(foto: Denise Marino)
–
Daqui a pouco o sol vai se por... E amanhã nascerá novamente, configurando esse
colar monótono de dias, um após o outro. Com os anos acontece a mesma coisa e
mesmo assim as pessoas criam expectativas – pensei e esperei o
contra-argumento.
Porque
a minha mente funciona assim, por meio do diálogo entre duas ou mais pessoas.
Às vezes são três ou quatro, nem sempre educadamente; invariavelmente
discordando.
Mas,
na maior parte das ocasiões conseguem chegar a um acordo e a uma conclusão
provisória.
E
o contra-argumento veio:
–
Não é verdade. Um fato ou um conjunto de fatos faz um dia ou um ano diferente
do outro.
Concordei
e inspirada por esse último pensamento deixei escapar para o motorista:
–
Pois é, daqui a alguns dias um novo presidente vai tomar posse...
–
Eu quero que ele morra! – respondeu o motorista.
A
resposta me surpreendeu, pelo conteúdo e pelo tom.
Especialmente,
por que, um segundo antes da pausa que engendrou as divagações sobre a
monotonia da sobreposição dos dias e dos anos, o motorista e eu conversávamos,
amistosamente, sobre o calor e as variadas formas de combate-lo na ausência de
um ar condicionado.
Falávamos
também sobre a família dele; esposa e filho de 16 anos.
O
jovem senhor, com alguns fios de cabelo grisalho no cabelo e na barba, me
parecia ponderado, pacífico e gentil. Até no modo de conduzir o veículo pela
estrada. Que razões fariam um homem assim desejar a morte de alguém?
Creio
que ele leu a interrogação no meu rosto, antes de entrar no túnel e emendou:
–
Eu não gosto do Bolsonaro.
–
Eu percebi – respondi sorrindo.
E
acho que meu sorriso o estimulou:
–
De qualquer modo ele vai morrer. A senhora vai ver: ele vai governar só dois
anos e vai morrer da doença que ele tinha no intestino.
–
A facada você quer dizer?
–
Não! A doença que ele tinha antes. A facada só serviu para aproveitarem para
tratar a doença com a cirurgia.
–
Então você acha que a facada foi encenação?
–
Não, foi verdade, mas foi sorte, entendeu?
–
Putz! Deus me livre de uma sorte dessas – sorri novamente, e perguntei: – se
ele estava doente não poderia se tratar? Por que teria que esperar a facada?
–
Aaaah a senhora não sabe...em política é tudo complicado, são muitos
interesses. Lembra do Tancredo Neves? Falaram que era doença, mas foi a
oposição que matou ele.
Não
pude ouvir o restante das teorias do motorista porque a assembleia recomeçou em
minha cabeça.
–
Eu não disse? Um dia atrás do outro: foi golpe, foi condenado sem provas... –
ressaltou o primeiro antagonista.
–
O Brasil vai virar uma Venezuela... – retrucou o segundo.
–
Eu também já ouvi gente dizendo que gostaria de ver a Dilma e o Lula mortos –
ponderou o terceiro.
–
Não seria melhor que cada um pagasse pelos seus erros ou crimes, simplesmente?
– refletiu o quarto antagonista.
E
todos se calaram em assentimento.
No
Brasil, as elites relegaram a política a profundezas tão ilegalmente obscuras,
repletas de becos e labirintos disfarçados que, para tentar entende-la o povo
se especializou em teorias da conspiração e reações passionais.
A
elites sorriem satisfeitas, pois, essas ruelas tortuosas se estendem em
círculos que afastam o povo, cada vez mais, do Castelo dos usurpadores onde se
tramam as mamatas.
Nos
quilômetros seguintes, não ouvi mais nada. Me dediquei a observar a estrada que
liga com clareza dois pontos equidistantes, apesar de algumas curvas que possam
existir no caminho.
Meu nome é Denise Mattos Marino, mas fui
sintetizada: Denise Marino ou, simplesmente, Dê, acompanhada ou não do Marino. Sou
historiadora e professora de história. Atualmente aposentada – fui mais rápida
que a reforma. Mas ainda levo para os meus aposentos a curiosidade, o “só sei
que nada sei” e a vontade de ensinar. Ah! Sou libriana.
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