Um dos exercícios de um texto é imaginar como a vida pode ser daqui a alguns anos, no futuro. Na modalidade ficção científica tivemos exemplos de um Jules Verne, Arthur C Clarke e Ray Bradbury (foto acima).
Claro que não me coloco, nem a pessoa e muito menos o meu texto, nessa linhagem: são apenas evocações para dar início a um argumento desta semana.
Muitas das vezes que leio o PublishNews, por exemplo, me pego um atrasado tecnológico. Parece que todos já estão numa vida em que o livro de papel é minoritário, quase uma lembrança bonita. Sinceramente fico amedrontado e, ao mesmo tempo, desafiado por esse mundo que galopa em nossa direção, mas no dia a dia está tudo muito mais antigo do que modernoso.
Quando comecei como balconista na livraria Iporanga nos idos de 1990, as tarefas criadas por um dos patrões eram um reflexo de um mundo sem o virtual.
Seu Antonio Marnoto achava que estávamos meio devagar e disparava: “Zé Luiz, tá vendo aquelas embalagens de Bic? Abra uma por uma e conte se tem mesmo 50, acho que me passaram pra trás...”
Se viessem amigos alfabetizados a fim de uma conversa que poderia derivar para uma aquisição bibliográfica, essa conversa era interpretada como malandragem: “Esse rapaz está me enrolando”, e vinha uma ordem cortante, “vá ver aquela pilha de livros desarrumada e deixe de papo”.
Abrir e ler uma revista sobre atualidades era difícil – ler sentado mais ainda. Arrumávamos eu e mais dois funcionários os livros nas estantes como o mito de Sísifo, ao fim do trabalho voltávamos ao mesmo ponto iniciado na outra segunda.
Hoje as rotinas são parecidas, só que eu no papel do Seu Antonio, vejam vocês. Somam-se às arrumações de prateleiras, muito saudáveis pelo contato físico com os títulos, o contato com pessoas que nos visitam fisicamente e virtualmente, através de e-mails, Twitter, Facebook e Correio.
Ao contrário de repreender um livreiro por conversar com amigos a gente busca exatamente o contato com os próximos, adoramos os populares, que sabem se comunicar com muitos ao mesmo tempo, nas redes sociais e na livraria, no tête-à-tête.
E no futuro? Devemos continuar nesse balanço entre o modo antigo e o novo. O livreiro é um tesouro no ambiente, suas sugestões vêm carregadas de referências reais, valiosas para o leitor, que atesta com o livro em mãos, lendo com desconfiança a orelha. Alguém já viu uma orelha que afasta o leitor da obra? Também sinto falta dos vendedores de praça, com suas malas abarrotadas de novidades, que são muito melhores de analisar do que relações enormes em malas-direta monótonas.
Meus funcionários podem e devem ler de tudo, sentados ou em pé, podem falar pelos cotovelos com amigos na loja ou nas redes da web.
O Seu Antonio tinha razão em muitas coisas, o mito de Sísifo, por exemplo, continua: nada melhor do que o contato com os livros para lembrarmos o que dispomos por perto.
Só acabei com a papelaria, não contamos mais o número de Bics, será um trauma, ou vingança?
José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
gosta de ser chamado de "livreiro",
pois acha mais específico do que
"empresário" ou "comerciante",
ainda mais porque gosta de pensar o livro
ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
Nas horas vagas, transforma-se
no blues-shouter Big Joe Tahan.
(a ilustração acima é do Seri)
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