publicado originalmente em O GLOBO
e no ESTADÃO (24 MARÇO 2019)
A Lava Jato fez cinco anos com impressionantes números internos e grandes repercussões na política continental, algo que não se destaca muito aqui, no Brasil. Mas na semana do aniversário sofreu uma derrota: por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que crimes conexos ao caixa 2 vão para a Justiça Eleitoral.
e no ESTADÃO (24 MARÇO 2019)
A Lava Jato fez cinco anos com impressionantes números internos e grandes repercussões na política continental, algo que não se destaca muito aqui, no Brasil. Mas na semana do aniversário sofreu uma derrota: por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que crimes conexos ao caixa 2 vão para a Justiça Eleitoral.
Os
políticos acusados de corrupção terão um alívio. A Justiça Eleitoral não está
aparelhada para investigar, dificilmente colherá provas. Alívio maior ainda é
saber que, mesmo com excesso de provas, como no julgamento da chapa
Dilma-Temer, ela decide absolver.
Há
um novo marco adiante: a votação da prisão em segunda instância. Se o grupo que
resiste à Lava Jato vencer, trará alívio não só para investigados, como também
para os presos.
A
Lava Jato vinha de uma semana difícil com a história da fundação que usaria R$
2,5 bilhões para combater a corrupção. Era dinheiro da Petrobrás a ser
devolvido ao Brasil pelos Estados Unidos. Os procuradores compreenderam rápido
que era melhor recuar da ideia e deixar que o dinheiro seja usado de acordo com
prioridades democraticamente definidas. Mas os adversários souberam aproveitar
o tropeço.
O
ministro Gilmar Mendes chegou a afirmar que havia intenções eleitorais na
decisão dos procuradores de usar o dinheiro contra a corrupção. E levou o nível
da tarde ao de um programa do Chaves, chamando os procuradores de gentalha.
Creio
que os ministros perceberam que derrotar a Lava Jato ia custar a todos uma
certa oposição social. E de fato houve reação nas redes e na rua. Algumas
reportagens indicavam que era uma reação de bolsonaristas contra o STF. Penso
que transcende um grupo determinado.
Dias
Toffoli compreende que está diante de uma situação grave. As sessões são
públicas, a rede comenta e ataca os ministros. No entanto, sua reação de
determinar inquérito no Supremo e escolher um delegado para conduzi-lo deu a
impressão de estar com medo e isolado.
Com
medo porque, de fato, o nível de agressividade aumenta, até com posições que
fariam Rui Barbosa virar no túmulo: acabar com o STF. Isolado porque o Supremo
é um órgão superior, existem estruturas judiciárias próprias para isso. Por que
desprezá-las? Elas só desenvolvem inquéritos sobre acusações específicas, não
uma hostilidade difusa contra os ministros.
Na
verdade, Toffoli deu uma carteirada. Como em toda carteirada no Brasil, no
princípio as pessoas ficam meio surpresas. Em seguida, pensando bem, conseguem
ver as coisas nas dimensões legais.
O
inquérito determinado por Toffoli pode ser contestado legalmente e, sobretudo,
no campo político. Até que ponto procuradores e parlamentares que preparam uma
CPI da Lava Toga não podem interpretar isso como uma tentativa de intimidação?
Não
será o fim do mundo entregar os crimes conexos ao caixa 2 à Justiça Eleitoral,
muito menos acabar com a prisão após julgamento em segunda instância. Se vão
fazer isso, aguentem o tranco, sem apelar para saídas autoritárias. Quem anda
pelas ruas não ouve críticas ao STF apenas de seguidores de Bolsonaro. Há algo
mais amplo e potencialmente agressivo. E se a reação for essa que Toffoli
lançou, as coisas podem ficar muito piores. Em vez de as pessoas lutarem contra
juízes que veem apenas como cúmplices dos políticos, eles vão ser vistos também
como autoritários e antidemocráticos.
Algumas
previsões eleitorais temiam passos autoritários do governo. O Supremo e o
Parlamento seriam contrapesos democráticos. Se o próprio Supremo avança o
sinal, aumenta uma percepção de insegurança. Não creio que os parlamentares se
vão intimidar.
O
caminho escolhido por Dias Toffoli agrava a situação. Abre-se uma perspectiva
para uma luta mais áspera ainda. Já chegamos ao nível do programa vespertino
Chaves com a gentalha, gentalha de Gilmar. No programa, gentalha é um achado;
no diálogo institucional, uma barbárie.
A
Lava Jato continuará com apoio popular. A entrada de Sergio Moro no governo
ainda é uma incógnita. Ela é baseada no propósito de ampliar o trabalho da
operação, levá-la além dos seus limites com um conjunto de leis e uma nova
atitude do Executivo. Todavia não é garantido que os parlamentares respaldem
majoritariamente suas propostas. E parece haver no governo uma luta interna com
potencial desagregador. As notícias que vieram de Washington, sobretudo a
entrevista de Olavo de Carvalho, revelam uma linguagem também corrosiva, em
especial quanto aos militares.
Se
a maioria ocasional entre os ministros prevalecer e derrotar de novo a Lava
Jato, certamente haverá reações. Toffoli mostrou-se um pouco sem norte nesta
primeira etapa. Se insistir nesse tipo de resposta, tende a sair enfraquecido.
