Uma
noite no começo do verão e me angustiam sempre as estradas que saem das
marginais, grandes serpentes que envolvem a cidade já ao longe, uma angustia
desbravadora de quem parte para amplidão. Quando menino que fascínio assustador
pela Avenida do Estado soturna ao alvorecer. Para onde esse caminho que se
solta da metrópole acolhedora? No lavabo
ainda pensava em voz alta: - Tenho que ir a Alphaville nesse jantar marcar
presença fazer media vez ser visto quem sabe um novo contrato para agência
captação de recursos uma franquia sul-coreana ser apresentada a um CEO de
Xangai cavar fim de semana em Comandatuba e saber a quantas andam a conta da
WOcompany para 2019 .... 21 horas e preciso chamar o Uber sozinho sem medo nem
refém da violência foda-se que preciso voltar são na boca da madrugada: “boca
da madrugada” ando pensando em forma de poesia! Moema Campo Belo por esse
caminho sem erro: Bruna aguardo em dez minutos um Siena cinza motorista Beto
com toda imprecisão que ronda os aplicativos sem nenhuma formalidade dos velhos
táxis de cooperativas ou nos pontos da esquina da padaria onde tudo conspira
para uma noite tranquila. Entra rápido passa endereço e mal dá pelo motorista
na contra-luz, o essencial e ganha as ruas que levam ao mais possível até o
rodoanel. Uma geral: bolsa prática, dois celulares miúdos, olhar sem estorvo,
nada inconcluso, ajeitar-se e seguir o compromisso pensado prazer. Cumprimentei
sem olhar só depois percebi de relance o grisalho trouxe tanto quanto familiar
do meu mundo em Jundiaí a primeira vez no cinema Alvorada também tinha sido a
primeira vez que sabia possível carícias com outro menino e que só no escuro
ele permitia tocá-lo em segurança e que nunca mais as coisas seriam iguais
gostando ou não eu seria “o diferente”.
Lógico que sem constrangimento ele me reconheceu súbito sorrimos com
felicidade sincera provando o provérbio tolo e verdadeiro ser o mundo pequeno e
a tal porra do destino dando voltas para nos encontrar tranqüilos sobre os
temores bestas. Beto Beto! trocaria a porra do jantar família empresa não por
tesão tardio mas por algo legítimo feito a “Madeleine” do tempo resgatado por
sua pele contando estória do tanto vivido e o que ele me contaria como resolveu
seu lance também família filhos e compromissos não tão soltos quanto os
prazeres gozozos sem vínculos que não o lúdico de nossos impulsos. O lusco
fusco dos sinaleiros e uma harmonia imprecisa deu me vontade parar e ir para o
banco da frente. Sem mais trocamos números de whatsapp para retomar contato.
Pensei comigo que esse não era um enredo dum conto bizarro de Dalton Trevisan e
eu passei a noite finalmente sentindo ter um lugar para voltar.
Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado:
gostei de seu lado contista Poetinha!
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