De pornógrafo para pornógrafo, meu caro capitão, eu sou aquele do tempo em que sexo era uma coisa a se fazer apenas depois das bênçãos da santa madre igreja, com a luz apagada e nas posições regulamentares. Fora disso, pecado mortal. “Golden shower”, o vídeo pornô que você divulgou, podia ser no máximo o título em inglês para o jingle das Duchas Corona, aquele do “banho de alegria num mundo de água quente”. Ninguém sabia de nada, mas todos tinham muito medo das consequências. Meninos que se masturbavam ficavam cegos. Moças não menstruavam, ficavam incomodadas. Suruba em Noronha, nem pensar. A grande sacanagem era essa tremenda ignorância.
Eu
sou aquele que vivia escondido, muitas vezes dentro dos catecismos da primeira
comunhão e, entre um tiro e outro na academia de cadetes, você deve ter visto
minhas historinhas safadas. Eu era apenas um desenhista de quadrinhos
pornográficos que por acaso, em meio às trevas, ensinou milhões de brasileiros
sobre estas quatro letrinhas que molham e, vejo agora, ainda assustam com seu
desejo de mais liberdade. Sexo não tem nexo. Veja o caso do delegado Machado,
da novela “O sétimo guardião”, em cartaz às nove da noite. O prezado doutor,
macho quase sempre, gosta de usar calcinha de mulher. E daí?
De
pornógrafo para pornógrafo, te sugiro, capitão, que faça como eu e aproveite a
oportunidade de entrar para a História. Deixa o bicho solto. Pouca vergonha é a
pool party do Beto Richa.
Eu
desenhei o esboço tosco da felicidade brasileira de viver sua liberdade sexual.
Depois veio a Leila Diniz, depois a tanga do Gabeira, anteontem a Pabllo
Vittar, e assim, sem decretos, cada um na sua cama, foi se fazendo um país mais
alegre. Sexo é questão de furor, ofurô e furo íntimo, não pode ficar por baixo
ou por cima de qualquer plano de Estado.
De
pornógrafo para pornógrafo, eu pergunto: já foste ao Baile da Gaiola? O MC Kevin,
ídolo de lá, faz músicas conjugando basicamente os verbos “toma, leva, senta”.
As moças da melhor sociedade adoram e dançam batendo o bumbum no chão. Kevin
disputa, pau a pau, o primeiro lugar das mais tocadas no Spotify com o “Bola
rebola”, da Anitta. Sim, ela mesma, aquela vista aos beijos com o Neymar, de pé
quebrado, os dois alheios às piadas sobre o lançamento de uma versão
carnavalesca do canguru perneta.
A
propósito, o capitão se amarra em bondage ? Tem casais que aos sábados servem o
jantar, botam os filhos para dormir e preferem ir ao swing . Pouca vergonha no
Brasil é arrancar da cartilha dos adolescentes as páginas sobre o uso da
camisinha. Fazer xixi na cara do outro, desde que o outro goste, é assunto lá
deles, fazer o quê? Quando os dois resolvem encenar a melequeira no meio da
rua, aí sim, vira caso para a polícia. De resto, eu te sugeriria focar no rombo
da previdência, tirar da reta a trolha do desemprego, e deixar a sacanagem ao
livre arbítrio dos interessados. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é
— se me permite tocar no fim desta carta a música do velho Caetano, aquele que
nos dias pares veste rosa, nos ímpares, azul. Tá nem aí.
A
cama não tem partido, não tem viés ideológico e nela vale o uso de caixa dois,
laranja, lobby, troca de sigla e principalmente falta de decoro parlamentar. No
sexo, meu caro pornógrafo presidencial, vale tudo — menos o uso da força da
autoridade.
publicado
originalmente em 10 de Março de 2019
Joaquim
Ferreira dos Santos
nasceu
no Rio de Janeiro.
Trabalhou
como repórter,
crítico
de música e show na revista Veja
durante
mais de dez anos.
Foi
editor das revistas Domingo e Programa,
do
Jornal do Brasil.
Em
91, foi editor executivo de O Dia.
Atualmente
é editor e cronista em O Globo.
É
autor de Feliz 1958 - O Ano Que Não Devia Acabar
e
O Que As Mulheres Procuram Na Bolsa,
e
acaba de lançar a biografia de seu grande amigo
Zózimo
Barroso do Amaral,intitulada
Enquanto Houver Champanhe, Há Esperança
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