CAPÍTULO
XII
Estava
lá, numa manhã de terça-feira. Um longo texto sem absolutamente nenhum
parágrafo. Sua primeira sensação foi de alívio. Começou a sorrir. Afinal, não
estava maluco. Quer dizer, estava só um pouco maluco, já que chegara a pensar
que estava imaginando tudo aquilo, o que era, sem dúvida, sintoma de um certo
grau de insanidade.
Mas
agora João percebia que havia deixado passar um detalhe básico. Como tinha
guardado de memória o endereço eletrônico de Jeremias, quando acidentalmente
detonou o conteúdo da sua caixa postal, poderia simplesmente ter enviado uma
mensagem para ele e tudo se resolveria sem tanto estresse.
Quer
dizer, tudo isso em termos, raciocinou logo a seguir.
Se
Jeremias respondesse a sua mensagem, isso significaria que ele não havia imaginado
tudo, ou seja, não estava no meio de um surto qualquer. Havia apenas sofrido um
leve desequilíbrio emocional, que o levara a fantasiar sobre o fato de estar
surtando. Simples assim.
Mas,
por outro lado – e sempre havia algum outro lado -, se Jeremias não respondesse
ao meu e-mail, isso significaria que havia uma grande probabilidade de ele ter
realmente surtado. Contudo, também nesse caso, sempre haveria ainda a
possibilidade de Jeremias simplesmente não ter checado o seu correio eletrônico
por vários dias, ou mesmo de ter demorado a responder a sua mensagem. Isso
traria João, então, de volta à hipótese do leve desequilíbrio emocional, que o
levara a fantasiar sobre o surto. Simples assim.
De
qualquer forma, a nova mensagem de Jeremias, encaminhada a partir do mesmo
e-mail que João guardara na memória, estava ali, naquele momento, bem na sua
frente, naquela manhã de terça-feira. E isso encerrava a polêmica sobre surtos,
leves desequilíbrios emocionais e delírios, pelo menos por enquanto.
Deduziu
então que Jeremias usara as letras maiúsculas no início de algumas frases para
sinalizar o ponto final das frases anteriores. Depois de testar o sistema num
trecho mais longo do texto, constatou que sua teoria estava certa. Cada
maiúscula no início de uma frase indicava o ponto final da anterior. Mas por
que diabos Jeremias tinha feito uma merda dessas? E onde estavam as vírgulas,
os pontos e vírgulas, os pontos de interrogação e exclamação, enfim, toda a
pontuação que torna qualquer texto inteligível a quem o lê?
Brincadeira
idiota, estúpida, mesmo para alguém que às vezes conseguia ser tão idiota e
estúpido quanto Jeremias. Ora, então ele que se fodesse.
João
desligou o computador e pegou o violão.
Horas
depois, já no período da tarde, voltou ao computador. Embora tivesse um monte
de trabalho atrasado para acabar, a primeira coisa que fez foi abrir o
recém-chegado e-mail de Jeremias, com o novo trecho da história maluca que ele
insistia em contar, dessa vez sem parágrafos ou qualquer pontuação, exceto por
algumas letras maiúsculas iniciando frases, de quando em quando, e indicando os
pontos finais das frases anteriores.
Inexplicavelmente,
porém, quando João começou a ler o texto novamente na tela do computador, todos
os parágrafos, pontos finais, vírgulas e demais ícones de pontuação começaram a
pipocar na sua cabeça, à medida que seus olhos deslizavam pela seqüência das
linhas. Pegou depressa o notebook e passou a transcrever “mediunicamente” o
“texto mágico” que só ele, naquele instante, conseguia enxergar na tela do
computador de mesa.
Então,
vários fragmentos do que parecia ser uma mesma história foram rapidamente se
tornando coerentes, se é que havia alguma coerência naquela história que
Jeremias achava tão importante contar.
CAPÍTULO
XIII
Naquele
verão, eles costumavam também ir até a Boca ver um grupo de amigos jamaicanos
tocarem.
