Uma cena
ocorrida hoje, trouxe de volta uma velha imagem da infância.
Fazia calor. Na
parece branca da cozinha, uma fila de formigas se dirigia para algum lugar (as
formigas, às vezes, parecem caminhar sem rumo).
Fui até o
armário e peguei o veneno que, talvez por pudor, insistimos em chamar
“remédio”: remédio para formigas; remédio para mosquitos, remédio para baratas.
O remédio, certamente, é para nosso alívio; não para o deles.
Mas, enfim,
apliquei uma carreirinha daquele veneno que já vem preparado numa espécie de
seringa no parapeito da janela.
É um veneno
bonito: cor de rosa translúcido. Até eu me sinto atraída por ele, imagine as
formigas! Acredito que elas tenham vontade de mergulhar. É o que eu sentiria se
visse um riacho de gel cor de rosa, brilhante e transparente. Ainda mais num
dia de calor.
Imagino, além
disso, que o sabor seja doce e com cheiro de doce. Irresistível.
Algumas horas
depois voltei à cozinha. O veneno havia escorrido pela parede e no seu rastro
se formara uma fila preta de formigas mortas.
Confesso que
senti um aperto no peito e me odiei um pouco. Eram seres vivos, talvez alegres.
Talvez famintos. Algumas talvez tivessem crianças para criar ou velhos para
cuidar. Que mal nos fazem as formigas? Será que elas tinham nomes?
Eis que de
repente, enquanto olhava para aquela fila negra de carnificina e meditava,
alguma coisa se mexeu.
Peguei os
óculos.
Era uma formiga
viva! Uma sobrevivente!
Ela se movia
desesperada. Ia até as companheiras estendidas e voltava. Ia e voltava, como se
com seu corpo perguntasse: – o que
aconteceu aqui? Elas estão mortas? Por que não se mexem? Por que não falam
comigo?
Então, para
consolo da aflita, surgiu de não sei onde, uma outra formiga. Ela parecia mais
calma e sábia. Tinha um andar mais decidido.
As duas ficaram
tricotando antenas, confabulando. Como eu gostaria de ouvir o que estavam
dizendo...
Estarão tentando
entender a causa do extermínio?
– “Não mergulhem
nesse rio, não comam desse doce” – gritei arrependida e já, cheia de amores
pelas formiguinhas.
– “Ai, meu deus,
não adianta gritar. Elas são tão pequenas, não me ouvem”
Foi aí que me
voltou à mente, a velha imagem da infância, de quando eu perseguia as formigas
no jardim para descobrir para onde levavam o butim de folhas e pedaços de insetos:
naquela época, eu pensava...
– “E se fossemos
nós, os humanos, as formigas do jardim de gigantescos gigantes?”
Meu nome é Denise Mattos Marino,
mas fui sintetizada: Denise Marino
ou, simplesmente, Dê,
acompanhada ou não do Marino.
Sou historiadora e professora de história.
Atualmente aposentada – fui mais rápida
que a reforma. Mas ainda levo
para os meus aposentos a curiosidade,
o “só sei que nada sei”
e a vontade de ensinar.
Ah! Sou libriana.
No comments:
Post a Comment