O
futuro é sempre fascínio, por vezes ansiedade, o homem é mais projeção do que
qualquer outro predicado. No pessoal os desejos, no coletivo a busca da
Utopia. Convenhamos que os desejos
pessoais pesam mais ultimamente que a bem-aventurança do grupo, da comunidade,
do ideal fraterno de convivência mais igualitária e justa. No passado dizia-se
que o importante é ser e não ter, hoje existe uma imposição quase histeria por
querer. Querer coisas, viagens, alternativas de vidas, cessar o processo de
envelhecimento, querer não como reflexão mas anseio em si. A prática da
acumulação desmedida, da renovação de utensílios, móveis e imóveis, a mutação
constante do perfil, a reciclagem que é bem mais aparente que essencial. Aliás
o conceito de essencial caiu em desuso, tudo é prioritário e urgente,
eficiência é um mito endeusado pelo mercado assim como descartabilidade um
valor frenético. A ultima onda é a
descartabilidade do trabalho, das funções, do humano. Sempre observo os prismas e existem esperanças
de resistência: jovens que não querem adquirir um carro, tornam-se veganos,
despojados, preferem conhecer a adquirir, optam por não ter filhos. A
robotização, a precariedade dos empregos, a digitalização são aspectos que se
somam a um planeta cansado, um meio ambiente exaurido e a falta de perspectivas
duma consciência generosa para o ser humano. Faz uns vinte anos descobri um
livro impactante desde o título: “O horror econômico” da jornalista francesa
Viviane Forrester quando ela traça a visão sombria da sociedade pós-industrial
e o primado do neo-liberalismo. A inevitabilidade das “forças do mercado” nos
dá pouca margem de imaginação ideológica: como enfrentar com justiça social os
ditames das grandes corporações? Até meu estoque de socialismo vive impasse
cético: poetas não são tolos ideológicos. Nessa obra a autora pontifica sem
concessão ao otimismo lírico: “Será útil viver quando não se é lucrativo ao
lucro? É preciso merecer viver para ter esse direito?” Aqui ela ecoa outro
fetiche contemporâneo: a “meritocracia”. O homem supérfluo diante da engrenagem
é a face mais tenebrosa e cínica do porvir. Qual o lugar do artista, do homem
do espírito em toda essa aridez de assepsia mercadológica é que me tocam
especialmente: quem “merecerá” viver em 2200 afinal? Algumas soluções se
colocam como opção: a biotecnológica nos redimirá? o antinatalismo será tão
eficiente com tanta voracidade de consumo?
Particularmente não ter filhos é uma característica de bons pensantes
desde Machado de Assis: “Não transmiti a ninguém o legado de nossa miséria”
dizia o bruxo do Cosme Velho. Para novas
respostas recomendo um outro livro : “Pequeno tratado do decrescimento sereno”
do economista e pensador (não se excluem!) Serge Latouche francês que expressa
esse conceito audacioso : o decrescimento sereno, sem rupturas traumáticas, a
decisão por gastar menos, consumir menos, viver com menos na superfície e
melhor nas relações com os outros e o meio ambiente. Afinal ler Proust e ouvir
Mozart não são mais prazerosos e desgastantes que lotar estradas e aeroportos,
danificar os oceanos, poluir as cidades? Quem sabe o retorno as hortas
comunitárias, as quitandas de esquina, os cinemas de bairro? Ser de esquerda
será ser visceralmente ecológico e questionador do crescimento sem propósito, a
matriz do progresso não será o consumo, sim a felicidade. Retomar ideário de
Thoreau se impõe: “De que vale uma casa se você não tem um planeta tolerável
ondo o colocar?” Feliz 2019.
Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado:
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