A
cena era sempre surreal. Aqueles homens negros com seus instrumentos no palco
saudavam a chegada daqueles homens brancos, que certamente não eram cafetões,
acompanhados daquelas mulheres também brancas, que certamente não eram putas, e
todos dançavam até o amanhecer ao som dos reggaes que os jamaicanos tocavam
para homenagear seus inusitados e extasiados visitantes.
Com
o sol já no céu, músicos e dançarinos geralmente caminhavam pelas ruas da Boca
até um determinado bar que ficava bem perto do porto. Ali tomavam uma última
cerveja e depois cada um seguia o seu caminho.
Naquele
dia, Nina pediu que Jeremias a acompanhasse até em casa, pois ainda se sentia
demasiadamente bêbada para pegar um táxi sozinha. Durante todo o trajeto, Nina
dormiu com a cabeça encostada no ombro de Jeremias, que teve que acordá-la ao
chegarem em frente ao prédio onde ela morava, pois Jeremias não tinham nem um
puto para pagar a corrida para o motorista.
Embora
ele soubesse que Nina já havia transado com alguns de seus amigos, nunca, até
aquele momento, passara pela cabeça de Jeremias ter alguma coisa com ela.
Nunca…até
aquele momento, porque, naquele momento, Nina resolveu tomar um banho “pra
despertar”, pois precisava ir trabalhar dali a duas horas.
Perguntou
a Jeremias se ele não faria um café, enquanto isso.
Jeremias
perguntou onde estavam o pó, o bule e o coador.
Já
no chuveiro, Nina explicou a ele onde estavam as coisas e Jeremias, bebendo uma
cerveja que acabara de abrir, começou a preparar o café para Nina “despertar”.
Nina
tinha seios bem grandes, Jeremias lembrou, enquanto esperava a água ferver.
E
Nina, descendente de poloneses, era uma loura natural.
Será
que os pentelhos dela eram tão louros quanto seus cabelos, pensou Jeremias,
enquanto jogava água fervente em cima do pó de café.
Ele
nunca tinha trepado com uma mulher de seios tão grandes e pentelhos bem louros,
concluiu Jeremias, enquanto colocava o café dentro da garrafa térmica e dava o
último gole na sua cerveja.
Nina
saiu do banheiro enrolada numa toalha azul.
Jeremias
apontou para a garrafa térmica em cima da pia.
Nina
pegou a garrafa, perguntou se Jeremias queria e, diante da negativa, serviu-se
de café no copo onde Jeremias acabara de tomar cerveja e esquecera de lavar.
Nina
veio sentar-se no sofá, ao lado de Jeremias, e disse:
–
Você já fez música pra uma porção de gente, né? Eu queria que você fizesse uma
música pra mim.
–
Mesmo?
–
Mesmo!
A
visão de Nina totalmente nua, seus seios grandes de mamilos escuros e pontudos,
a penugem amarela que cobria suas coxas, mas principalmente seus pentelhos
quase tão louros quanto seus cabelos, foi definitivamente demais para a libido
já descontrolada de Jeremias.
Resultado:
bastou que eles apenas começassem a se esfregar para que Jeremias gozasse
inapelavelmente na penugem amarela das coxas de Nina.
Desculpando-se,
Jeremias disse que aquilo nunca havia acontecido antes, confessando a Nina que
ele tinha ficado extremamente excitado ao vê-la completamente nua pela primeira
vez.
Nina
pareceu sentir-se satisfeita ao saber que havia provocado tal reação em
Jeremias somente com sua nudez.
Disse
que não tinha problema, que eles tentariam outra vez, mas que agora estava
atrasada para ir trabalhar.
Despedindo-se
dele, já na porta do prédio, Nina arrematou: “Não esquece da minha música,
hein?”
Caminhando
em direção à praia, Jeremias lembrou que, embora ejaculação precoce nunca tenha
sido um de seus maiores problemas em relação ao sexo, não fora com Nina, na
verdade, a primeira vez em que terminara sem nem ter começado.
