Wednesday, June 12, 2019

SOB O REINADO DA LUA (por Flavio Viegas Amoreira)



Cinquenta anos duma era que ainda acreditava e apostava no futuro. Por onde andam o sonho, a esperança ,  onde repousa a vontade de acreditar no mundo,  alçar vôo ao porvir? Em que canto desse planeta deixamos a memória do infinito, nós agora nessa compulsão pelo caos , a destruição ,  essa entrega coletiva ao abismo? Naquele verão norte-americano de 1969 a humanidade pisava o cosmo e todos nós perguntamos:  onde eu estava quando o homem pisou na Lua?  Garimpando as lembranças me vejo atônito menino diante da tela de TV preto e branco  as pegadas míticas de Neil Armstrong  sobre nosso satélite prateado antes só anseio dos poetas enamorados.  Aqui na Terra divididos na Guerra Fria , os russos apertando o cerco na Cortina de Ferro e os ianques chafurdando no horror vietnamita : no deu tanta insânia ?  A União Soviética é peça de museu e o Vietnã depois de vencer a guerra se tornaria um tigre capitalista.  Quantas guerras são necessárias para chegarmos a conclusão da inutilidade de toda guerra?  Era junho e o comportamento virava ao avesso:  as mulheres descobriam sua força , o feminismo ganhava as ruas ,  os negros  herdavam sem medo o martírio de Luther King  e por fim a causa gay vencia a primeira batalha.  Com a morte de Judy Garland em junho homossexuais do bairro boêmio Village se reúnem pranteando sua diva num bar que levaria o nome da Rebelião libertária pelo amor que ousaria dizer seu nome: Stonewall .  Diante da truculenta repressão gays se levantam em insurreição urbana anunciando que não se toleraria a supressão de seus direitos . Se os anos 60 findavam com os direitos civis aos negros, os anos 70 seriam do nascente ´´Gay Power´´.... para ilustrar todo esse cenário um filme que também faz cinqüenta anos serve como retrato dessa atmosfera: ´´Midnight Cowboy´´ .  Proibido no Brasil na ditadura onde naquele nosso inverno era tudo sombra a fita ganhou o nome de ´´Perdidos na noite´´  hoje um documento cult de transgressão e liberdade.  A trajetória da ´´Apolo 11´´  parecia ecoar por aqui na maneira audaz com que imensos setores da sociedade também buscava seu universo novo além de milênios de machismo,  segregação e preconceito.  Os projetos de viagens interplanetárias ainda engatinham depois de reveses , custos e tragédias ,  patinamos em nossos problemas terráqueos , a ameaça nuclear persiste e a insensatez predatória nos ronda com apocalipse ambiental.  Afinal por quê a Lua se não domamos nossos piores instintos? Por quê a Lua se seguimos perdendo florestas e contaminando os mares? Por quê a Lua , ocupar Marte, rondar os anéis de Saturno se mal habitamos iguais e justos esse astro concedido?  Inegáveis benefícios nos trouxe essa viagem : desde microchips  aos satélites meteriológicos,  o forno microondas até equipamentos médicos  fundamentais em nosso dia a dia.  Mas convenhamos não teria sido mais fácil ter chegado a Lua que tocarmos de discernimento amplo o espírito do Homem ?  A tecnologia que se anuncia onipotente ,  a inteligência artificial que nos brilha aos olhos, toda cibernética nos oferecendo o paraíso do ócio criativo não poderão prescindir do humano , demasiado humano:  ou poderão ?  Fico mais com os avanços da alma tolerante ao diferente que aos prodígios da robótica.  Voltando ao ano de 1969 recordo de outro filme : ´´Now, Voyager´´ com Bette Davis  sussurrando a Paul Henreid: ´´ Por quê pedir ‘a lua se já temos as estrelas?´´  É em nosso íntimo intransferível que alcançamos nossos avanços na busca do convívio idealizado. Como diria Einstein : ´´É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.  Tentemos.





Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).




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