Friday, May 27, 2016

CAFÉ E BOM DIA #25 (por Carlos Eduardo Brizolinha)



Pra quem não sabe ou não se lembra, ele foi um dos grandes nomes do movimento modernista brasileiro. São dele o retrato do poeta cubano Nicolas Guillén e o projeto desta vila paulistana: Agitador, irreverente, trabalhava só de short na empresa de construção civil de Ramos de Azevedo, em plenos anos 20, o que provocou um abaixo-assinado dos proprietários e usuários de outras salas do edifício, exigindo que a firma o botasse pra fora. A reação foi terrível: - Só me tiram daqui a bala. Mas vai ser difícil, pois vou instalar uma metralhadora no ateliê. Blefava? Anúncio no dia seguinte, no Diário Popular: "COMPRA-SE UMA METRALHADORA. TRATAR COM FLÁVIO DE CARVALHO NO INSTITUTO DE ENGENHARIA". Com formação européia, era revoltado com o formalismo brasileiro, o que incluía roupas masculinas insuportavelmente quentes no clima tropical. Advogou, por isso, o bom-senso das saias e blusas femininas, e saiu à rua: Mas a irritação popular chegou também à elite, quando – em 47 – ante os estertores da mãe cancerosa – Ophélia Crissiúma de Carvalho –, pegou papel e caneta, partindo para o registro desse sofrimento, registro que transferiu para desenhos a carvão, que expôs no recém-inaugurado Museu de Arte de São Paulo – MASP - com o título Série Trágica – Minha Mãe Morrendo. A arte importa porque é vida. A vida importa porque é arte. Ao folhear um livro de Arte, no minuto antes de começar este texto (com que nem sonhava) dei com algumas reproduções da Série Trágica, desenhos com que Flávio de Carvalho registrou a extremamente dolorosa agonia de sua mãe com câncer. Isso me remeteu a um diálogo, logo no início do Ulisses de Joyce, em que o personagem Buck Mulligan lembra o fato de que a mãe do amigo Stephen Dedalus pedira no leito de morte, ao filho sem fé, que se ajoelhasse e fizesse uma oração, no que não foi atendida.



Por norma, me basta a Obra Divina. O encontro com Deus pode sempre constituir uma desilusão dolorosa e marcante até ao fim dos dias. Lembro amiúde da estória do sociólogo Jean Cazenneuve sobre um menino apaixonado por uma cantora de ópera, que a segue por todo o lado e que um dia, após um concerto, ganha coragem e invade clandestinamente os bastidores, para a abordar. Quando a encara, esta, está sentada num vaso sanitário. Toda a mágica se esvanece e o rapaz sai espavorido da cena deixando para trás uma mulher atônita. Nunca mais quis saber de óperas nem de cantoras de qualquer gênero musical. Os deuses também têm caspa...Bob Dylan, Show dos Stones.. Está ali. Um velhinho de vestes ridículas. Pernas abertas e tortas perante um órgão baixo. São estas pernas que mais interagem com a música. Uma voz roufenha e hoje incompreensível. Não mexe numa guitarra. Toca músicas que não conheço ou não entendo. As músicas que comigo atravessam os tempos são outras. Só a custo registo a balada de um homem magro (o melhor momento da liturgia). No final, como uma pedra rolante. A pergunta how does it feel, já não soa como uma pergunta. Like a Rolling Stone, já não soa como a resposta. No entanto as lágrimas assomam quando a harmônica soa na noite. Dylan ainda ocupa o mesmo espaço de importância.


Café neste feriadão chuvoso e Bom Dia Para Todos.

Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada na Rua Bahia sem número,
quase esquina com Mal. Deodoro,
ao lado do EMPÓRIO SAÚDE HOMEOFÓRMULA,
onde bebe vários cafés orgânicos por dia,
e da loja de equipamentos de áudio ORLANDO,
do amigo Orlando Valência.


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