Alguns guiam, mas não gostam.
Outros nem isso.
Parece que não combinam com a desenvoltura ao volante, são distraídos e adoram trocar idéias que ziguezagueiam tanto quanto o carro.
Lá na minha livraria uma das mais importantes atividades é a de levar escritores para realizar encontros à beira-mar, em Santos.
Boa parte destas experiências é o combustível que incendeia estes artigos de memória, que se transformam nestas passagens.
Estava agendando com um já amigo, o filósofo e economista Eduardo Giannetti, autor de AUTO-ENGANO e FELICIDADE, ambos da Companhia das Letras, um bate-papo com o público para discutir as idéias em torno de seu livro, O VALOR DO AMANHÃ.
Nesta obra, o filósofo discorre sobre dois tipos principais que povoam a humanidade no novo e no velho mundo: o homem devedor e o homem credor.
O brasileiro claramente se comporta como devedor, preferindo usufruir dos prazeres agora para arrumar a casa (e as contas) depois.
Já no velho continente o comportamento é de maior tolerância.
Abre-se mão agora para mais tarde colher os bons frutos deste planejamento.
Giannetti desmembra em muitos caminhos e aspectos esta relação do tempo com a economia, numa obra que deseja ser um clássico no futuro.
Mandei o carro para São Paulo (grande Correa, o taxista e personagem!) e achei interessante subir junto (para quem não é dessas bandas, explico: quando um santista vai a São Paulo, ele diz que vai subir porque sobe a Serra do Mar e depois desce pra Santos, claro).
Pensei num plano que acabaria com dois problemas.
Resolveria o fato de não ter conseguido terminar a leitura do livro (fiz um cálculo e achei que em duas horas venceria as 50 últimas páginas de um total de quase 400) e voltaria discutindo as passagens com o autor, já estipulando caminhos e pautas para a mediação que faria com escritor e a platéia santista.
Fui disciplinado, sentei no banco traseiro de boca fechada e mergulhei no delicioso ensaio.
Chegamos ao destino mas ainda faltavam umas páginas.
A noite caía depressa.
Caminhei até a porta do sobrado, havia uma luminária bem na entrada.
Me arrumei no foco da luz e terminei a leitura ali mesmo, na porta, do lado de fora.
Terminada a leitura, toquei a campanhia, cumprimentei com alegria o meu convidado.
Descemos a serra numa animada conversa, que começou no carro e terminou no palco do auditório na cidade de Santos.
Que correria, mas missão cumprida!
José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
gosta de ser chamado de "livreiro",
pois acha mais específico do que
"empresário" ou "comerciante",
ainda mais porque gosta de pensar o livro
ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
Nas horas vagas, transforma-se
no blues-shouter Big Joe Tahan.
(a ilustração acima é do Seri)
No comments:
Post a Comment