Anos
atrás, num fim de noite, Carlos, Leonardo e Júlio o haviam carregado para a
Boca. Jeremias, até então, só tinha trepado três vezes na vida. Aos 16 anos,
transou com três putas naquela mesma Boca. A primeira vez foi com uma mulher
bem mais velha. Ele estava tão nervoso que até hoje não compreendia como
conseguiu ficar de pau duro. A puta, é lógico, logo percebeu que era a primeira
vez de Jeremias. Então disse pra ele ficar calmo, que ela faria tudo “direitinho
e gostoso”.
Se
foi tudo “direitinho e gostoso” Jeremias não saberia dizer, mas que tudo foi
bem rápido, não havia a menor dúvida. Com a precisão técnica adquirida ao longo
de muitos anos de estrada, a mulher, percebendo que o pinto de Jeremias já
estava duro, deitou-se na cama, abriu bem as pernas e puxou Jeremias pra cima
dela. Logo, logo Jeremias estava gozando pela primeira vez dentro da boceta de
uma mulher.
Ainda
contando o dinheiro que Jeremias havia lhe dado, a puta disse que tinha sido um
“prazer” tirar o seu cabaço. Jeremias, sem conseguir dizer nada, virou-se e foi
embora, pelo mesmo corredor comprido e mal iluminado pelo qual tinha entrado.
A
segunda puta com que Jeremias trepou na Boca, aliás, no mesmo puteiro da
primeira vez, era bem mais nova, talvez tão nova quanto ele ou pouco mais
velha. Fosse por isso ou quem sabe por que já não se sentisse tão apavorado,
Jeremias conseguiu até a curtir estar pelado naquela cama velha com aquela
menina nova.
Outra
coisa interessante também era o fato do corpo dessa segunda puta ser
completamente diferente do da primeira. Era bem mais magra, seios pequenos,
pele bem morena, enfim, um corpo de menina. Ah, e Jeremias descobriu também
algo que confirmaria depois pelo resto da vida, que bocetas eram bem diferentes
umas das outras, e isso não tinha nada a ver com aparência, mas sim com a
sensação do seu pinto ao entrar nelas.
Jeremias
não sabia direito quanto tempo ficou no quarto com essa segunda puta, mas, sem
dúvida, demorou bem mais do que da outra vez. Ah, e ela também não contou o
dinheiro que Jeremias lhe deu. Simplesmente guardou as notas nos peitos.
Jeremias gostou daquilo, disse até logo e foi embora pelo mesmo corredor pelo
qual tinha entrado, e que agora não parecia tão mal iluminado, mas talvez fosse
só impressão.
Como
o rito de passagem da molecada na época exigia não apenas a perda da
virgindade, mas a confirmação da macheza com mais algumas idas à Boca, Jeremias
voltou uma terceira vez àquele puteiro. O engraçado é que não se lembrava de
praticamente nada desse trepada. Tinha apenas uma vaga idéia de que a puta era
loura e um pouco mais velha do que a segunda, mas mais nova do que a primeira.
Devia
haver um motivo para essa amnésia, pensava Jeremias enquanto se dirigia para o
quarto daquele outro puteiro com uma puta negra, que seria responsável pela
quarta trepada de sua vida, desta vez por incentivo de Carlos, Leonardo e
Júlio, que o haviam praticamente arrastado até ali. O fato de estar naquele
quarto com uma mulher negra, aliás uma mulher negra bonita, deixou Jeremias
meio nervoso. E quando aquela puta mulher puta ficou nua, ele praticamente
entrou em pânico. Ela então o chamou para a cama. Ele tirou a roupa e se deitou
ao lado dela. Começou a passar a mão pela pele negra e macia da garota e, de
repente, sentiu que tinha gozado.
ProstJeremias
já não se lembrava da reação exata da garota, mas recordava que, como tudo
aquilo tinha acontecido em menos de cinco minutos, eles ficaram no quarto,
conversando, deitados e pelados, durante mais um tempo. Então, Jeremias,
sabe-se lá por que, resolveu dizer a ela que gostaria de ser negro. A garota
perguntou o motivo e ele afirmou que os negros eram mais sensíveis e
inteligentes, quase todos os músicos que ele admirava eram negros, afinal. A
garota, porém, disse que, se dependesse dela, teria nascido branca. “Por quê?,
perguntou Jeremias. “Porque tudo é mais fácil pra branco”, respondeu ela.
