Se as
queridas e queridos que leem corriqueiramente esse espaço de tempos em tempos
fossem apossados da mais devastadora franqueza, qual a probabilidade de não
chamarem a polícia para mim num cenário onde bato à porta lá pelas quatro da
manhã já armando um escândalo do cacete?!
Por mais
que vocês todos(as) me conheçam — o que sinceramente acho meio difícil posto
que ninguém conhece alguém tão a fundo assim — é, no mínimo, suspeito um
‘conhecido’ agir de forma tão destrambelhada a essa hora ‘da madruga’,
descumprindo o mínimo exigido de uma regra social igualmente consagrada que
apregoa o não incômodo de pessoas a partir das 22 horas.
Na casa
de vocês, tudo bem: regra social, sabe-se lá mais o quê. Na Google, é censura?!
Então,
estabeleçamos um princípio de isonomia em torno do direito à propriedade: se
pode na sua casa, pode na casa da corporação. Certo?!
E olha
que quem escreveu a frase acima tem severíssimas críticas quanto à atuação das
corporações. Podem apostar!
Se é
guardado a cada um de nós o direito à privacidade — pela constituição,
inclusive — onde cada lar e moradia funciona conforme as regras do(a) dono(a),
isso não se aplicaria a uma corporação?!
“Ah,
Marcelo... uma corporação é uma entidade pública de direito privado. Logo, se
oferece serviços à população, é a população — através do uso — que dá a
diretriz”. Bom... nesse caso, primeiro: com a palavra, os especialistas
—advogadas e advogados — dessa área. Segundo, quais os limites dos hábitos
sociais de usuários na geração de um regramento e controle de ente privado
específico, hábitos sociais que geralmente orbitam em torno de mentiras, fake
news e destruições de reputação?!
Se
usuários(as) de mídias sociais estivessem acima de qualquer suspeita — do bem e
do mal — e convidados aos nossos lares se valessem dessa equiparação, há mister
de se registrar que nossos lares seriam ‘A Casa da Mãe Joana’.
Por
baixo... só para começar.
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É
espantoso a quantidade de ‘gritaria’ em torno de “censuras” promovidas por
corporações que administram essas tais mídias (sociais). Se cada um de nós
tivesse a paciência de ler o contrato linha a linha no ato da abertura de uma
conta, estaríamos para lá de cientes de que as tais mídias sociais não permitem
muita coisa. Aliás, se tem um troço mais encaixotado (e encaixotante!) é a tal
da internet.
Contudo,
é meio assustador a fé que as pessoas colocam em empresas ‘que têm dono’. Sim!
Dono! Ou dona! Igual a sua casa, onde a(o) dona(o) é você!
Hmmm...
vejamos... sua casa tem regras, mas o YouTube, não?! — YouTube é uma empresa da
Google. É super simples: passo para um cafezinho em vossas residências e
manifesto meu total desrespeito com os membros de vossas famílias. No mínimo,
levo uma sova, na hora! Espancamento completo. Mas... ‘úia’!!! Se continuar
desrespeitando sua família numa mídia social, caso a mídia social obedeça a uma
ordem judicial de suspender minha mensagem, voilá...! “É censuuuuuura!!!”.
Hmmm... que tal eu mudar meus modos e começar a incluir os vocábulos ‘respeito’
e ‘lisura’ no meu dicionário?!
A crença
moderna de que ‘chuva é só na montanha, jamais na praia’ ainda vai acabar com
esse mundo.
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“Fomos
censurados(as)!”. Hmm... legal... mas... abre a sukita e conta ‘pro’ tio, aqui:
o que você andou fazendo para chegar a tanto?!
As
regras das mídias sociais são até bem claras do que é permitido fazer e do que
não é. Ninguém é absolutamente enganado(a) — é só ler os contratos! Se para
aquilo que você deseja fazer — de verdade — as regras do contrato não permitem,
mais super simples ainda: não abra a conta e procure serviço similar que
permita certas liberdades.
“Ah...
mas o YouTube...”. Ah! “Escala”, ‘né’, meu anjão?! Coisa que a Vimeo não tem,
‘né’?! Você corre para o YouTube porque todos estão lá e não na Vimeo. “Escala”
conta, ‘né’?! Bom... pessoalmente acho certas censuras meio estúpidas, já
outras aprendi a entender porque elas existem. Como a mente humana é sempre
mais ampla e arejada do que qualquer algoritmo, sempre há um modo de entregar
sua mensagem sem que “o grande irmão” se aperceba do excessivo recato por ele
adotado.
