É no mínimo estranho que nenhum dos livros de Donald Barthelme tenha sido traduzido e publicado no Brasil. Sua prosa minimalista alegórica certamente teria tido uma boa acolhida entre os leitores brasileiros nos Anos 70 e 80, época em que ele ganhou projeção na cena literária americana ao faturar o National Book Award. Colegas de geração seus, como John Barth e Raymond Carver, foram muito bem recebidos por aqui, em traduções nem sempre muito cuidadosas. Talvez não fosse o momento certo, ou seus direitos de publicação estivessem muito caros na época, vai saber...
Agora, nesse momento estranho em que muitos leitores brasileiros se afirmam "encantados" com David Foster Wallace, que teve este ano seu "Graça Infinita" traduzido para o português e editado pela Companhia das Letras, parece que chegou a hora. Até porque na medida em que David Foster Wallace nunca escondeu que Donald Barthelme foi uma de suas maiores influências literárias, começa a fazer sentido resgatar a estranha obra de Barthelme 25 anos depois de sua morte.
Revelado nos anos 1960 nas páginas da revista semanal The New Yorker, Donald Barthelme é um dos expoentes do que a crítica veio a chamar de pós-modernismo literário. Autor de livros de ensaios, contos e romances, ele foi profundamente influenciado pelo nouveau roman francês de Michel Butor, Marguerite Duras e Alain Robbe-Grillet -- que, de certa forma, já eram pós-modernistas antes dele.
Conseguiu desenvolver uma maneira quase cirúrgica de contar histórias, que, apesar de extremamente habilidosa e criativa, não era vista com bons olhos pelos que sempre preferiram formas mais orgânicas de literatura.
Mas gostassem ou não de seu trabalho, seu valor literário era indiscutível.
Todos os prêmios importantes que ganhou por seu trabalho definitivamente não foram dados à toa.
Defendido tanto por Salman Rushdie quanto por Dave Eggers, Donald Barthelme finalmente tem um livro editado aqui no Brasil.
Trata-se de "O Pai Morto", escrito 40 anos atrás, que marcou toda uma geração de escritores ao unir uma carpintaria literária bastante ousada com um senso de humor sombrio e implacável ao narrar a morte física de seu protagonista, um pai de família libertino e desvairado, que é arrastado a contragosto para um destino que ignora por um cabo que envolve seu corpo descomunal -- e que se nega terminantemente a morrer por completo, disparando ordens a todos à sua volta em seu funeral.
Nada disso, no entanto, consegue interromper o falatório sem pé nem cabeça que se desenrola entre as pessoas à sua volta.
Nada disso, no entanto, consegue interromper o falatório sem pé nem cabeça que se desenrola entre as pessoas à sua volta.
"O Pai Morto" é um romance surreal e desesperador, que pretende promover uma reflexão sobre as mais diversas personificações da figura paterna, experimentando sensações e sentimentos confusos em relação aos filhos -- que pode proteger, mas que também conseguiria destruir, se assim o quisesse.
Entre os personagens estão Thomas, o filho que lidera o grupo, acompanhado por sua namorada Julie.
Além deles, Emma, amante de Thomas, que se confunde, no texto e na mente do Pai, com Julie.
E tem ainda o outro filho, Edmond, alcoólatra, desajustado no contexto famiar que o cerca, e que tenta se situar no grupo que cerca o Pai.
Além deles, Emma, amante de Thomas, que se confunde, no texto e na mente do Pai, com Julie.
E tem ainda o outro filho, Edmond, alcoólatra, desajustado no contexto famiar que o cerca, e que tenta se situar no grupo que cerca o Pai.
"O Pai Morto" é um quase-delírio literário sobre a ambiguidade de sensações e sentimentos que permeiam as relações entre pais e filhos.
Para dar amplitude a sua investigação sobre o tema, Barthelme optou por mesclar vários gêneros e estilos literários bem distintos, criando um romance picaresco que pode agradar aos leitores mais aventurescos em termos formais, mas que é, antes de mais nada, sob medida para estudiosos de teoria literária e para os já inicados em seu universo repleto de alegorias comportamentais, fábulas enciclopédicas e reflexões metafísicas.
Meu conselho é: se você comprou "Graça Infinita", de David Foster Wallace, e ainda está tomando coragem para começar a ler aquele calhamaço -- e está começando a achar que o livro vai ficar melhor na estante da sua sala do que na cabeceira da sua cama --, recomendo ler antes "O Pai Morto".
É um romance de apenas 240 páginas.
E é tão complexo quanto "Graça Infinita".
Se você conseguir chegar ao final de "O pai Morto", e sair impressionando e satisfeito, aí sim: pode embarcar em "Graça Infinita" sem susto.
E é tão complexo quanto "Graça Infinita".
Se você conseguir chegar ao final de "O pai Morto", e sair impressionando e satisfeito, aí sim: pode embarcar em "Graça Infinita" sem susto.
Caso contrário, esqueça David Foster Wallace e esqueça Donald Barthelme junto.
Não é porque esses livros possuem um enorme valor literário, e também porque esse tipo de literatura parece estar na moda entre os mais jovens, que eles precisam obrigatoriamente ser lidos por você.
Não é porque esses livros possuem um enorme valor literário, e também porque esse tipo de literatura parece estar na moda entre os mais jovens, que eles precisam obrigatoriamente ser lidos por você.
O PAI MORTO
(Rocco Editores, 2015)
The Dead Father
(Farrar Straus Giroux, 1975)
Autor
Donald Barthelme
Tradução
Daniel Pellizzari
Preço: R$ 34,50
240 páginas
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