Por Luiz Fernando Gallego
para Críticos.com
No decorrer dos 127 minutos de C.R.A.Z.Y., acompanhamos a longa jornada de um rapaz com fortes inclinações homoeróticas até o entendimento, por parte de seu pai, de que tal orientação sexual não faz do filho um ser abjeto nem vergonhoso.
O personagem central, Zac, nascido no Natal de 1960, é o quarto de cinco filhos de uma família católica do Canadá francês. E apresenta desde cedo sinais de identificação maior com a mãe do que com o pai: ele parece querer ser como a mãe: ainda criança, veste as roupas dela e cuida do irmão mais novo como uma menina brincaria com sua boneca viva. Simetricamente, em vez de querer ser como o modelo masculino representado por seu pai, parece querer ter o pai (ou outros homens) como fonte principal de amor. Ainda que na adolescência vá desenvolver aptidões para lutas marciais, aparentando uma definição de acordo com padrões externos masculinos e viris, talvez seu maior interesse fosse admirar os posters que coloca nas paredes de seu quarto: Bruce Lee e... David Bowie.
Em seu corpo e mente se estabeleceu uma batalha nem sempre tão surda do desejo dirigido ao mesmo sexo na contramão das fortes exigências culturais e ambientais de que desenvolvesse atitudes compatíveis com o sexo genético e suas características manifestas. Afinal, como já foi assinalado, o filme se passa no Canadá católico daqueles anos - ainda mais preconceituoso contra tendências homossexuais - e Zac, em vários momentos, deixa bem claro que também não gostaria de se ver numa condição gay, menosprezada não só por seu pai: naquela época ainda não se usava o termo “gay”, nada disso era "alegre".
Acompanhando o retrato de Zac quando jovem, a história do filme atravessa duas décadas, traçando um modesto panorama de hábitos e cultura pop do período, ainda que sem nenhuma profundidade, detendo-se em alguns tópicos de música popular e vestimentas, aspectos que interessam à trajetória confusa do personagem. Na época em que o enredo se detém, o então grande diretor Arthur Penn, em seu último filme digno do nome que construíra (Amigos para Sempre/Four Friends, de 1981) já fazia um balanço muito mais interessante daqueles tempos, mesmo que ainda tão próximo dos fatos. Na verdade, este pano de fundo em C.R.A.Z.Y. serve apenas aos desencontros de Zac entre sua sexualidade e os ideais machistas cobrados de todos os meninos.
Assim como o personagem, o roteiro também segue em zigue-zague, com prolixidade, circunlóquios e situações dispensáveis ao que parece querer demonstrar: como era ainda mais difícil "assumir" uma sexualidade fora dos padrões dominantes naqueles anos. Esta centralização revela ser igualmente enganoso o título original, já que C.R.A.Z.Y. poderia fazer supor um desenvolvimento que contemplasse um pouco mais igualitariamente os personagens dos cinco irmãos. O acróstico do título se forma a partir das iniciais de seus nomes, sendo o "Z" correspondente a Zac para formar “CRAZY”, a canção favorita do pai dos garotos. Só que dois dos filhos aparecem pouco e apenas como estereótipos bem superficiais: "o intelectual" e "o esportista". Mesmo Zac será pouco mais do que "o homossexual que não ousa (e hesita) em dizer o nome de seu desejo" - e o irmão mais velho, a quem é dada alguma importância, não deixa de ser "o drogado" que zomba mais abertamente das bandeiras que levantam suspeitas quanto à homossexualidade de Zac. O caçula pesa ainda menos do que os demais e talvez só exista para fechar o título com o indispensável “Y”.
Os atores fazem o que podem, mas o destaque, se houver algum, fica com os pais, e mais especialmente com o pai, personagem um pouquinho menos unidimensional, e isto se deve em parte ao desempenho de Michel Côté.
Não há como não estranhar a receptividade que o filme mereceu em alguns festivais de menor expressão e os prêmios recebidos no Canadá, de onde veio: acaba sendo longo e repetitivo, ainda que por vezes pareça fugir do que seria o seu tema central, quando nem acrescenta um tema paralelo conseqüente. E em momentos que seriam decisivos, precipita acontecimentos significativos, como quando da briga de Zac com um rapaz que o está seduzindo à distância e com quem ele acabará tendo seu primeiro contacto sexual mais íntimo. A agressão se dá como nos casos de pitboys que batem em homossexuais por temerem suas próprias fantasias no mesmo sentido. Só que Zac, aos poucos, vai reconhecer que estava espancando suas próprias inclinações. Um pouco óbvio demais, ainda que verossímil, merecendo entretanto uma demonstração mais criativa e acurada.
Parece que na ânsia de deixar bem claro que não considera a condição gay uma tragédia, o filme optou por uma certa leveza no drama íntimo pelo qual o personagem passa, enquanto a narrativa ficou algo pesada e arrastada. Mantém algum interesse pela empatia que o personagem pode despertar, mas por mais que se possa ter tal empatia para com aqueles que viviam (e ainda hoje muitos vivem) tamanhos conflitos ligados às enormes pressões contrárias aos seus desejos homoeróticos, o filme, na forma e no roteiro, acaba não servindo tão bem à sua causa.
C.R.A.Z.Y. – LOUCOS DE AMOR
C.R.A.Z.Y.
(2005, Canadá, 127 minutos)
Direção:
Jean-Marc Valée
Roteiro:
François Boulay
Jean-Marc Valée
Fotografia:
Pierre Mignot
Música:
David Bowie
Elenco:
Michel Coté
Marc-Aandré Grondin
Danielle Proulx
Émile Valée
Pierre-Luc Brillant
Maxine Tremblay
Axel Gravel
Sábado
18 de Setembro
16.30 horas
Cineclube da Aliança Francesa de Santos
Rua Rio Grande do Norte, 98
Telefone 3237-2403
Logo após a sessão,
o curador do Cineclube
Rodrigo Azevedo Costa
convida os presentes
para trocar idéias
sobre o filme
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