Um dia levei um cano do Jaguar.
O lendário cartunista aceitou participar de um papo com os leitores de Santos, fizera o convite motivado pelo lançamento da antologia do Pasquim, publicado pela Desiderata.
A duas semanas da palestra, recomecei os contatos, pois já estávamos agendados há um bom tempo. Ligava e sentia um certo mistério, poucas respostas, um clima calmo, e eu, ficando nervoso.
Até que a dois dias do evento consegui falar com ele! O próprio Jaguar me atende na sua casa em Itaipava. Bem objetivo falou que não poderia ir a Santos por causa da Copa na Alemanha. Fiquei branco, amarelo e vermelho e fiquei com vontade dizer, “Mas você vai jogar?!”, mas claro que não disse, gaguejei uns muxoxos e perguntei se havia alguma chance, no que recebi um lacônico não como resposta.
Acabei convidando um jornalista santista para salvar a minha frágil reputação, o José Rodrigues, do Estadão. E lá fomos ao Sesc, o nosso hospedeiro e patrocinador. Pedimos desculpas ao público e conversamos com o pessoal. O Zé viveu a época do Pasquim na cidade de Santos, famosa por ter um histórico de resistência política como poucas cidades, foi um bom papo, com gosto de alívio e gratidão ao amigo de plantão e dublê para cenas perigosas.
Mas voltemos ao nosso quase-herói. Após uns meses recebo uma ligação da editora da Desiderata, a Marta. Olha só, o Jaguar iria passar por São Paulo e pediu para fazer um evento em Santos. E eu custei a acreditar, ele tinha recusado vir com cachê e tudo mais e agora bate na porta assim, de sopetão.
Pensei um pouco, engoli o orgulho e falei para o Jaguar que a casa era dele, e expliquei a sua editora que não teria mais nenhuma regalia, aliás o Sesc me deu uma bela chamada. Nada disso abalava o Jaguar, ele viria assim mesmo.
Dali a alguns dias estaciona um táxi quase em frente à livraria, parando em frente a uma lanchonete chinesa, que tem como especialidade garapa e pastelões. Jaguar não teve dúvida, antes de entrar na Realejo mandou um kibe com cerveja. A partir daí o cartunista atendeu aos leitores, contou causos, lembrou de Santos da sua infância, fato que eu não conhecia, estes anos de escola pela cidade paulista.
Os causos eram deliciosos, principalmente uma história que se passou numa casa de praia em que ele viveu umas temporadas. Ficava num ponto pouco povoado pra lá de Cabo Frio e tinha uma corrente marítima polar que deixava a água gelada, a ponto de chegar ao choque térmico se mergulhássemos de bate pronto. O nosso personagem teve a idéia de colocar imersos na água engradados de cerveja, que saiam geladinhas direto para a mesa. Quando Jaguar me contava sobre as botinhas rosas que bordara para o seu pingüim de estimação achei melhor pedir algo para comermos, eu tentava acompanhá-lo nas rodadas de cerveja, hic.
Ao final da maratona de autógrafos e birita fechamos com um elixir. Guardado como um tesouro no bolso da jaqueta, Jaguar tira duas garrafinhas de Underberg e as mistura nos cafés dizendo: “Estou pronto para outra”.
José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
gosta de ser chamado de "livreiro",
pois acha mais específico do que
"empresário" ou "comerciante",
ainda mais porque gosta de pensar o livro
ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
Nas horas vagas, é um pai de família exemplar.
Já nas horas vagas de pai de família exemplar,
assume sua identidade (não muito) secreta
como o blues-shouter Big Joe Tahan.
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