A SOLIDÃO DO
HOMEM FOFO
Cap X
Volto aqui eu,
o narrador, para uma breve reflexão:
O que quer o
homem fofo? Filho espúrio de uma época de ocaso, protagonizada por tristes
figuras qual Fernando Gabeira, o homem fofo surge como reação ao crepúsculo de
um macho romântico, sadio e bondoso, que amava as mulheres sem alienar sua alma
ao diabo. Na aurora de enxofre que sucedeu o arrebol do velho macho luziu este
espécime execrável, descontextualizado (ele próprio se diz
"desconstruido"), sem identidade nem opinião firme. Arroja-se a
infâmias como comer saladinhas, cheirar a rolha do vinho e fazer observações
sobre safra, acidez, oxidação, combina cores de roupa. Degradou-se, enfim, no
afã de agradar a pauta feminista impositiva que matou seu antecessor. Pra não
sucumbir, capitulou. Em vez de lutar, aliou-se ao dominador.
Mas, tal e
qual o colonizador norte americano tem profundo desprezo pelo índio brazuca que
o bajula, as mulheres nutrem pelo homem fofo verdadeiro nojo. Via de regra,
quando na companhia de um alfa generoso, que as ame de fato, soem falar mal de
um antigo companheiro fofo, a quem atribuem as piores infâmias.
Opinião igual
não colhe o fofo entre seus pares homens. Tratam-no como a um traidor, um
pelego, um pária, e isso por razões óbvias. Enfim, resta-lhe o isolamento, eis
que também entre outros homens fofos não construiu algo como solidariedade,
sororidade, etc. Triste arremedo de varão.
A SOLIDÃO DO
HOMEM FOFO
Cap. XI
Prossigo eu,
vosso humílimo narrador.
Pode-se
compendiar todo o pensamento do século das luzes, o dezenove, e chegar--se-á à
inequívoca conclusão de que o animal homem vive primordialmente para perpetuar
sua espécie. Outra coisa não nos diz Darwin, e aqui me dispenso de explicação.
Outra coisa não nos diz Marx, que atrás da ideologia de classe outra coisa não
sugere que a multiplicação da classe operária para dominação do mundo. Outra
coisa não nos diz Freud, que tudo reduz a sexo, e o sexo é motor da procriação.
Ainda que ao pensamento do dezenove se viesse somar Nietzsche, este também não
prega outra coisa que o surgimento de um novo homem. Ora, não há como surgir
novo homem sem procriação.
O problema foi
o pensamento do subsequente, o triste século vinte, que produziu Einstein, o
relativizador que não trepava, e Sartre, o promíscuo que trepavaa
desbragadamente, mas não para procriar. Do abismo existencial em que o século
vinte nos lançou, com suas duas bombas atômicas, chegamos ao presente com esta
excrescência que é tomada pelo novo homem nietzschiano: o fofo.
Nascido do
espólio do proletariado lutador em cruza com a burguesia falida, o homem fofo
tem uma compulsão mórbida por se reproduzir, coisa de que se deveria furtar. E
para tanto, via de regra elege uma mulher que de fofa só tem a aparência: uma
leoa autoritária que o humilha diuturnamente.
Mateos, o
melhor correntista do Eros Fomento Fundos Calções etc, casou com a Sâmila,
gerente de relacionamento, um casamento com direito a álbum, floricultura,
madrinhas, festança e um padre a abençoar com palavras vagas que nada somavam à
fé da assembleia. Do casamento falamos outro dia, hoje importa relatar, num
salto temporal, que dois meses depois a menstruação da Sâmila não desceu. Os
dois foram à farmácia, ela mijou num potinho e deu positivo. Este secular
ritual humano, que nada de original contém, a parelha achou por bem documentar,
partilhando na rede social desde a primeira suspeita, entre múltiplos emoticon
hearts. Confirmada a prenhez da Sâmila, Mat não se pejou de postar uma foto de
ambos, barrigas de fora, com o título:
GRÁVIDOS
Seguiam, à
bizarrice de tal enunciado, três pontos de exclamação e um emoticon heart.
Bem, eu devia
contar, e me olvidei, que a goma encontrada sobre o assento de Sâmila Sem
Calçola não era, como julgou o grosseiro Kleber, resquício de amores noturnos.
Ela ovulava ostensiva, fêmea em flor a pedir zangão que lhe adoçasse o mel. 🍯
Amanhã tem
mais se Deus quiser
A SOLIDÃO DO
HOMEM FOFO
capítulo XII
Acordo
amargurado nesta manhã tardia de outono por escrever mais um capítulo deste
bizarra história em que me meti, por buscar algum sentido à existência, hoje
amargurada feito eu, este vosso humílimo narrador, que busca na rede virtual um
lampejo de alegria, com a depressão a lhe fuçar o cangote diariamente (sicut
Felicidade, Neuza, op. cit.). Eu próprio, vosso humílimo narrador, que me
recusei terminantemente a abandonar a arena e virar a porra de um homem fofo,
eu, que ainda professo um machismo sadio, um machismo moleque, um machismo arte
etc. Buá. Retomemos a trama:
Fiz um avanço
temporal pra mostrar que o casamento de Mateos, o Fofo, com Sâmila, a
Imperatriz, redundará no nascimento de Raoni (assim se haverá de chamar o
petiz), mas só daqui a muitos capítulos. Por ora, retomemos o recorte inicial,
em que Sâmila, que tinha ido ao labor diário no banco, sem calcinhas, a pedido
de Mateos, que as queria inalar ao longo do dia, fora ao toalete deixando sobre
o assento de sua chaise-directeur uma poça de goma, que Kleber inopinadamente
colheu na ponta dos dedos sendo interceptado por Getúlio. Os dois foram por fim
interceptados por Sâmila.
