Sunday, November 18, 2018

SAUDAMOS OS 56 ANOS DE WAGNER PARRA COM UM BELO TEXTO DE FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA



Toda despedida exige maturação da distância para reinventarmos uma nova presença por magia da saudade.

Alguns personagens de nossas caminhadas são tão presentes que imaginamos por comodidade estarão sempre ali, ao alcance da mão para nos saciar com seu fascínio. Wagner Parra era onipresente, sem ser íntimo; amigo sem ser próximo: havia uma identidade natural em nossas diferenças.

Antiintelectualista, era inteligência empírica, libertário, longe de ser politicamente correto; duma sinceridade desconcertante, nunca indiscreto: era um beatnik, outsider sem maneirismos de ´porralouquice´ artificial: um artista da experimentação na vida e na criatividade. Impulsivo sem ser necessariamente aplicado: se tivesse que definir sua capacidade musical rara seria como mestre da intuição. Escrevo para nunca ver esquecido um DJ compositor de valor internacional que escolheu dedicar-se as noites do mar. Não tenho a menor vocação para hipocrisia: Parra não se reduz a um obituário elogioso simples: não era um artista exemplar porque era único em sua complexidade múltipla: ´hagiografia´ soaria ofensa babaca para libertação em pessoa. Posso ainda lembrar a manhã em que foi convidar Gilberto Mendes para discotecar no Torto: a idade avançada não permitiu essa façanha que seria encontro entre o DJ erudito e o compositor por vias tortas. Na cidade caída em limbo reacionário, a Disqueria e a casa de Mendes no mesmo quarteirão eram oásis que eu considerava ´Estação Conselheiro-Praia´ do Metrô: dois ambientes que me tiravam da solidão cultural em ´Dubai do Brejo´. Foi Wagner quem disseminou essa minha expressão jocosa sobre Santos com boêmia interditada, pensamento censurado e burrice conservadora galopante. A caretice acústica e o polvo arquitetônico eram sem nenhuma amargura os assuntos preferidos entre os demolidores da burguesia asnática´.


Comigo foi seu último ´selfie´, com ele foi uma Santos que parece desistiu de sonhos. Um artista que ´baixava´ para um patamar humano a bola de qualquer afetação erudita: tinha uma oficina mental de mixagens, um caleidoscópio sem preconceitos de gêneros, cores e estilos: nos fazia concordar em divergir. Era literário, tinha um acento mítico e para Santos prometamos, sem ponto final.

Publicado originalmente no Diário do Litoral
em 21 de Fevereiro de 2015


Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado:

1 comment:

  1. ...enorme a falta que parra faz na cidade cada vez mais imersa no limbo reacionário...

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