Quando
saíram do quarto, Carlos, Leonardo e Júlio já estavam esperando lá fora.
“Caramba, demorou, hein? Deve ter sido muito bom”, afirmou Leonardo. Jeremias
sorriu e ficou calado. Ainda bem que a garota negra também.
E
foi isso, ou alguma coisa parecida com isso.
Ainda
tremia, porém bem menos, e as fisgadas na barriga tinham praticamente
desaparecido.
Ele
havia acabado de tomar banho e, em comparação ao verdadeiro inferno de antes,
sentia-se até bem.
Percebeu
que algumas pessoas estavam reunidas, sentadas no chão, tocando violão e
cantando, no pátio que dava entrada para o refeitório, onde, dali a pouco,
seria servido o jantar.
Jeremias
se aproximou do grupo e sentou. Mais uma vez, constatou que, ao contrário do
que previra, estava se sentindo bem melhor, na medida em que seu sangue
começava a circular livre das toxinas habituais.
Até
mesmo aquela fisgada de leve na sua face esquerda não chegava a ser um grande
incômodo. O que começou a incomodar de verdade foi o fato de, ao tentar focar
as pessoas que estavam ao redor, sentir que sua visão, de repente, começou a
ficar turva e fragmentada.
Se
não fosse totalmente impossível naquelas circunstâncias, Jeremias poderia jurar
que estava viajando de ácido, aliás, um ácido bem forte, daqueles que ele
tomava anos atrás, quando ainda se encontrava mercadoria de qualidade na cidade
de onde vinha.
Bons
tempos aqueles! Bons tempos?, questionava-se Jeremias, ao tentar levantar-se e
perceber que não sentia as pernas. Estava tentando lidar com isso quando a leve
fisgada na face esquerda, da qual já tinha se esquecido, voltou com muito mais
intensidade e parecia agora que todo o seus rosto era repuxado para a frente e
para trás, de um lado para o outro.
A
visão já não turvava mais, isso porque tudo estava ficando cada vez mais
escuro.
Então
ouviu alguém gritar: “Traz rápido uma porra de uma colher da cozinha que o cara
tá enrolando a língua”.
Para
Jeremias, tudo não passava de uma forte chuva combinada com uma atípica ressaca
da maré. Mas Carlos não pensava assim. Para ele, a chuva e a conseqüente
inundação daquele final de madrugada era uma espécie de “sinal do fim dos
tempos”.
Foi
com essa “visão bíblica” que Carlos acordou Jeremias naquela manhã,
convidando-o a meter os pés na água suja que cobria todas as quatro ou três
quadras que separavam o prédio onde morava da praia, cuja areia tinha
“desaparecido” completamente.
Jeremias
e Carlos caminharam durante toda a manhã pelos jardins inundados que separavam
a avenida da praia. Ao poucos, a água foi regredindo. Tudo finalmente ficou
seco. Parece que a água tinha voltado novamente para o mar.
No
final daquela tarde, um grupo de pessoas se reuniu na praia, comentando o
ocorrido. A tese da “grande onda”, aquela que varreria todo o litoral do país,
destruindo tudo o que encontrasse pela frente, era a que tinha mais adeptos. O
que acontecera naquela madrugada era apenas um aviso. Então alguns citavam os
nomes de algumas pessoas que já estavam comprando terras no Planalto Central, o
único lugar que, segundo as previsões, ficaria a salvo da grande onda.
Jeremias estava muito
chapado para considerar a possibilidade concreta de se transformar numa
testemunha do final dos tempos, pelo menos no final dos tempos da cidade onde
vivia. Mesmo assim achou interessante a imagem da “grande onda” levando tudo
para o ralo. E ficou brincando com ela na cabeça, enquanto voltavam para casa.
Estava com fome e frio. “Foda-se a onda”, pensou ele.
CLIQUE ABAIXO PARA ACESSAR OS CAPÍTULOS ANTERIORES
No comments:
Post a Comment