Getúlio:
"Que porra é essa?" (a substância nos dedos de Kleber)
Kleber:
"É exatamente isso, Dr. Getúlio: porra."
Sâmila arroja
um sonoro bofete na face esquerda de Kleber. Duas horas depois está na sala de
Getúlio expondo que está em período fértil e que desgraçadamente ovulou sem
reparar que havia lambuzado a cadeira, mas que não cabia ao escroto do Kleber
(a esta altura já demitido por justa causa) e ameaçando processar banco gerente
e o caralho a quatro.
Getúlio:
"Por tudo o que vivemos um dia, querida. Não faça isso. Você sabe que eu
não participei de nenhuma invasão à sua privacidade, e só te defendi dessa
grosseria do idiota. Tanto que o demiti imediatamente."
Ela faz um
muxoxo, enxuga uma lágrima no canto do olho direito e se aparta. Liga para
Mateos.
"Vou
chamar meu marido aqui. Ele que vai decidir."
A SOLIDÃO DO
HOMEM FOFO
cap. XIII
As ruas do
Soho, em London, ainda conservam qualquer charme, a despeito da degradação do
bairro (sim, a história se passa em Londres - nota do tradutor). Kleber está
num beco de Chinatown, a gravata slim esgarçada, nó frouxo, a camisa
desfraldada pra fora das calças. Ele está sentado numa guia de sarjeta com uma
garrafa de whiskey, pela metade, na mão esquerda. A mão direita tenta sustentar
sua cabeça, que insiste em cair. Ele chora. Um casal de gays se aproxima, o
mais sensível acocora-se e lhe acaricia os cabelos:
"Hey,
man, o que houve? Quer um abraço?"
Kleber desaba
num choro sentido e afunda o rosto no peitoral do jovem halterofilista. Duram
36 segundos suas lágrimas. Logo ele se recompõe e afasta seu salvador com um
safanão.
"Bicha
escrota do caralho."
Sai correndo,
entra num beco, senta de novo e chora mais. Sente-se abandonado como nunca, ou
como quando o pai saiu de casa, ou como quando Sâmila começou a sair com o
Getúlio lá no banco, ou, lembrando de banco, como quando perdeu seu emprego, o
que, aliás, acabou de acontecer. Mais choro convulsivo.
Ainda ontem,
depois do esporro que Sâmila deu no gracioso gerente getúlio, o generoso - 4g -
chegou no banco Mateos, titular de uma das melhores contas da carteira de
pessoas jurídicas, ameaçando tocar o puteiro e processar por danos morais
causados à sua senhora, além de, óbvio, encerrar a conta. Panos quentes e
contemporização, afinal ela pretende seguir carreira na instituição, e Getúlio
vê muito potencial na Gerente de Relacionamento, e já que o pivô da quizília
está fora do banco, e por causa justa, sigamos. De noite, na cama:
"Foi
machista e babaca a sua atitude de me obrigar a ir trabalhar sem calcinha. E
eu, por causa da opressão secular que está introjetada na gente, me permiti.
Nunca mais vou fazer isso. Olha a merda que deu, vazou tudo, fiquei exposta. De
hoje em diante você só vai usar cueca se eu deixar e... (blergh) " - ela
vomita.
"Meu
amor, você está bem?"
"Um
enjoo. Acho que vamos ficar grávidos."
Os olhos de
Mateos brilham.
Wikipedia: The
Softman's Solitude é uma série de TV norteamericana inicialmente exibida pela
Endemol em EUA e vários países da Europa. Nela são contadas as aventuras de um
narrador sem nome, que se suspeita ser uma projeção egoica do autor Harrison
Chains. Há correspondências entre a trama e a vida pessoal do autor, que jura
ser tudo ficção. No Brasil, a QuaresmaFlix comprou os dreitos de exibição da
série e vem publicando capítulos assiduamente. Aqui a obra recebeu o título A
Solidão do Homem Fofo, e tem tradução do renomado anglicista Manoel Herzog. Não
perdam!
Germano
Quaresma, ou Manoel Herzog,
nasceu
em Santos, São Paulo, em 1964.
Criado
na cidade de Cubatão,
trabalhou
na indústria química
e
formou-se em Direito.
Estreou
na literatura em 1987
com
os poemas de Brincadeira Surrealista.
É
autor dos romances
A
Jaca do Cemitério É Mais Doce (2017),
Dec(ad)ência
(2016), O Evangelista (2015)
e
Companhia Brasileira de Alquimia (2013),
além
dos livros de poemas
6
Sonetos D’amor em Branco e Preto (2016)
e
A Comédia de Alissia Bloom (2014).
Este
é seu novo trabalho, recém lançado:
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