Cinquenta anos
duma era que ainda acreditava e apostava no futuro. Por onde andam o sonho, a
esperança , onde repousa a vontade de
acreditar no mundo, alçar vôo ao porvir?
Em que canto desse planeta deixamos a memória do infinito, nós agora nessa
compulsão pelo caos , a destruição ,
essa entrega coletiva ao abismo? Naquele verão norte-americano de 1969 a
humanidade pisava o cosmo e todos nós perguntamos: onde eu estava quando o homem pisou na
Lua? Garimpando as lembranças me vejo
atônito menino diante da tela de TV preto e branco as pegadas míticas de Neil Armstrong sobre nosso satélite prateado antes só anseio
dos poetas enamorados. Aqui na Terra
divididos na Guerra Fria , os russos apertando o cerco na Cortina de Ferro e os
ianques chafurdando no horror vietnamita : no deu tanta insânia ? A União Soviética é peça de museu e o Vietnã
depois de vencer a guerra se tornaria um tigre capitalista. Quantas guerras são necessárias para
chegarmos a conclusão da inutilidade de toda guerra? Era junho e o comportamento virava ao avesso: as mulheres descobriam sua força , o
feminismo ganhava as ruas , os negros herdavam sem medo o martírio de Luther
King e por fim a causa gay vencia a
primeira batalha. Com a morte de Judy
Garland em junho homossexuais do bairro boêmio Village se reúnem pranteando sua
diva num bar que levaria o nome da Rebelião libertária pelo amor que ousaria
dizer seu nome: Stonewall . Diante da
truculenta repressão gays se levantam em insurreição urbana anunciando que não
se toleraria a supressão de seus direitos . Se os anos 60 findavam com os direitos
civis aos negros, os anos 70 seriam do nascente ´´Gay Power´´.... para ilustrar
todo esse cenário um filme que também faz cinqüenta anos serve como retrato
dessa atmosfera: ´´Midnight Cowboy´´ .
Proibido no Brasil na ditadura onde naquele nosso inverno era tudo
sombra a fita ganhou o nome de ´´Perdidos na noite´´ hoje um documento cult de transgressão e
liberdade. A trajetória da ´´Apolo
11´´ parecia ecoar por aqui na maneira
audaz com que imensos setores da sociedade também buscava seu universo novo
além de milênios de machismo, segregação
e preconceito. Os projetos de viagens
interplanetárias ainda engatinham depois de reveses , custos e tragédias , patinamos em nossos problemas terráqueos , a
ameaça nuclear persiste e a insensatez predatória nos ronda com apocalipse
ambiental. Afinal por quê a Lua se não
domamos nossos piores instintos? Por quê a Lua se seguimos perdendo florestas e
contaminando os mares? Por quê a Lua , ocupar Marte, rondar os anéis de Saturno
se mal habitamos iguais e justos esse astro concedido? Inegáveis benefícios nos trouxe essa viagem :
desde microchips aos satélites
meteriológicos, o forno microondas até
equipamentos médicos fundamentais em
nosso dia a dia. Mas convenhamos não
teria sido mais fácil ter chegado a Lua que tocarmos de discernimento amplo o espírito
do Homem ? A tecnologia que se anuncia
onipotente , a inteligência artificial
que nos brilha aos olhos, toda cibernética nos oferecendo o paraíso do ócio
criativo não poderão prescindir do humano , demasiado humano: ou poderão ?
Fico mais com os avanços da alma tolerante ao diferente que aos
prodígios da robótica. Voltando ao ano
de 1969 recordo de outro filme : ´´Now, Voyager´´ com Bette Davis sussurrando a Paul Henreid: ´´ Por quê pedir
‘a lua se já temos as estrelas?´´ É em
nosso íntimo intransferível que alcançamos nossos avanços na busca do convívio
idealizado. Como diria Einstein : ´´É mais fácil desintegrar um átomo do que um
preconceito. Tentemos.
Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
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