Tuesday, October 27, 2015

O QUE PENSAM DE NÓS, LIVREIROS? (por José Luiz Tahan)



Acredito que muitos balconistas já tiveram papos parecidos no atendimento rotineiro, nas livrarias em que vivem. 

Nós praticamente vivemos nos nossos trabalhos, passamos quase tanto tempo dentro quanto fora dessa nossa pequena obsessão, as livrarias.

Algumas perguntas que me fazem são curiosas.

"Você já leu todos os livros da livraria?" 

Explico que não, respeitosamente, com uma ponta de vontade de brincar com o cliente e dizer do contrário.

Uma das mais comuns situações é aquela em que a pessoa diz, com um olhar distante, praticamente girando nos calcanhares e afirmando:

"Ah, se eu tivesse o seu emprego...iria ler o tempo todo!" 

E eu penso comigo, só leio números, faturas e boletos. A rotina na nossa empreitada é dura, leio muito mais em casa do que no trabalho, é claro.


Não é raro também estarmos em outro lugar, um botequim por exemplo, na madrugada e alguém gritar:

 "O que faz aqui?" 

Pelamordedeus, são 2 da matina, não fico com uma bola de ferro amarrada na canela. E aí a figura emenda: 

"Você já recebeu aquela nova edição do Cony? Lembra o preço?"


Mas sempre tem o dia da desforra, e numa noite muito especial ela aconteceu. 

Foi na festa de abertura da nossa segunda sede, na loja de rua, quando ainda mantínhamos a lojinha da universidade, em 2003. 

O José Roberto Torero e eu inauguramos a loja e recebemos a visita surpresa de um apresentador de programa tipo Amaury Jr, mas regional, bem trash.

Ele disparou: "Puxa! Vocês já leram todos esses livros, não é mesmo?" 

Olhamos um para a cara do outro e, sem combinar, respondi:

"Sim, lemos duas vezes, uma por prazer, a outra para gravar."

O nosso interlocutor ficou muito satisfeito com a resposta, devolvendo um largo sorriso para o seu câmera.

Nós também, certas vezes não explicar a piada é mais engraçado.


Talvez essas perguntas, que são feitas de um jeito inocente, demonstrem uma expectativa depositada nos homens das letras, os homens-livro, como no livro de Ray Bradbury, "Fahrenheit 451". 

Mas sinceramente é mais delicado e interessante do que os clientes conversarem com leitores óticos, que se esfregam em capas de livros ao comando dos fregueses carentes de nossas opiniões.

Ainda hoje, após 20 anos de balcão, gosto de todo o tipo de conversa com os clientes, e adoro quando indico uma leitura recente e também quando sou intimado a conhecer uma descoberta feita por um amigo da livraria, afinal li apenas uma fração do que me rodeia, é claro.





José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.

 Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
 gosta de ser chamado de "livreiro",
 pois acha mais específico do que
 "empresário" ou "comerciante",
 ainda mais porque gosta de pensar o livro
 ao mesmo tempo como obra de arte e produto.

 Nas horas vagas, é um pai de família exemplar.

Já nas horas vagas de pai de família exemplar,
assume sua identidade (não muito) secreta
 como o blues-shouter Big Joe Tahan.

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