Pela
quantidade de atrocidades por mim já testemunhada web afora, devo dizer que as
empresas de mídia social não são santas, mas permitem certas coisas que daria
tranquilamente para escalá-las como uma legião de conglomerados bunda-moles. Se
tivessem que ser um pouquinho mais enérgicas no cumprimento dos contratos, mais
da metade dos(as) usuários(as) teria rodado há muito.
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Esse é
um dos ingredientes que fatalmente deságua no recrudescimento da liberdade de
expressão. Além disso: coloca todos os que lidam com emissão de mensagem num
questionamento posterior quanto ao conteúdo do que foi exposto.
Temos
‘liberdade de expressão’... certo. Mas... temos ‘liberdade de conteúdo’?!
Porque,
hoje em dia, se o seu conteúdo “... não for do agrado...” do(a) receptor(a),
com o perdão da má palavra... fodeu! Ninguém calibra mais a leitura, mas...
mesmo estando descalibrada, “exerço o direito de acabar com a vida de quem ‘não
vou muito com a cara’ caso o conteúdo da mensagem seja considerado (“por
mim”!!!) inadequada ou errônea”.
Emicida,
na última segunda, 27, sentiu isso na pele.
Bom...
que tal primeiro ‘as calibragens devidas para uma leitura pertinente’ antes de
lidar com um filme, livro, música, exposição, espetáculo... e tudo mais?! “Todo
mundo é igual?!”. “Todo mundo pratica a mesma coisa?!”. É meio óbvio que não,
‘né’?!
Seria de
perguntar a Sra. Adriana Couto se ela jogaria na fogueira, ou riscaria das
bibliografias de um bom curso de Letras, um dos maiores e melhores contos da
literatura universal, o “São Cristóvão”, do Eça de Queiroz, simplesmente porque
o narra a história do santo católico e, por tabela, a do Jesus quando menino.
E olha
que nem católico eu sou...
... e,
quem sabe, justamente por isso, por não ser devoto de santos católicos, é que
reputo “São Cristóvão” superior a “Sidarta”, do Hermann Hesse (para deixar o
assunto próximo de nomes ligados à religião de boa parte das pessoas). O meu
ponto não é religioso, mesmo que a minha análise inclua os personagens: o meu
ponto é a estética.
E é
justamente isso que se perde! As leituras encontram-se tão descalibradas que a
variável de compensação que entra no lugar nada tem a ver com a mensagem em si,
muito menos com o conteúdo na forma como veio ao mundo. Então, pessoal?! ‘Cadê’
a estética?! ‘Cadê’ a beleza das coisas em si, independente do conteúdo ou se o
conteúdo me afeta, ou me atinge, ou não é do meu agrado?! Claro que entendo
qualquer pessoa que, diante de um conteúdo ofensivo, agressivo, violento, que
propaga o extermínio de pessoas, busque o cerceamento de tal manifestação,
ainda que pessoalmente ache exagerado dependendo do contexto.
O ponto
é que, em nome do ‘fim do mal’, mais mal chega ao mundo quando o assunto principal
não seria o conteúdo desagradável, mas, sim, a interrupção do que há de beleza
nos inúmeros elementos que compõem aquela mensagem e aquela obra ‘por causa’ de
um conteúdo que julgo ‘isso’ ou ‘aquilo’. “Time’s Arrow”, do Martin Amis é uma
baaaaaiitta obra literária, ainda que eu puxasse pena de homicídio por ter
matado o Todd Friendly. Sempre manifestei que não gosto de nazismo, não quero
ver nazista por perto, nem gosto do tema — aproveitado pela segunda vez numa
recente obra do mesmo autor, um romance chamado “Zone of Interest”, de 2016 —
mas é quase impossível não afirmar que a engenhosidade de Amis foi brilhante
nesse livro pela produção de belo na forma do tecido verbal: uma tremenda obra
literária como foram “Rachel’s Papers” ou a “A Viúva Grávida”, por exemplo.
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Penso
que muita coisa nos dias de hoje ‘não vai para frente’ porque o discurso que
supostamente nos libertaria vem e nos aprisiona por completo. Como dito na
frase de Jean Le Malchanceux, do ‘A Crusader’s Journal’ — epígrafe constante na
abertura do livro de Clifford Irving, “Daddy’s Girl: The Campbell Muder Case”,
de 1988 — “A lei nos protege da barbárie, e nos dá a barbárie da lei”.
Todas as
lutas são legítimas, mas a lacração ainda há de impedir um mundo melhor que
estava prestes a surgir.