Uma
nova derrota da Lava Jato também terá repercussões no Congresso e, pelo que
ouço, o tom lá contra alguns ministros do STF tem a mesma carga emocional das
ruas. Uma CPI da Lava Toga tem o potencial de trazer uma grande pressão, criar
tensões institucionais. A luta ainda está longe do desfecho, mas vejo que pode
ser áspera, com os políticos estimulados pelas ruas. O aspecto delicado é que
ela tem o potencial de pôr em confronto, ainda que parcialmente, duas
instituições com que contávamos como contrapeso democrático.
Será
preciso muita maturidade para avançar daqui para a frente, máxime neste momento
crucial de luta entre diferentes maneiras de tratar a corrupção. Não deveriam
ser tão excludentes. Quando um ministro se coloca como inimigo da Lava Jato, perde
a isenção, propõe, na verdade, um duelo com a maioria da sociedade e parte
substancial do Congresso.
Tomar sucessivas decisões impopulares com um
estilo de briga de botequim é uma escolha. O próprio STF, instituição destinada
a resolver conflitos, transformou-se num núcleo conflitivo. Uma fábrica de
crises entre um e outro chá.
Fernando
Gabeira, escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro
(1998-2010), nascido em 1941, é mineiro de Juiz de Fora e carioca por opção
desde 1963. É pai de duas filhas: Tami e Maya. Destacou-se como jornalista,
logo no início da carreira, na função de redator do Jornal do Brasil, onde
trabalhou de 1964 a 1968. Os colegas de redação diziam que o estilo marcante
dos textos de Gabeira podia ser reconhecido até em bilhetes. No final dos anos
60, ingressou na luta armada contra a ditadura militar. Foi preso e exilado. Em
dez anos de exílio, esteve em vários países. Testemunhou no Chile, em 1973, o
golpe militar que derrubou Salvador Allende. Mais tarde, retrataria a queda e o
assassinato de Allende em roteiro para a TV sueca. Na Suécia, país onde viveu
mais tempo durante o exílio, exerceu desde o jornalismo, principalmente na
Rádio Suécia, até a função de condutor de metrô, em Estocolmo. Com a anistia,
voltou ao Brasil no final de 1979. Nos anos seguintes, Gabeira dedicou-se a uma
intensa produção literária, construindo as primeiras análises críticas da luta
armada e impulsionando no Brasil temas como as liberdades individuais e a
ecologia. Livros como O que é isso Companheiro, O crepúsculo do Macho,
Entradas e Bandeiras, Hóspede da Utopia, Nós que Amávamos
tanto a Revolução e Vida Alternativa apontaram novos horizontes no
campo das mentalidades e colocaram na berlinda uma série de velhos conceitos da
vida brasileira. Em 1986, candidatou-se ao governo do estado pelo Partido Verde
e inaugurou uma nova forma de militância política. Os tradicionais comícios e
passeatas, sisudos e cinzentos, ganharam uma nova estética. Dois momentos
culminantes foram a passeata Fala, Mulher, que coloriu a avenida Rio Branco de
rosa e a cobriu de flores, e o Abraço à Lagoa, em que milhares de pessoas deram
as mãos em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas, produzindo um dos momentos de
maior força simbólica e plástica da cena política brasileira. Nos anos
seguintes, Gabeira continuou jornalista, escritor e tornou-se um dos principais
líderes do PV. Em 1987, cobriu em Goiânia o acidente radioativo com o césio 137
e escreveu seu décimo livro, Goiânia, Rua 57 – O nuclear na Terra do Sol. Sua atuação
política e jornalística foi marcante em diversos outros fatos importantes da
vida nacional, particularmente os ligados à questão ambiental, como a
investigação do assassinato de Chico Mendes, a interdição da usina nuclear de
Angra I por problemas de segurança e o encontro mundial dos povos indígenas em
Altamira (PA). Em 1988, lançou o livro Greenpeace: Verde Guerrilha da Paz, uma
reportagem-ensaio que apresentou ao Brasil a filosofia e os bastidores da maior
organização ecologista do mundo. Em 1989, foi candidato a presidente da
república. Gabeira era, já então, a mais visível liderança de uma nova opinião
pública, mais escolarizada, mais atenta a questões ambientais, culturais e
éticas. No mesmo ano, como jornalista, assistiu a queda do muro de Berlim. Em
1994, elegeu-se deputado federal pela primeira vez. (1998)(2002) Foi um dos
mais influentes deputados do Congresso Nacional. Em 2006, foi o candidato mais
votado no estado. Em 2008, Gabeira foi candidato a Prefeito e liderou uma onda
verde no Rio que, apenas por pouquíssimos votos, não o fez prefeito da cidade. Em
2010, foi candidato a Governador e terminou a disputa em segundo lugar, com 20%
dos votos. Tentando traduzir a importância de Fernando Gabeira na vida política
nacional, a revista Veja escreveu que ele era “o guerrilheiro da lucidez, a
materialização das utopias impossíveis”. É um grande elogio: não é fácil
harmonizar lucidez e utopia.
No comments:
Post a Comment