PRECISOS E AFIADOS DIÁLOGOS
SOBRE A CONDIÇÃO FEMININA
por Carlos Cirne
para Colunas & Notas
Violette (Julie Delpy) tem uma vida estabilizada. Profissional organizadora de eventos de sucesso, tem um filho de 19 anos, Eloi, chamado de Lolo (Vincent Lacoste, de “Hipócrates”, 2014, e “O Diário de uma Camareira”, 2015), amigas fieis, mas no quesito coração, um zero à esquerda. Há anos que não consegue relacionar de maneira perene com ninguém.
E, num final de semana no sul da França, com amigas, conhece Jean-René (Dany Boon, de “Um Plano Perfeito”, 2012), bem sucedido profissional de informática, e um caso perdido em matéria de sedução. De aparência comum, sem atrativos aparentes, e bastante desajeitado, ele consegue despertar o interesse de Violette, apenas para descobrirem depois uma impressionante química sexual entre eles. Pouco tempo depois ele se muda para Paris, para trabalhar para um grande banco na implantação de um sistema comercial por ele criado, e eles reatam o relacionamento, para contrariedade de Lolo, o edipiano filho de Violette.
Na realidade, edipiano não explica exatamente Lolo: o jovem, invariavelmente sob a guarda da mãe, faz uso desta codependência para influir sobre todos os passos que ela dá. Controla seus horários, amizades e namoros, tornando-se onipresente em sua vida. Sob o manto da meiguice, priva a mãe de qualquer tipo de relacionamento adulto que ela possa estabelecer. E isto desde que era criança.
Neste caso não é diferente, e Lolo passa a sistematicamente sabotar, com requintes de crueldade, o cotidiano de Violette e Jean-René, a ponto de destruir a vida profissional dele, e quase saindo ileso. Obviamente, a reviravolta do terceiro ato traz à luz suas maquinações e o expõe aos olhos de todos, principalmente da mãe.
Misto de comédia romântica com fábula sobre os relacionamentos em grandes cidades, “Lolo” justapõe, além da atividade de sabotagem sentimental do filho sobre a mãe, a dificuldade de equalização entre dois indivíduos de formações e experiências completamente diferentes: ela, de formação humanista e sofisticada, vive na capital cosmopolita e se choca ao se deparar com ele, de formação mais cartesiana e simples, vindo de uma cidade menor e sem laivos de sofisticação em seu tratar. Os mundos colidem, mas podem se justapor.
E é justamente a justaposição destas posturas conflitantes o agradável resultado desta comédia, escrita e dirigida por uma das mais versáteis atrizes do cinema francês, a bela Julie Delpy. Com destaque para os precisos e afiados diálogos sobre a condição feminina, e o elenco coeso – repare na amiga, Ariane (a excelente Karin Viard, de “A Família Bélier”, 2014) – e, uma curiosidade que vimos notando em recentes produções francesas: uma intensa utilização de canções americanas e inglesas na trilha sonora destes filmes mais recentes. Sinais dos tempos, ou da globalização dos mercados. De qualquer forma, não compromete o bom resultado. Experimente!
Esta comédia começa muito bem. Duas mulheres na faixa dos quarenta anos de idade, Violette (Julie Delpy) e Ariane (Karin Viard), falam sobre sexualidade sem complexos. Elas tecem comentários sobre as próprias vaginas, brincam com o potencial erótico dos homens burros. É um humor grosseiro, mas também realista pela construção dos diálogos e pela ausência de julgamento a respeito das aventuras femininas. Tudo indica que teremos uma comédia crua, mas ousada em seu retrato da vida adulta.
A sequência, entretanto, não segue por este caminho. Quando o roteiro se foca em apenas três personagens, percebemos a construção frágil de cada um deles: Violette apresenta-se como uma mãe extremamente protetora e uma artista ligada aos mais altos nomes da moda, mas não se percebe a ligação profunda nem com o filho, nem com a moda. O novo namorado, Jean-René (Dany Boon), é pouco verossímil como um brilhante engenheiro de informática. O filho Lolo (Vincent Lacoste) deveria ser um rapaz obsessivo, obstinado a destruir o namoro de sua mãe, mas durante dois terços da narrativa ele se assemelha a um garoto mimado.
