libertasse a fera... no momento em que eu te vi, tudo aquilo voltou a surgir dentro de mim e enquanto estávamos um diante do outro, no corredor de uma UTI, eu não podia segurar mais... às vezes eu te olhava de relance e te via olhando pra mim de acima abaixo... a fera se liberou, e depois de três anos sem te ver, voltar a te ver duas vezes seguidas em menos de dois dias foi uma loucura e mais agora sabendo que você estava sozinho...

Ele não pode ficar bravo. Era só a confirmação do que ele já sabia fazia tempo.

- Assim que não me estranha que a nossa primeira viagem juntos seja para visitar um campo de concentração... Se voltamos a nos ver em um velório... o nosso é tudo tão absurdo...

Ele preferiu continuar calado. A abraçou como se não a quisesse soltar jamais e ela se deixou levar e quando o sol se punha ao outro lado do Vístula, eles embarcaram em um beijo que era uma explosão de sabores, cores e sensações. Ele deixou o copo na mesa, pegou o copo dela e o deixou ao lado do seu. Ele tomou a dianteira e se virou para entrar no apartamento, levando-a pela mão. A guiou até o quarto. Nada mais entrar, não pararam de se beijar um só segundo.

No dia seguinte, visitavam Auschwitz.




Juliana Rosano nasceu em Santos SP em 1978,
e vive na Espanha há alguns anos.
Novas "Cartas Desde Madri" surgirão por aqui
ao longo das próximas semanas.

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