Lolo: O Filho da Minha Namorada é marcado por um problema de tom. A diretora Julie Delpy se especializou nos retratos de grupos caóticos (vide o ótimo O Verão do Skylab), mas não demonstra a mesma habilidade ao desenvolver apenas uma trinca de personagens. A interação entre mãe, filho e namorado gera bons momentos isolados, mas a união entre as cenas revela-se pouco consistente. A comédia funciona, portanto, por algumas piadas memoráveis, especialmente aquelas envolvendo Karin Viard e alguns atores em participações especiais, mas ao final o espectador não terá conhecido a fundo nenhum dos protagonistas.
Isso é uma pena, porque o projeto traz um Dany Boon particularmente contido. O expressivo ator, uma espécie de Leandro Hassum francês, consegue compor um homem carinhoso, mas de gestos e expressões simples. Vincent Lacoste também faz uma composição minimalista, ao contrário do trabalho nas comédias Les Beaux Gosses e Camille Outra Vez. Não há dúvidas sobre a qualidade de Julie Delpy como diretora de atores, conseguindo trocar a caricatura da maioria das comédias populares pelos encontros patéticos entre pessoas comuns. Faltava somente conduzir o trio principal por um caminho interessante.
A conclusão, um dos elementos mais delicados das comédias românticas, não foge às convenções otimistas do gênero. Mesmo assim, último terço da história traz instantes preciosos de perversão afetiva, que lembram o bem-sucedido Bem Me Quer, Mal Me Quer. Percebe-se que Lolo e seus personagens funcionariam melhor numa comédia de humor negro, capaz de abraçar o sadismo subjacente aos conflitos. As escolhas da diretora tornam Lolo mais acessível ao público médio, mas também menos potente do que poderia ser.
LOLO - O FILHO DA MINHA NAMORADA
(Lolo, 2015, 99 minutos)
Roteiro e Direção
Julie Delpy
Elenco
Julie Delpy
Dany Boon
Vincent Lacoste
Karin Viard
Antoine Lounguine
Christophe Vandevelde
A sequência, entretanto, não segue por este caminho. Quando o roteiro se foca em apenas três personagens, percebemos a construção frágil de cada um deles: Violette apresenta-se como uma mãe extremamente protetora e uma artista ligada aos mais altos nomes da moda, mas não se percebe a ligação profunda nem com o filho, nem com a moda. O novo namorado, Jean-René (Dany Boon), é pouco verossímil como um brilhante engenheiro de informática. O filho Lolo (Vincent Lacoste) deveria ser um rapaz obsessivo, obstinado a destruir o namoro de sua mãe, mas durante dois terços da narrativa ele se assemelha a um garoto mimado.
Lolo: O Filho da Minha Namorada é marcado por um problema de tom. A diretora Julie Delpy se especializou nos retratos de grupos caóticos (vide o ótimo O Verão do Skylab), mas não demonstra a mesma habilidade ao desenvolver apenas uma trinca de personagens. A interação entre mãe, filho e namorado gera bons momentos isolados, mas a união entre as cenas revela-se pouco consistente. A comédia funciona, portanto, por algumas piadas memoráveis, especialmente aquelas envolvendo Karin Viard e alguns atores em participações especiais, mas ao final o espectador não terá conhecido a fundo nenhum dos protagonistas.
Isso é uma pena, porque o projeto traz um Dany Boon particularmente contido. O expressivo ator, uma espécie de Leandro Hassum francês, consegue compor um homem carinhoso, mas de gestos e expressões simples. Vincent Lacoste também faz uma composição minimalista, ao contrário do trabalho nas comédias Les Beaux Gosses e Camille Outra Vez. Não há dúvidas sobre a qualidade de Julie Delpy como diretora de atores, conseguindo trocar a caricatura da maioria das comédias populares pelos encontros patéticos entre pessoas comuns. Faltava somente conduzir o trio principal por um caminho interessante.
A conclusão, um dos elementos mais delicados das comédias românticas, não foge às convenções otimistas do gênero. Mesmo assim, último terço da história traz instantes preciosos de perversão afetiva, que lembram o bem-sucedido Bem Me Quer, Mal Me Quer. Percebe-se que Lolo e seus personagens funcionariam melhor numa comédia de humor negro, capaz de abraçar o sadismo subjacente aos conflitos. As escolhas da diretora tornam Lolo mais acessível ao público médio, mas também menos potente do que poderia ser.
LOLO - O FILHO DA MINHA NAMORADA
(Lolo, 2015, 99 minutos)
Roteiro e Direção
Julie Delpy
Elenco
Julie Delpy
Dany Boon
Vincent Lacoste
Karin Viard
Antoine Lounguine
Christophe Vandevelde
Em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping
com sessões às 14h, 16h, 18h e 20h
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